Clipping - ConJur - Disputa sobre extratos no registro imobiliário passa por proteção de dados

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A previsão de um banco de dados gerido por uma pessoa jurídica de Direito Privado que controle e armazene extratos usados para transferência de imóveis por todo o país é um dos pontos mais relevantes e sensíveis do atual modelo de registro público do país.

O uso desses extratos para registro e averbação de transferências imobiliárias foi inaugurado pela Lei 14.382/2022. Trata-se de resumos contratuais elaborados de forma unilateral e que permitem substituir a análise do documento original pelo oficial do registro.

Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, a autorização para uso de tais extratos é contestada jurídica e legalmente porque abre a possibilidade de fragilizar a segurança jurídica nas transações imobiliárias, por dispensar a análise dos títulos originais.

O uso dos extratos se dá por meio do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp), que a Lei 14.382/2022 criou para centralizar a atuação notarial e desburocratizar o processo e a quem delegou a missão de armazenar documentos eletrônicos para dar suporte aos atos registrais.

Por decisão da Corregedoria Nacional de Justiça, a implantação, manutenção e funcionamento do Serp fica a cargo de uma nova entidade, chamada Operador Nacional do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Onserp), constituída sob a forma de pessoa jurídica de Direito Privado.

O Onserp, por sua vez, é composto de três entidades. Uma delas é Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR), criado pela Lei 13.465/2017 para operar o Sistema de Registro Eletrônico e Imóveis (SREI).

A existência do ONR é alvo de quatro ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (ADIs 5.771, 5.787, 5.883 e 6.787). Contesta-se o fato de uma pessoa jurídica estranha ao modelo constitucional administrar um sistema único que vincula todas as unidades do serviço de registro de imóveis do país.

Como existe essa ligação intrínseca entre os dois sistemas, todas essas críticas são agora transferidas para o fato de que o operador do Serp, enquanto pessoa jurídica de Direito Privado, terá acesso a um formidável banco de dados que contenha todos os extratos usados nas transações imobiliárias no país.

Assim, abre-se o risco para a segurança e a privacidade de dados sensíveis de toda a população brasileira. A centralização dos dados pode levar ao uso dessas informações por empresas privadas ou mesmo pelo aparato estatal.

Quem vai comandar?

A regulamentação do Serp feita até o momento pela Corregedoria Nacional de Justiça por meio do Provimento 139/2023 não avançou sobre o tema da base de dados que vai sustentar o uso dos extratos nas transações de registro público.

Um parecer enviado ao Conselho Nacional de Justiça pela Corregedoria-Geral de Justiça de São Paulo, por sua vez, abordou o tema ao apontar que a obrigatoriedade do uso de extratos feita pela Lei 382/2022 cria, como resultado, um banco de dados de valor incalculável e já estruturado (clique aqui para ler).

"Este banco de dados fica na posse de intermediários (bancos, operadores de registros públicos, associações de registradores) e sua utilização é opaca para a sociedade", critica o documento, assinado por juízes assessores do órgão.

"Qualquer problema criado pelo extrato, como alguém perder a propriedade por erro ou dolo na confecção do extrato, não implica responsabilidade civil para os detentores da base de dados estruturada", acrescenta.

"Temos então o capitalismo sem risco, uma base de dados que depende da regulamentação do extrato pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça para existir, com exploração privada destes dados, e risco zero de responsabilização por danos causados por este modelo aos proprietários, às famílias, e aos credores brasileiros", resume.

Partiu da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) uma proposta efetiva de tratamento desses dados, feita em documento apresentado em audiência pública promovida pelo Conselho Nacional de Justiça antes da regulamentação do Serp (clique aqui para ler).

A entidade propôs que todas as pessoas legitimadas para o envio de extratos eletrônicos sejam legitimadas, também, para submeter documentos eletrônicos a essa base de dados estruturados. O acesso a esses documentos, por sua vez, ficaria limitado a esses apresentantes e aos oficiais de registro.

Não há definição, ainda, de quem seriam os legitimados para fazer o envio dos extratos. No mesmo documento, a Abrainc propõe que sejam instituições financeiras, companhias securitizadoras, incorporadores e loteadores.

"O repositório é um instrumento especialmente importante para o registro imobiliário, sendo o entendimento que seu uso deva ser autorizado expressamente não apenas para o suporte aos registros eletrônicos, mas também aos atos registrais decorrentes de título em formato físico", pede a Abrainc.

Fonte: Consultor Jurídico (ConJur)