Um ano após as enchentes históricas, serviços notariais e registrais foram essenciais para restabelecer cidadania e dignidade às vítimas
Um ano se passou desde que o Rio Grande do Sul enfrentou a maior catástrofe climática de sua história. Em maio de 2024, enchentes sem precedentes afetaram 478 municípios, deixando 184 mortos, 806 feridos, 25 desaparecidos e quase 200 mil desabrigados. Diante do caos, os cartórios extrajudiciais emergiram como pilares na garantia da cidadania, ajudando milhares de famílias a recuperarem documentos e direitos básicos.
Mesmo com 30 serventias severamente atingidas e 76 enfrentando perda de renda, os cartórios não pararam. Atuaram em postos itinerantes, atendimento remoto e mutirões como o “Recomeçar é Preciso!”, que emitiu gratuitamente segundas vias de certidões àqueles que perderam seus documentos. Ações como a “Caravana de Direitos” percorreram 111 municípios, atendendo comunidades isoladas. Em Lajeado, a 3ª edição do mutirão “Central Cidadania” registrou 1.120 atendimentos em uma semana.
Cláudio Nunes Grecco, presidente da Associação dos Notários e Registradores do Estado do Rio Grande do Sul (Anoreg/RS), destacou a ação social realizada em conjunto com as entidades extrajudiciais do estado. “Logo após a tragédia, o Fórum dos Presidentes, órgão vinculado à Anoreg/RS, decidiu por priorizar a questão social. Nosso primeiro passo foi amparar os colaboradores diretamente afetados, repassando auxílio financeiro emergencial para atender às necessidades mais urgentes. Paralelamente, iniciamos um levantamento detalhado dos danos estruturais e documentais nos Cartórios atingidos, enquanto articulávamos uma rede de solidariedade entre serventias para evitar a paralisação total dos serviços à população – um esforço que contou com doações e apoio direto de colegas de todo o estado”, disse.
“Os recursos arrecadados nacionalmente foram direcionados para reestruturar as serventias mais afetadas, garantindo que voltassem a operar com condições mínimas de funcionalidade. Além disso, por meio da Coopnore, implementamos linhas de crédito subsidiado para ajudar cartórios na aquisição de equipamentos, reformas e digitalização de acervos. O caminho ainda é longo, mas podemos ver hoje os resultados concretos dessa mobilização coletiva”, completou Grecco.
A colaboração com o Judiciário também foi crucial. O TJ/RS criou o “Núcleo Enchentes” para agilizar processos relacionados à tragédia, enquanto a desembargadora Denise Oliveira Cezar elogiou a parceria com os cartórios: “O serviço extrajudicial é essencial à cidadania”.
No entanto, desafios persistem. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) alerta que apenas 6,5% das 25 mil moradias prometidas foram entregues. “A vida ainda não voltou ao normal”, afirma o MAB-RS. O advogado ambientalista Tiago Martins destacou a complexidade da regularização fundiária em áreas de risco, exigindo integração entre políticas públicas e legislação ambiental.
Reconstrução e lições
Cartórios como o de Eldorado do Sul, que ficou 15 dias submerso, conseguiram se reerguer graças à solidariedade e à digitalização de acervos. Jane Dantas, oficial em Rolante, relatou: “A união nos tornou mais fortes”. O Plano Rio Grande, lançado pelo governo estadual, busca reconstruir com resiliência, mas a execução ainda é gradativa.
A tecnologia foi um diferencial. Cartórios com acervos digitalizados, como o de Galópolis, retomaram operações em semanas. Na época, João Pedro Lamana Paiva, registrador de imóveis em Porto Alegre, na capital gaúcha, reinstalou seu cartório em um coworking usando backups na nuvem.
A tragédia de 2024 deixou marcas, mas também mostrou a força da colaboração. Os cartórios gaúchos, além de emissores de documentos, tornaram-se agentes de dignidade. “Nenhuma tragédia pode romper o elo entre o cidadão e o Estado”, reflete Grecco. Enquanto o RS avança na reconstrução, o legado de solidariedade e inovação permanece como farol para futuros desafios.
Fonte: Associação dos Notários e Registradores do Estado do Rio Grande do Sul (Anoreg/RS)