Clipping - Nexo - Os índices de inflação e o mercado imobiliário em época de crise

Tanto para quem paga aluguel quanto para quem busca aproveitar a baixa histórica da taxa de juros básica da economia brasileira, a velocidade com que os preços têm se elevado colocou essas pessoas em condições delicadas e abriu espaço para discussão sobre os índices que indexam os contratos de aluguel e de compra de imóveis na planta. A lei dos aluguéis (lei 8.245/1991) é silente sobre qual índice utilizar no reajuste anual dos aluguéis. Por convenção do mercado, o IGP-M (Índice Geral de Preços – Mercado) é o índice mais utilizado nos contratos. Todavia, a partir de 2018 o gap entre as taxas de inflação calculadas pelo IGP-M e IPCA (Índice de Preço ao Consumidor Amplo) tem sido ampliado, chegando à diferença de 18,6 pontos percentuais em 2020. O mesmo comportamento é observado ao comparar o INCC (Índice Nacional do Custo de Construção) com o IPCA. Esse movimento abre espaço para discutir a utilização desses indexadores em contratos do mercado imobiliário. Para o inquilino, o IGP-M apresenta essencialmente dois componentes que o tornam pouco indicado para reajuste de preços de contratos. Primeiro, ele é um indicador que internaliza a dinâmica do mercado em atacado e não a cesta de bens e serviços consumidos pelas famílias. Isso decorre da própria construção metodológica do índice. O IPA-M (Índice de Preços por Atacado) tem participação de 60% do IGP-M, enquanto o IPC-M (Índice de Preços ao Consumidor) e INCC (Índice Nacional de Custo de Construção) representam 30% e 10% do IGP-M, respectivamente. Outro ponto importante é a sensibilidade do índice ao câmbio, uma vez que componentes agropecuários e industriais incorporam commodities, cuja dinâmica de preços é determinada no mercado internacional. A desvalorização do real frente ao dólar encarece a importação de insumos e, por outro lado, estimula a exportação que, por consequência, pressiona positivamente o IGP-M. Ao avaliar a dinâmica dos preços dos imóveis medida pelo índice FipeZAP, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, percebe-se que a velocidade de crescimento do nível de preços é bem inferior àquela identificada pelo IGP-M. É possível perceber que reajustes de aluguel pelo IGP-M não capturam de fato o comportamento do mercado imobiliário. Contratos indexados pelo IGP-M mais que repõem o valor corroído pela inflação setorial, transferindo renda dos inquilinos aos locatários. O desequilíbrio é mais notório ao compará-lo com o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), indicador que corrige o poder de compra dos salários no Brasil. Em janeiro de 2021, o INPC acumulava alta de 5,53% nos últimos 12 meses, enquanto o IGP-M, 25,31% no mesmo período. O reajuste dos contratos de compra de imóveis na planta é indexado ao INCC (Índice Nacional de Custo de Construção) e a escolha do indicador é própria da construtora. A aceleração do índice frustrou a expectativa dos compradores de imóveis que se valeram do comportamento habitual do índice nos últimos 10 anos. Em 2020, a diferença entre INCC e IPCA foi de 4,29 pontos percentuais, maior hiato desde 2009. Desde 2016 a diferença entre os índices é muito pequena. A escalada atual do INCC deriva do redimensionamento da atividade industrial em face da covid-19, movimento da taxa de câmbio e utilização de commodities como insumo, o que explica a pressão sobre o núcleo de materiais e equipamentos. Assim como o IGP-M, o INCC também é sensível ao repasse cambial. O índice acelerou em 1,07% em fevereiro ante alta de 0,93% em janeiro de 2021, acumulando alta de 10,18% nos últimos 12 meses. Quem comprou imóveis considerando o histórico do INCC teve uma grande surpresa durante o ano de 2020 e é provável que continue se decepcionando caso não altere a sua expectativa quanto ao indicador. Para avaliar o tamanho dessa triste surpresa, vamos simular um imóvel no valor de R$ 450 mil comprado na planta, cujo montante parcelado em 12 vezes na fase de obra é R$ 100 mil. Como o reajuste do preço é mensal, o imóvel comprado em 2019 teria o preço acrescido em R$ 16.775 enquanto o mesmo imóvel comprado em 2020, R$ 32.918. Assim, R$ 16.143 é o valor do erro de expectativa. Em face das pressões sobre os índices que indexam os contratos, é importante que estes sejam capazes de expressar a dinâmica do mercado em que atuam e, sempre que possível, não incorporem repasses externos. A utilização do IPCA seria uma alternativa, pois pode ancorar em alguma medida a expectativa tanto dos inquilinos, locatários, compradores e construtoras, dado que é utilizado na condução da política monetária direcionada pelo Banco Central. Outra possibilidade é considerar o índice FipeZAP ou qualquer outro indicador que mensure a dinâmica de oferta e demanda do mercado imobiliário em si. Portanto, repasses externos aos aluguéis ou às parcelas do financiamento podem estimular tanto distratos quanto vacância e ainda concentrar renda devido à inflação setorial. Fonte: Nexo