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Artigo – A presunção de quitação de dívida e o princípio “dormientibus non sucurrit ius” face ao instituto da adjudicação compulsória – Parte II – Por Iuri Ferreira Bittencourt e Angelo Volpi Neto

Dando continuidade à exploração abrangente desse tema na primeira parte deste artigo, concentramo-nos agora em uma análise mais concentrada do artigo 440G §6º do Provimento 150 do CNJ, um tema de relevância no cenário jurídico contemporâneo. A adjudicação compulsória, ao envolver a transferência forçada de propriedade, implica desdobramentos intrincados que permitem as relações contratuais e patrimoniais. Nesta segunda e última parte, direcionamos nossa atenção para as especificidades desse mecanismo legal, explorando suas implicações práticas e as nuances que o envolve. Além disso, examinaremos o entendimento jurisprudencial atualizado sobre a adjudicação compulsória, proporcionando uma visão sistemática sobre esse tema.

Da adjudicação compulsória extrajudicial

A adjudicação compulsória é um instituto jurídico que se refere ao direito de uma parte em um contrato de compra e venda de imóvel de exigência que a outra parte cumpra com sua obrigação de transferir a propriedade do imóvel. Em outras palavras, quando uma das partes do contrato não cumpre com suas obrigações, a parte prejudicada pode recorrer ao judiciário para forçar a transferência do imóvel, desde que preenchidos os requisitos legais.

Para que uma adjudicação compulsória seja concedida, geralmente é necessário que o comprador tenha cumprido todas as suas obrigações contratuais, como o pagamento do preço e o cumprimento de prazos. Além disso, é importante que o vendedor esteja em mora, ou seja, que tenha se recusado injustificadamente a transferir a propriedade do imóvel. A adjudicação compulsória é uma medida que visa proteger os direitos do comprador e garantir o cumprimento dos contratos de compra e venda de imóveis, garantindo que a parte prejudicada não fique desamparada diante do descumprimento da outra parte.

Nessa seara, acompanhando a tendência da desjudicialização, a fim de proporcionar ao cidadão mais agilidade na busca de seu direito sem ter que recorrer ao Poder Judiciário, o CNJ editou o provimento nº150 de 19/09/23, para tratar desse assunto.

Nesse provimento, chamo a atenção para o artigo 440-G que regulamenta algumas questões da adjudicação compulsória extrajudicial a ser processada perante um Tabelião de Notas combinado com Registrador Imobiliário.

Ao analisar esse provimento, percebe-se que ele foi elaborado com o intuito de simplificar a vida das pessoas. No entanto, é claro que ele não abrange todas as possíveis situações factuais que possam surgir. É justamente nesse contexto que este artigo se propõe a fornecer elementos intelectuais para evitar que esse dispositivo significativo caia em desuso. Por isso, ressaltamos a relevância de flexibilizar o processo de comprovação da quitação de obrigações no âmbito da adjudicação compulsória extrajudicial.

Dentre inúmeros dispositivos, ressalta-se o art.440-G, §6º :

Para fins de prova de quitação, na ata notarial, poderão ser objeto de constatação, além de outros fatos ou documentos:

I – ação de consignação em pagamento com valores depositados;

II mensagens, inclusive eletrônicas, em que se declare quitação ou se reconheça que o pagamento foi efetuado;

III – comprovantes de operações bancárias;

IV – informações prestadas em declaração de imposto de renda;

V – recibos cuja autoria seja passível de confirmação;

VI – averbação ou apresentação do termo de quitação de que trata a alínea 32 do inciso II do art. 167 da Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973; ou

VII – notificação extrajudicial destinada à constituição em mora (DJe/CNJ n. 218/2023, de 15 de setembro de 2023, p. 5-13.

Ao interpretar cuidadosamente o texto legal, torna-se evidente que a lista apresentada não é exaustiva, mas sim exemplificativa, uma vez que inclui “outros fatos ou documentos” como meios de prova. Isso levanta a questão de se é viável utilizar a Prescrição e/ou a Decadência como meios para comprovar a quitação do preço. Embora não tenhamos uma resposta definitiva neste momento, ao analisar de maneira sistemática o conjunto de leis vigentes, identificamos diversas ocasiões que sugerem a possibilidade dessa abordagem. Nesse sentido, mesmo antes desse provimento, alguns Tribunais Superiores se manifestaram sobre o assunto, vejamos:

Em consonância com essa perspectiva, é relevante destacar que determinados Tribunais Superiores, incluindo os de São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, aceitam a prescrição e a decadência como fundamentos para presumir a quitação do preço na adjudicação compulsória, quando decorrem da inércia do credor:

APEL.Nº: 1001968-10.2022.8.26.0606 COMARCA: SUZANO APTE. : —— APDO. : —— AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. DÍVIDA PRESCRITA. A prescrição atinge a pretensão, não implicando na inexistência do débito, pois não atinge o direito subjetivo a ele inerente, contudo, implica na impossibilidade de exigência por meio judicial ou administrativo, uma vez que tal pretensão deixou de ser oportunamente exercida pelo credor ou respectivo cessionário. Imposição de obrigação de não fazer consistente na abstenção de cobrança judicial ou extrajudicial das dívidas prescritas. Imposição de multa por ato de descumprimento. Precedentes deste E. TJSP. Recurso provido.

ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA – Improcedência pela ausência de prova de quitação do preço – Requisito necessário, mas superado no caso concreto, pela verificação da prescrição da pretensão de cobranças das parcelas contratadas e da ação de rescisão contratual em relação ao compromisso de compra e venda que remonta à década de 80 – Inteligência dos artigos 190 e 476 do Código Civil – Sentença reformada – Recurso provido.

(TJSP; Apelação Cível 1002242-93.2021.8.26.0125; Relator (a): Moreira Viegas; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro de Capivari – 1ª Vara; Data do Julgamento: 11/09/2023; Data de Registro: 11/09/2023)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. Apelo da parte ré, por meio da Curadoria Especial. Art. 1418 do CC. Ação pessoal em que o promitente comprador, diante da recusa do promitente vendedor em lhe outorgar a escritura definitiva do imóvel, pretende substituir judicialmente a vontade do alienante para concretizar a transferência da propriedade. Requisitos da ação de adjudicação compulsória: (1) existência de compromisso de compra e venda de bem imóvel, (2) quitação integral do preço e (3) omissão do alienante quanto à outorga de escritura definitiva. Requisitos cumpridos. Quitação do preço presumida. Ausência de notícias de qualquer ação de cobrança em face do promitente comprador e indiscutível prescrição de eventual direito de cobrança (art. 203, §5º, I, do Código Civil). Posse do imóvel há mais de 30 anos, tempo suficiente, inclusive, para ser declarada a aquisição da propriedade pela usucapião. Presunção de quitação do preço não afastada pela apelante. Precedentes desta Corte. Cadeia registral do imóvel devidamente comprovada. Legitimidade ativa. Por fim, no que tange à alegada ilegitimidade passiva, assiste razão à apelante, motivo pelo qual extingue-se o feito, sem resolução do mérito, em face do referido réu. Art. 485, VI do CPC. Sentença que se reforma parcialmente. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.(0163789-85.2014.8.19.0001 – APELAÇÃO. Des(a). ANDREA MACIEL PACHA – Julgamento: 12/06/2023 – SEGUNDA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 3ª CÂMARA /TJRJ).

Tipo de processo: Apelação CívelTribunal: Tribunal de Justiça do RS Classe CNJ: Apelação

Relator: Liege Puricelli PiresRedator:Órgão Julgador: Décima Sétima Câmara CívelComarca de Origem: CAMPO BOMSeção: CIVELAssunto CNJ: Promessa de Compra e Venda Decisão: Acordao. Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. OUTORGA DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. A adjudicação compulsória é o remédio jurídico colocado à disposição de quem, munido de promessa de compra e venda ou título equivalente, não logra êxito em obter a escritura definitiva do imóvel. É necessário, também, que o instrumento esteja devidamente quitado e que haja recusa do promitente-vendedor em outorgar a escritura pública definitiva de compra e venda. No caso, em que pese não haja prova da quitação, eventual pretensão de cobrança dos promitentes-vendedores contra o promitente-comprador já se encontraria prescrita. E isso porque a última parcela relacionada ao preço teve vencimento em março/1978, ou seja, há mais de quarenta anos, o que faz presumir o pagamento. Acolhimento do pleito de outorga da escritura pública definitiva de compra e venda. RECURSO PROVIDO À UNANIMIDADE.(Apelação Cível, Nº 70083960757, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em: 30-04-2020). Data de Julgamento: 30-04-2020. Publicação: 22-09-2020

APELAÇÃO CÍVEL. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. CESSÃO. AUSÊNCIA DE PROVA DO PAGAMENTO. PRESUNÇÃO PELO LONGO TRANSCURSO DE TEMPO, NÃO É CRÍVEL QUE A QUITAÇÃO DO PRECO NÃO TENHA SE CONCRETIZADO, MESMO PORQUE, JÁ HAVERIA INCIDIDO A PRESCRIÇÃO EXTINTIVA DO DIREITO A COBRANÇA. IMÓVEL QUE NÃO CONSTA NO ROL DE BENS DO INVENTÁRIO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 2010.081014-1, de Içara, rel. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 23-10-2012).Gabinete Desa. Substa. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer

Diante disso, interessante transcrever trecho do voto da relatora Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer na Apelação Cível n. 2010.081014-1, proferido pelo Tribunal de Santa Catarina: “Ademais, sendo as parcelas do contrato inexigíveis, em razão da prescrição operada, é desarrazoada a exigência de apresentação de documentos que demonstrem o adimplemento das parcelas quando tais valores não poderão ser objeto de cobrança e discussão”.

Outrossim, também merece destaque Apelação Nº 0302608-42.2017.8.24.0038/SC RELATORA: Desembargadora Cláudia Lambert de Faria, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, quando a ilustríssima invoca as facetas da boa-fé objetiva:

Trazendo referidos conceitos para o caso ora em análise, é fácil perceber que a conduta praticada pelos réus/apelantes caracteriza o instituto da supressio. O acordo previu o pagamento de 25 parcelas – com início em setembro/2011 e término, consequentemente, em setembro/2013 – e ficou estipulado que “não havendo denúncia no prazo de 15(quinze) dias será considerado cumprida a obrigação”(cláusula 03, primeira parte). Decorrido o prazo de 15 dias após o término previsto para o cumprimento total da obrigação, não houve qualquer manifestação dos apelantes a respeito de eventual descumprimento. Aliás, durante todo o período entre a homologação do acordo e o ajuizamento da presente demanda os recorrentes quedaram-se inertes. (.) transcorrido considerável lapso temporal após o fim do prazo estabelecido no acordo, os apelantes criaram a justa expectativa de que a obrigação estava totalmente adimplia, razão pela qual o silêncio, nesse caso, importante presunção de quitação total da dívida.

Por outro lado, em uma decisão monocrática, o Superior Tribunal de Justiça apresenta sua perspectiva, vejamos:

A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a prescrição apenas impede a pretensão à reparação, não tornando inexistente a dívida.Nesse sentido: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO. IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA CONSTATADA. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA JULGADA IMPROCEDENTE PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. DÉBITO PRESCRITO. RECONHECIMENTO DE QUITAÇÃO. INVIABILIDADE. AGRAVO INTERNO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.1. “A quitação do preço do bem imóvel pelo comprador constitui pressuposto para postular sua adjudicação compulsória, consoante o disposto no art. 1.418 do Código Civil de 2002” (REsp 1.601.575/PR, relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, DJe de 23.8.2016). 2. “A prescrição pode ser definida como a perda, pelo titular do direito violado, da pretensão à sua reparação. Inviável se admitir, portanto, o reconhecimento de inexistência da dívida e quitação do saldo devedor, uma vez que a prescrição não atinge o direito subjetivo em si mesmo” (REsp 1.694.322/SP, relatora MINISTRA NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe de 13.11.2017).

Seguindo essa mesma linha de argumentação, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em sua decisão judicial, também rejeitou a aplicação do instituto da prescrição como uma alternativa para inferir a quitação do preço na adjudicação compulsória. Na ocasião, percebe-se que a respeitável corte limitou-se à interpretação literal do dispositivo legal, conforme o artigo:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS – INSURGÊNCIA DO AUTOR – ALEGADO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS – AFASTAMENTO – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA QUITAÇÃO TOTAL DO VALOR – RECIBOS APRESENTADOS QUE NÃO SE MOSTRAM SUFICIENTES — PARTE QUE NÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS DISPOSTO NO ART. 373, I DO CPC – ADEMAIS, DECURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL QUE NÃO IMPLICA EM QUITAÇÃO – PRESCRIÇÃO QUE ATINGE APENAS A PRETENSÃO DE COBRANÇA DO PROMITENTE VENDEDOR E NÃO O DIREITO SUBJETIVO EM SI – REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS – REVELIA DO RÉU – IMPERTINÊNCIA – PRESUNÇÃO DE VERACIDADE MERAMENTE RELATIVA – DOCUMENTOS QUE NÃO SÃO APTOS A SUSTENTAR A PROCEDÊNCIA DO PEDIDO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR – 19ª Câmara Cível – 0001854-91.2021.8.16.0189 – Pontal do Paraná – Rel.: DESEMBARGADOR RUY ALVES HENRIQUES FILHO – J. 05.12.2022).

Nos dois casos mencionados anteriormente, é evidente que houve o reconhecimento da prescrição e decadência, contudo, essas decisões deixaram de considerar os seus impactos, possibilitando, assim, que as obrigações naturais sirvam como justificativa para a manutenção de propriedades irregulares.

Ocorre que, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, em mais uma oportunidade de tratar do mesmo assunto, dessa vez, ao nosso sentir, caminhou de forma acertada, quando reconheceu a impossibilidade de cobranças de dívidas prescritas, vejam-se:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO PRESCRITO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO. INSTITUTO DE DIREITO MATERIAL. DEFINIÇÃO. PLANO DA EFICÁCIA. PRINCÍPIO DA INDIFERENÇA DAS VIAS. PRESCRIÇÃO QUE NÃO ATINGE O DIREITO SUBJETIVO. COBRANÇA EXTRAJUDICIAL DE DÍVIDA PRESCRITA. IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO ESTADUAL. 1. Ação de conhecimento, por meio da qual se pretende o reconhecimento da prescrição, bem como a declaração judicial de inexigibilidade do débito, ajuizada em 4/8/2021, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 26/9/2022 e concluso ao gabinete em 3/8/2023. 2. O propósito recursal consiste em decidir se o reconhecimento da prescrição impede a cobrança extrajudicial do débito. 3. Inovando em relação à ordem jurídica anterior, o art. 189 do Código Civil de 2002 estabelece, expressamente, que o alvo da prescrição é a pretensão, instituto de direito material, compreendido como o poder de exigir um comportamento positivo ou negativo da outra parte da relação jurídica. 4. A pretensão não se confunde com o direito subjetivo, categoria estática, que ganha contornos de dinamicidade com o surgimento da pretensão. Como consequência, é possível a existência de direito subjetivo sem pretensão ou com pretensão paralisada. 5. A pretensão se submete ao princípio da indiferença das vias, podendo ser exercida tanto judicial, quanto extrajudicialmente. Ao cobrar extrajudicialmente o devedor, o credor está, efetivamente, exercendo sua pretensão, ainda que fora do processo. 6. Se a pretensão é o poder de exigir o cumprimento da prestação, uma vez paralisada em razão da prescrição, não será mais possível exigir o referido comportamento do devedor, ou seja, não será mais possível cobrar a dívida. Logo, o reconhecimento da prescrição da pretensão impede tanto a cobrança judicial quanto a cobrança extrajudicial do débito. 7. Hipótese em que as instâncias ordinárias consignaram ser incontroversa a prescrição da pretensão do credor, devendo-se concluir pela impossibilidade de cobrança do débito, judicial ou extrajudicialmente, impondo-se a manutenção do acórdão recorrido. 8. Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp n. 2.088.100/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 17/10/2023, DJe de 23/10/2023.)

Nesse julgamento, no voto da relatora, destaco o seguinte trecho:

O instituto tem como finalidade conferir certeza e estabilidade às relações jurídicas e sociais, buscando evitar a manutenção indefinida de situações jurídicas pendentes por lapsos temporais prolongados”. Além disso, fez citação precisa de Pontes de Miranda que apresentou notável analogia ao comparar o direito sem pretensão ao arqueiro sem arco, in verbis:

“1. DÍVIDA E INADIMPLEMENTO. – Quem deve está em posição de ter o dever de adimplir. Pode não estar obrigado a isso. Então, há o dever, e não há a obrigação. […] O crédito é como o arqueiro, o homem que peleja com o arco. Pode estar armado e pode não estar. A arma é a pretensão. Crédito sem pretensão é crédito mutilado, arqueiro sem arco. Existe o crédito, porém não se pode exigir. Quem deve e não é obrigado não pode ser constrangido a adimplir, nem sofre conseqüências do inadimplemento. Quem faz o que o arqueiro quer, embora esteja êle desarmado, é como o devedor, que não é obrigado, mas paga, presta. (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado: direito das obrigações, inadimplemento. Atualizado por Ruy Rosado de Aguiar Júnior e Nelson Nery Jr. São Paulo: RT, 2012, p. 57-58) [g.n.]

Nota-se que, a ilustre ministra, ao buscar verificação de certeza e estabilidade às relações jurídicas e sociais, demonstrou a crucial importância de evitar a manutenção indefinida de situações jurídicas pendentes por longos períodos. Como notavelmente apontado por Pontes de Miranda, em sua analogia, o direito desprovido de pretensão lembra-se a um arqueiro desarmado, onde existe o crédito, mas não se pode exigir o cumprimento. Nessa perspectiva, compreendemos que, embora quem não deva ser obrigado a agir, a existência da pretensão é o que confere a força necessária para garantir a concretização das obrigações e a harmonia nas relações sociais. Portanto, o instituto em análise representa um alicerce essencial na manutenção do equilíbrio e no desenvolvimento nacional.

Por fim destacamos importante despacho sob nr. 46904484/ 2019, do então Corregedor Geral da Justiça do Paraná, Desembargador Luiz Cezar Nicolau em consulta formulada por oficial de Registro de Imóveis daquele Estado sobre a possibilidade de cancelamento de averbação de hipoteca após o prazo de 30 (trinta) anos, por requerimento da parte interessada sem anuência do credor. Mas além do caso que não se refere exatamente ao tema aqui tratado, refere-se hierarquicamente a garantia real expressa e por conseguinte superior a cláusula de parcela, extrai-se o princípio da chamada usucapião da liberdade da garantia real.

Ressalte-se ainda que, sendo o adjudicante um possuidor de justo título, está no mínimo protegido pelo prazo de 10 anos (art. 1242 CC) sem prejuízo do art. 206, VIII – I – § 5° do Código Civil prevista prescrição em 5 anos.

Análise Econômica do Direito Frente aos Imóveis Irregulares

Pesquisa do Banco Internacional de Desenvolvimento – BID, juntamente com a Universidade de Campinas -UNICAMP, promovida em 2018 constatou que 67% do imóveis dos imóvis da região metropolitana daquela cidade não possuem escritura e por conseguinte seu valor de mercado é reduzido em no mínimo 30%. O economista peruano Hernando de Soto, foi pioneiro dos estudos da economia informal na América Latina, em seu livro “O Mistério do Capital” demostra o quanto significa a legalização imobiliária no PIB dos países, na medida que seus proprietários usam esses imóveis como fomento para alavancar seus pequenos negócios, seja para fins comerciais ou em garantia real.

Sem querer esgotar esse tema, mas apenas pincelar algumas questões, a interseção entre a economia e o Direito tem sido mostrada cada vez mais relevante na contemporaneidade, especialmente quando se trata de propriedade imobiliária. De acordo com Posner (2007), a Análise Econômica do Direito (AED) fornece uma lente analítica valiosa para compreender as implicações financeiras e sociais das decisões legais, sendo especialmente aplicável quando se trata de questões relacionadas à propriedade e ao mercado imobiliário. Neste contexto, torna-se crucial investigar como a AED pode ser empregada na análise dos imóveis irregulares, considerando os incentivos, os custos e as externalidades associadas a esse tipo de propriedade.

A presença de imóveis irregulares gera uma série de entraves sociais que afetam não apenas os proprietários, mas também a comunidade como um todo. Coase (1960) argumenta que, em um cenário de transações custosas, uma alocação eficiente de recursos pode ser alcançada por meio de negociações entre as partes envolvidas. No entanto, quando se trata de imóveis irregulares, a existência de direitos de propriedade mal definidos e a dificuldade de se obter seu título definitivo, mensurar os danos causados ??por isso tornam esse processo complexo.(Fischel, 1995).

Em suma, considerar a forma exemplificativa dos meios para demonstrar e/ou presumir a quitação da obrigação no cenário da adjudicação compulsória extrajudicial, permitindo, portanto, a regularização do imóvel, apresenta-se como forte ferramenta essencial para o desenvolvimento nacional, um dos objetivos fundamentais da República art.3, II da CF/88.

Considerações finais

A presunção de quitação de dívida quando o tempo para cobrança judicial já ultrapassou o limite legal é uma questão que envolve princípios fundamentais do Direito. O brocárdio “Dormientibus Non Sucurrit Ius” e a legislação, tanto o Código Civil de 1916 quanto o Código Civil de 2002, fornecem diretrizes importantes para abordar esse assunto.

A redução do prazo de prescrição introduzida pelo Novo Código Civil reflete uma mudança na perspectiva legal em relação à proteção dos direitos dos devedores, tornando o período para cobrança mais restrito. Diante do cenário atual, a presunção de quitação de dívida após a transcurso do prazo legal é uma possibilidade que deve ser considerada como outros fatos ou documentos frente ao instituto da adjudicação compulsória extrajudicial de acordo com a legislação vigente.

Referências

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. São Paulo: Saraiva, 2007. V 3.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais. São Paulo: Saraiva, 2016. V 3.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Teoria das Obrigações e Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009. V 3.

BRASIL. Senádo Federal. Código civil brasileiro de 1916. Disponível aqui.

BRASIL. Senádo Federal. Lei Nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Novo Código Civil). Disponível aqui .

COASE, Ronald H. T. O problema do custo social. Revista de Direito e Economia, v. 3, p. 1-44, 1960. Disponível aqui. Acesso em: 28 jun. 2019.

Fischel, William A. Tomadas regulatórias: direito, economia e política. Imprensa da Universidade de Harvard, 1995.

POSNER, Richard A. Análise Econômica do Direito Aspen Casebook series, 8th edition. Aspen Publishers, 2007.

Fonte: Migalhas