Clipping - Valor Investe - Fundos imobiliários devem sofrer com reforma, mas podem se beneficiar no futuro, dizem gestores

Caso seja aprovada pelo Congresso nos moldes em que foi apresentada, a proposta de reforma tributária do governo federal significa uma notícia negativa para investidores de fundos imobiliários e, em um primeiro momento, deve afetar os valores das cotas e a atratividade dos produtos.

Mas outras alterações propostas podem atenuar ou mesmo compensar o efeito negativo, e o segmento tende a se beneficiar de uma eventual melhora no ambiente fiscal puxada por aumento da arrecadação e simplificação no pagamento dos impostos.

Essa foi, com algumas variações, a primeira impressão predominante entre gestores e especialistas de fundos imobiliários, os FIIs, após as notícias sobre o projeto de reforma tributária do governo.

Um dos pontos mais salientes no projeto – que, vale repetir, depende de aprovação pelo Legislativo – é a extinção da isenção de imposto de renda sobre os rendimentos dos fundos de investimentos imobiliários. Na proposta oficial, esses dividendos passariam ser tributados em 15%. Por outro lado, o ganho de capital na venda das cotas seria reduzido de 20% para 15%.

Ainda assim, o cheiro foi de notícia ruim, e isso derrubou o Ifix – o Índice de Fundos de Investimentos Imobiliários da B3, espécie de Ibovespa dos FIIs. O índice caiu 2,02% nesta sexta-feira, um pouco abaixo do desempenho do Ibovespa, que caiu 1,75%.

“Para quem é investidor de fundo imobiliário, a notícia é negativa. A pessoa tinha uma renda isenta que, na hipótese de aprovação do jeito que está proposto, passa a ser tributada”, ilustra Eduardo Malheiros, sócio responsável pela estratégia de crédito estruturado da gestora Hectare.

Ele pondera que “O Ministério ainda vai ter várias batalhas para lutar nessa reforma, e talvez essa não seja uma das prioritárias. Mas, se passar, vai sobrar menos dinheiro no bolso do cotista”.

Malheiros ressalva, por outro lado, que o segmento de fundos imobiliários pode se beneficiar de uma economia saudável, na eventualidade de a reforma ser aprovada e ajudar a aumentar a arrecadação e a simplificar o pagamento de impostos.

“O fortalecimento dessa indústria depende muito mais de uma economia saudável, com juros baixos, que foram o empuxo do setor nos últimos três anos, do efetivamente da isenção de IR. Se essa reforma for ajudar a ter as contas do governo mais saneadas, isso pode até acabar sendo mais positivo do que negativo, por incrível que pareça”, opina.

O balanço de prós e contras deu o tom também da visão da XP a respeito do projeto e de suas possíveis implicações, caso aprovado nos moldes propostos, para o segmento imobiliário.

Em relatório, os analistas Lucas Hoon, Maria Fernanda Violatti e Renan Manda afirmam que a proposta “pressiona o preço das cotas dos fundos imobiliários listados”, mas apontam que os "dividend yields" (retornos com dividendos) seguem saudáveis, 3,6 pontos percentuais acima daquele do referencial de renda fixa que adotam como base de comparação, o título Tesouro IPCA 2030.

“Fundos com descontos expressivos sobre seu valor patrimonial podem ser menos impactados, pois o valor descontado pode compensar (mesmo que parcialmente) a pressão nos preços das cotas”, afirmam.

Para os analistas da XP, ainda pode haver oportunidades entre os FIIs. “Vemos os fundos que atualmente negociam com descontos expressivos sobre seu valor patrimonial sendo menos impactados, pois apresentam um colchão. Dependendo da sua magnitude, esse desconto pode compensar (total ou parcialmente) a pressão nas cotas devido à futura tributação”.

E destacam que “a proposta ainda pode sofrer alterações e ajustes no seu texto durante todo o processo de aprovação, até que chegue em sua forma final”.

Em privado, um gestor de um fundo imobiliário cuja cota chegou a cair quase 10% em dado momento desta sexta-feira resumiu outro efeito positivo que vê na iniciativa de tornar mais isonômica a tributação no Brasil:

“A estrutura tributária é um dos grandes problemas do Brasil. O pobre paga um imposto alto no saco de arroz, na conta de luz, e pra mim não casa muito uma pessoa que tem um investimento, seja qual for, ter a renda isenta. Quem consegue investir em fundo imobiliário provavelmente não tem problema para comprar comida e pagar a conta de luz. Claro que pagar mais machuca, mas não está errado, na minha opinião. O país precisa, sim, de uma reforma que tribute mais a renda e menos o consumo.”

Impacto negativo em todo o setor de construção civil

Menos otimista, o diretor de investimentos imobiliários da Inter Asset, Daniel Viana, afirma que, caso aprovada, a retirada da isenção do imposto de renda sobre os dividendos dos FIIs vai impactar não só o segmento de fundos, mas todo o setor de construção civil.

“O impacto no crédito imobiliário é uma questão estratégica bastante delicada. Finalmente a indústria de FIIs tem se tornado uma alternativa, ou um reforço, aos recursos da poupança como fonte de crédito para o setor habitacional. O Brasil tem carência de fontes de financiamentos de longo prazo e os FIIs cumprem este importante papel. No passado recente, em mais de uma oportunidade, o crescimento do setor da construção civil teve o risco de ser contido pela limitação dos recursos para o crédito imobiliário”, ele alerta.

Antevendo um efeito cascata sobre originadores de crédito, como bancos e financeiras, e os tomadores (consumidores finais e incorporadoras), ele afirma que, se aprovada, a tributação dos rendimentos dos FIIs tornará mais difícil conseguir crédito habitacional. Segundo ele, o impacto será ainda mais sentido na classe de imóveis residenciais para renda.

Viana também alerta para um potencial impacto no mercado de fundos de tijolo, como são chamados os produtos que investem em imóveis reais, já construídos e funcionais.

“O investimento em capital fixo é estratégico e os FIIs voltados para renda, sejam eles focados em escritórios, shoppings, logística ou outros setores, terão um maior desafio de crescer e possibilitar a aquisição de novos imóveis. Um bom exemplo é no mercado de galpões logísticos, que estão em alta com o crescimento do e-commerce. Os fundos precisarão gerar mais resultado para continuar a crescer. Isso refletirá no custo dos aluguéis, encarecendo a toda a cadeia de distribuição e logística, colocando ainda mais pressão nos preços dos produtos.”

Fonte: Valor Investe