Clipping - ConJur - STJ diverge sobre presunção de pequeno imóvel rural como bem impenhorável

Ao definir a impenhorabilidade da propriedade rural, o inciso VIII do artigo 833 do Código de Processo Civil prevê dois requisitos: que ela seja pequena e trabalhada pela família. No Superior Tribunal de Justiça, as turmas que julgam Direito Privado divergem sobre de quem é o ônus de comprovar que o imóvel é familiar: do credor ou do devedor. Para a 3ª Turma, o ônus é do devedor. O colegiado entende que transferir a prova negativa ao credor importaria em desconsiderar o propósito que orientou a criação dessa norma: assegurar os meios para a subsistência do executado e de sua família. Para a 4ª Turma, o ônus é do credor. Se uma propriedade se enquadra no conceito de pequena — que, por falta de disposição legal, é emprestado da Lei da Reforma Agrária (8.629/1993) —, deve-se presumir que é também familiar. Assim, o credor precisa comprovar que a terra não é trabalhada pela família para permitir a penhora. A divergência foi reforçada por julgamento da 3ª Turma em 2 de fevereiro, referente a execução de dívida de R$ 73,9 mil em que se buscava a penhora de uma propriedade rural (clique aqui para ler o acórdão). A decisão devolve o caso para que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais reaprecie a questão conforme a orientação do colegiado. Nos quatro precedentes dos dois órgãos julgados, os casos foram decididos de forma unânime. Imóvel rural x bem de família A divergência consiste na equiparação, feita pela 4ª Turma, entre a impenhorabilidade da pequena propriedade rural e a impenhorabilidade do bem de família. A primeira é garantida pelo 26º inciso do artigo 5º da Constituição Federal, reproduzido no artigo 833 do CPC. A segunda decorre do artigo 1º da Lei 8.009/1990. Para a 4ª Turma, não é razoável se exigir um minus do proprietário urbano (protegido por lei), para quem basta indício de prova de que o imóvel é voltado para residência, e obrigar o proprietário rural (hipossuficiente, vulnerável e com proteção constitucional) a demonstrar um plus: que a propriedade é trabalhada pela família. A 3ª Turma contesta essa equiparação. Entende que ambas as penhorabilidades têm razão princípio da dignidade da pessoa humana, mas tutelam bem jurídicos diferentes. No caso do bem de família, volta-se à proteção do direito à moradia. Já o da pequena propriedade rural, busca assegurar patrimônio mínimo necessário à sobrevivência da família. Produção da prova Segundo a 4ª Turma, é possível presumir que uma propriedade rural pequena seja trabalhada pela família — e, logo, impenhorável — em decorrência natural do que normalmente se espera que aconteça no mundo real. "Inclusive, das regras de experiência", acrescenta o precedente relatado pelo ministro Luís Felipe Salomão. A 3ª Turma discorda. Voto do ministro Paulo de Tarso Sanseverino diz que a experiência, "ao contrário, infirma essa presunção". "No universo das propriedades rurais de pequena dimensão, uma quantidade expressiva é utilizada para fins de lazer (sítios de recreio) ou para fins de exploração empresarial/industrial", explica. O colegiado ainda destaca que, como regra geral (artigo 373 do CPC), cabe ao autor o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito e, em contrapartida, ao réu demonstrar o fato extintivo, impeditivo ou modificativo desse direito. "Sendo a impenhorabilidade fato constitutivo do direito do executado, é sobre ele que recai o encargo de comprovar os requisitos necessários ao seu reconhecimento", disse a ministra Nancy Andrighi, relatora do precedente mais recente da 3ª Turma. Além disso, sob a ótica da aptidão para produzir essa prova, ao menos abstratamente, seria mais fácil para o devedor demonstrar a veracidade do fato alegado. "Isso pois, ele é o proprietário do imóvel e, então, pode acessá-lo a qualquer tempo", acrescentou. REsp 1.843.846 – 3ª Turma REsp 1.716.425 – 3ª Turma REsp 1.408.152 – 4ª Turma REsp 1.826.806 – 4ª Turma Fonte: Consultor Jurídico