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Artigo: Socioafetividade e o Direito Sucessório – Por Raquel Oliveira Aguiar e Tauã Lima Verdan Rangel

CONSIDERAÇÕES INICIAIS No ordenamento jurídico brasileiro, algumas mudanças ocorreram como expressão da própria evolução da sociedade, principalmente no direito da família no que diz respeito ao reconhecimento da filiação. Assim sendo, pode-se afirmar que o complexo conceito de família contemporânea tem suscitado muitas dúvidas e conflitos sobre a paternidade no âmbito social, emocional e principalmente jurídico. Além da Constituição Federal de 1988, que expandiu o conceito de família, trouxe conexões iguais, interferiu nas relações familiares e estabeleceu relações emocionais entre pais e filhos diretamente por meio do estabelecimento de novos valores. Ademais, neste contexto de exposição, existem também princípio efetivo da dignidade humana como concordância do bem-estar pessoal. A filiação socioafetiva é a base do vínculo afetivo formado pelo laço afetivo, pelo dia a dia, pelo relacionamento de carinho, parceria, dedicação e doação entre pais e filhos. Tendo em conta a diferença entre pais e genitor, no reconhecimento da filiação, inclusive na lei de registro, os pais desempenham o papel de protetor, educador e emocional, estando cada vez mais forte tanto na sociedade, tanto no mundo jurídico. METODOLOGIA Como forma de desenvolver o trabalho foi usada na metodologia de pesquisa, consultas de materiais didáticas sobre o tema como leitura e analise revisões literárias e legislação especial e genérica, ou seja, com a abordagem qualitativa. DESENVOLVIMENTO De acordo com o magistério de Rodrigues (2014, p.320), apud Arruda (2018), a “Filiação é a relação de parentesco consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àquela que a geram, ou a receberam como se a tivesse gerado”. O conceito atual de filiação difere do conceito enfrentado antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, que distingue os filhos fruto das relações conjugais, daqueles constituído fora a união conjugal do casal. Ora, o Código Civil de 1916 tratava de modo discriminatório o reconhecimento dos filhos havidos ou não na estabilidade do casamento. (ARRUDA, 2018). Ademais, de acordo com Poiani, Justamente em decorrência da evolução da sociedade e das modificações nas relações que permeiam o instituto da Família é que surgiu a necessidade de resguardar direitos que, apesar de não estarem positivados, merecem amparo dos Tribunais para que o sistema jurídico possua segurança jurídica e, principalmente, como medida a ser adotada para efetivar a dignidade da pessoa humana. (POIANI, 2018, s.p) A relação de filiação socioafetiva, ainda que não possua uma previsão legal explícita, pode ser interpretada e regida pelo princípio da igualdade entre os filhos, trazido pela Constituição Federal, em seu artigo 227, § 6º, que assim aduz: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” (BRASIL, 1988), reforçado pelo artigo 1.596 do Código Civil. Os filhos eram classificados em legítimos, ilegítimos e legitimados. Os legítimos eram aqueles advindos da relação de casamento dos genitores. Quando não houvesse casamento, denominavam-se ilegítimos e sua classificação era subdividida em naturais ou espúrios. Naturais, quando entre os pais não houvesse impedimento para o casamento e, espúrios, quando a lei proibia a relação conjugal dos genitores, podendo os espúrios serem classificados, ainda, em incestuoso ou adulterinos, sendo aqueles quando decorrentes do parentesco próximo e, estes, por ocasião de um ou ambos os genitores já serem casados. Por fim, aos legitimados eram conferidos os mesmos direitos dos filhos legítimos, e sua classificação advinha como um dos efeitos do casamento, como se o filho houvesse sido concebido após as núpcias do casal. (ARRUDA, 2018, s.p). “Por fim e não menos importante, nosso ordenamento jurídico adotou a figura da socioafetividade, em que pese ser a existência fática de afeto entre pessoas da família e sua vivência como parentes de fato” (REVISTA NACIONAL DE DIREITO DE FAMILIAS E SUCESSÕES, 2014, p. 49 apud ALMEIDA, 2020, s.p). Ademais, pode-se mencionar que: Se o assunto parece moderno aos olhos do mundo jurídico, fato é que socialmente existem há muito tempo os chamados filhos de criação, “adoção a brasileira”, o considerar-se pai e sentir-se como filho já são fatos conhecidos historicamente. Ainda que a priori esta concepção possa parecer ir de encontro ao dito “Mundo das Leis”, o que a doutrina tem entendido é que, sendo o Direito pautado pelo social, ou seja, uma resposta aos acontecimentos sociais é necessário que se evolua neste sentido, para garantir além de afeto, segurança jurídica aos vulneráveis. Diante disso, temos agora o afeto e o estado de filho, dotados de valor jurídico. (REVISTA IBDFAM, 2014, p.12 apud ALMEIDA, 2020, s.p). A filiação sociofetiva também é possível ser interpretada e aceita através dos artigos 1.593 e 1.605, inciso II ambos do Código Civil, que assim preveem: Artigo 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. […] Artigo 1.605. Na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito: […] II – quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos. (BRASIL, 2002, s.p) A posse do estado de filho é identificada pela doutrina pela designação da existência de 3 (três) elementos: “a) Tractus – quando a pessoa é tratada pela família como filha; b) Nomem – quando a pessoa usa o sobrenome da família; e, c) Fama (ou reputatio) – quando a pessoa é reconhecida pela sociedade como filha”(ARRUDA, 2018, s.p). O reconhecimento da filiação socioafetiva e seus efeitos sucessórios no ordenamento jurídico e, também, na sociedade poderão evitar injustiças, pertinentes a essa prática, “que apesar de ainda não ter a devida atenção da Legislação Brasileira, é de suma importância, mormente quando se trata do melhor interesse do menor.” (OLIVEIRA; SANTANA, 2017, p.110). DISCUSSÃO Arruda (2018, s.p) aduz que o “Direito sucessório, restrito à condição decorrente de morte (ou mortis causa)”, ou seja, um conjunto de normas que regulam a transferência dos bens do falecido (sejam ativos ou passivos). O Direito sucessório, no que concernem às espécies de sucessão, possui respaldo jurídico legal no artigo 1.786 do Código Civil, subdividindo-se em sucessão legítima e testamentária. Oliveira e Santana, por sua vez, apontam que: Entende-se por sucessão, em sentido amplo, o ato pelo qual uma pessoa toma o lugar de outra; investindo-se a qualquer título, no todo ou em parte, nos direitos que lhe competiam. Já em sentido restrito, sucessão é tão somente a transferência da herança ou legado, por morte de alguém, aoherdeiro ou legatário, tanto por força de lei como em virtude de testamento (OLIVEIRA; SANTANA, 2017, p.105). “Quando havia a distinção dos filhos no Código Civil de 1916, não havia sequer a possibilidade de se conceber qualquer dos direitos referentes as questões sucessórias a filhos que não fossem consanguíneos e legítimos”. (SILVA, 2019, p.20). Como essa diferença não existe mais e os princípios que regem o direito de família vêm tornando-se base no momento em que não tem uma norma que regule esta questão, visto que é o caso de famílias afetivas, as pessoas compreenderam que os filhos carecem gozar de direitos iguais, principalmente do direito à herança. Enquanto a “posse de estado de filho”, base da filiação socioafetiva, não for expressamente reconhecida pelo ordenamento jurídico, cabe à doutrina e à jurisprudência assegurar que o filho socioafetivo seja reconhecido e protegido; sobretudo, após o falecimento daquele que o criou. (OLIVEIRA; SANTANA, 2017, p.99). Na verdade, na maioria dos casos, os filhos afetivos só se preocupam em provar a intenção dos pais de constituir família. Após o falecimento, isso torna a comprovação ainda mais complicada, incluindo se houver herdeiros de descendência consanguínea. Por oportuno, necessário se faz registrar que o reconhecimento de um filho serve de prova para evidenciar um fato. Sendo assim, apesar de serem tidos como filho, ao ficar evidenciada a “posse de estado de filho”, os direitos decorrentes do reconhecimento da filiação só podem ser exercidos após declaração judicial; tornando-se o filho detentor de todos os direitos atribuídos aos filhos consanguíneos (OLIVEIRA; SANTANA, 2017, p.99) A questão a qual discorre acerca das famílias que tem filhos apenas afetivos, é que o legislador não abordou tal gênero familiar no rol do artigo 1.596, “o que fica a cargo subjetivo a resolução dos conflitos que possivelmente ocorrerão com questões envolvendo esse tipo familiar”. (SILVA, 2019, p.20). Ademais, “ainda há discussões e consequentes divergências quando são analisados casos concretos, apesar de todo o avanço que vem sendo feito por parte da doutrina e jurisprudência nas demandas familiares.”  (SILVA, 2019, p.21) Embora todo esforço feito pela doutrina e jurisprudência para alcançar a eficácia do princípio da efetividade, neste sentido, o legislador não pode permanecer inerte sobre essas questões. Se não houver lacunas na legislação ou falta de leis e regulamentação legal, as diferenças nessas questões seriam menores. CONSIDERAÇÕES FINAIS Não há diferença entre os filhos, seja biológico, adotado, afetivo ou advindo da reprodução assistida. Portanto, a afetividade como direito fundamental elimina a resistência ao reconhecimento da igualdade entre filiação biológica e a socioafetiva. Embora que existem várias lacunas na legislação sobre o assunto, a doutrina e a jurisprudência têm se aprimorado no sentido de reconhecer essa filiação, garantindo aos que efetivamente preenchem os requisitos de posse do estado de filho a transferência de bens, direitos, encargos e obrigações, quando da abertura da sucessão, na hipótese de enquadramento como herdeiro, em concordância a ordem de sucessão hereditária. Fonte: Jornal Jurid