Artigo – Resistência à mediação antecedente ao processo - Mudança de paradigmas e realização do procedimento em reuniões privadas – Por Marcelo Palma Marafon

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Muito se tem utilizado do termo "Justiça Multiportas" no mundo do Direito. O Sistema Multiportas é um modelo que prevê a integração de diversas formas de resolução dos litígios, sendo judiciais ou extrajudiciais, e, por meio dele, os litigantes são orientados a seguir para a melhor opção de como resolver o seu conflito, ou seja, a porta mais adequada para o caso, seja o Judiciário, a arbitragem, a mediação, a conciliação, a negociação e demais meios de resolução.

Mas quem orienta o litigante sobre qual seria a melhor porta par o seu caso?

Entendemos que a "porte de entrada principal" para resolver um conflito ainda é a do escritório de Advocacia.

Seja pela cultura do litígio - anualmente, 18% da população adulta brasileira recorre à Justiça na ânsia de terceiros resolver seus conflitos) , seja pela quantidade de profissionais (no Brasil há um advogado para cada 140 pessoas, a maior proporção do mundo - , seja, ainda, pelo costume, quando a pessoa se vê em meio a um conflito a primeira pessoa a quem ele procura é o advogado.

O profissional do Direito, ao se deparar com a demanda do seu cliente, inicialmente pensa em levá-la no Judiciário . Lembra, no entanto, que a Justiça Brasileira sobrevive em meio à crise da morosidade e do acúmulo de processos, o que gera dificuldade e lentidão para findar demandas judiciais, e mais, para alcançar decisões eficazes .

O discurso dos advogados, nesse sentido, é uníssono que optar por tutelar direitos por meios de composições, mediações e arbitragem, antes de propor uma ação, proporciona alcance mais célere e menos dispendioso do bem jurídico tutelado.

A propositura de uma ação é considerada prematura sempre que seja viável sua transação extrajudicialmente. Portanto, estamos caminhando para um sistema de justiça em que o processo clássico deve ser última ratio ou extrema ratio, valorizando-se o acesso aos direitos e não apenas o acesso aos tribunais

A "Justiça Multiportas", assim, tem como principal característica a antecedência, ou seja, ela é utilizada antes de ser proposta uma ação judicial.

Pois Bem, embora os dados acima e levando em conta todas as premissas citadas, ainda se questiona por que a grande maioria dos advogados não leva seus casos para a "Porta da Mediação" antes de ingressar com uma demanda Judicial .

A resposta de muitos advogados, quando questionados, é que antes da demanda seria muito difícil buscar uma composição. E a explicação deles é que nesse primeiro momento, quando eclode o conflito, há muitos sentimentos ainda negativos: raiva, decepção, fúria etc. e, mesmo em relações mais comerciais, neste princípio, uma parte não gostaria, em qualquer hipótese, de estar em frente a outra com espírito de cooperação.

Refletindo sobre tal período, temos que concordar com os causídicos. Difícil imaginar que o advogado ao receber o cliente que lhe procura em busca de seus direitos contra um "inimigo", propor que ele deveria se reunir com a parte contrária para tentar se conciliar. Que deveriam juntos construir uma solução para o conflito.

Para os advogados certas palavras, nesta fase do litígio, como "se encontrar', "conciliar", "mediação", "melhorar comunicação" soam impossíveis até de serem proferidas ao cliente.

Uma solução para esse tipo de situação poderia ser, inicialmente, modificarmos certos paradigmas.

Comecemos por termos empregados por quem trabalha com mediação. E, se porventura, não falássemos em conciliar e sim "fazer uma reunião para resolver o conflito", "buscar seu direito junto a outra parte", "levar seu Direito para que a parte adversa entenda o que vai enfrentar"?

Inicialmente temos que fazer clara a distinção entre mediar conflitos, conciliar pessoas e apaziguar . Mediação é uma forma de se resolver uma disputa. É um instituto com bases teóricas, princípios, procedimentos, técnicas avançadas e com diferentes escolas .

Há quem defenda que a mediação tem como fim apenas melhorar a comunicação entre pessoas . Nós, com viés mais pragmático, entendemos que o objetivo de se adotar a Mediação, de escolher essa porta, seria sim resolver um conflito de uma forma mais adequada, de buscar uma solução para a disputa posta.

O advogado deve entender que a Mediação de Conflitos é uma excelente oportunidade de se resolver a lide de forma mais célere e econômica. Não que o instituto visa apenas apaziguar e melhorar uma relação. Tem como objeto também sim, explorando os interesses das partes, investigando as origens da disputa, buscar soluções criativas, resolver o conflito, alcançar uma solução que coloque fim ao litígio.

Retornando à proposta apresentada para uma melhor aceitação da mediação antecedente pelos advogados e seus clientes, entendemos, ainda, que o procedimento pode sim ser realizado completamente em reuniões privadas, e, até em alguns casos, na presença apenas de representantes legais das partes.

O advogado, em geral, quando se fala em resolver a questão pelo instituto da mediação já imagina aquela mesa redonda com todos sentados a seu redor, as emoções a flor da pele, e a certeza de que haverá discussões acaloradas, gritos, sem qualquer escuta pelos envolvidos. Quem, em sã consciência, não evitaria um ambiente assim?

Em uma reunião conjunta em momento logo posterior à eclosão do conflito geralmente todos se sentem incompreendidos, insatisfeitos e vitimizam-se a cada fala do outro. Os ânimos se exaltam e os sentimentos não são exteriorizados. Não há, nesta situação, qualquer possibilidade de escuta ativa ou de compreensão entre os envolvidos.

Para conseguir-se realizar um procedimento mediação muitas vezes faz-se necessário separar as partes em reuniões individuais. Neste momento muito mais eficaz tratar as diferenças de informação, percepções, frustrações. Somente após compreender as próprias necessidades e alinhar uma estratégia, pode-se estar preparado para ouvir a necessidade do outro .

E por muitas vezes todo o procedimento de mediação pode ser conduzido sem que as partes tenham qualquer contato. Pode-se focar na solução da controvérsia, atacar o problema e não a pessoa, com cada parte de forma separada, sem ferir qualquer princípio da Mediação. Tal prática, inclusive, é muito utilizada em países onde a Mediação é utilizada a mais tempo e com mais consistência.

Assim acreditamos que se levarmos essas questões para os advogados, para que esses conversem com seus clientes e expliquem que i) a Mediação é uma forma célere, sigilos e econômica de se resolver o conflito e ii) O procedimento pode ser realizado em reuniões privadas sem ter que estar no mesmo ambiente as partes, cremos que a chance de que essa porta seja utilizada para tratar o conflito pode aumentar consideravelmente, e, assim, todos saírem ganhando.

Fonte: Migalhas