Clipping - Folha do Mate - Por que o número de casamentos está diminuindo?

O que há décadas era tradição, atualmente, tem sido raridade. O casamento no civil e no religioso, com direito a vestido de noiva, aia e pajem conduzindo as alianças e uma festança para comemorar, tem sido cada vez mais escasso. Em cinco anos, o número anual de casamentos no civil em Venâncio Aires caiu 23%. Ao longo de 2020, foram 149 casais que se uniram perante à lei, enquanto que, em 2016, o número de uniões registradas no cartório foi de 194. Os dados são do Portal de Transparência do Registro Civil. Em contrapartida, os contratos de união estável têm se popularizado. No ano passado, foram 157 registros no Tabelionato Lemos, de Venâncio Aires, número 5% do que o de casamentos. Por trás dessa estatística, estão fatores sociais, econômicos e até mesmo jurídicos, que levam grande parte dos casais a simplesmente ‘juntar as escovas de dente’. É o caso de Patrícia Jennifer Lisbôa Hermes, 24 anos, e André Luiz Wenzel, 23 anos. O romance surgiu quando eles eram estudantes da Escola Estadual de Ensino Médio Frida Reckziegel, de Vila Palanque. Com um ‘empurrãozinho’ de um professora, engataram o namoro em 13 de abril de 2013. Em 2019, os dois foram morar juntos em um apartamento alugado e, no ano passado, começaram a construir a residência, com financiamento do Minha Casa, Minha Vida. Em 20 de outubro, o casal deu início a uma nova etapa da vida, na casa própria, localizada no bairro Gressler. Patrícia é só sorrisos ao falar da experiência. “Está sendo muito bom”, garante a agente de atendimento do Sicoob. “Morávamos no apartamento, mas sempre queríamos casa”, complementa André, que é mecânico de empilhadeira. Neste fim de semana, a família deve receber ‘um novo integrante’, com a chegada da ‘linguicinha’ Lolla. “Começamos este ano na casa nova e agora vem a cachorrinha pra completar”, comenta Patrícia. Casar até é um dos desejos do casal de namorados, mas, por conta dos gastos, a aquisição da residência foi priorizada. “Até pensamos, mas o mais difícil para casar é o custo”, afirma André. Casamentos em Venâncio

  • 2016 194
  • 2017 188
  • 2018 169
  • 2019 156
  • 2020 149 Fonte: Portal da Transparência do Registro Civil
Das questões burocráticas e financeiras às mudanças sociais O professor de Sociologia Fabrício Luís Haas considera que, atualmente, o fator econômico é um dos aspectos que mais têm contribuído para a redução do número de casamentos. “Casar, hoje em dia, dentro do padrão cultural que se estabeleceu pela sociedade de consumo, se tornou muito caro. Casamento remete à ideia de um grande evento, da cerimônia, festa e lua de mel, e isso impede muitos casamentos”, analisa Haas. Em contrapartida, no passado, a questão financeira era uma das que mais influenciava os matrimônios. “Boa parte dos casamentos era arranjada e envolvia questões financeiras, de posses”, lembra o professor de Sociologia. Ele também acredita que a questão burocrática faça com que muitas pessoas evitem o casamento civil. “Quando o indivíduo vive de forma informal e vai para a via legal, firma um contrato, muitas vezes, se sente pressionado à ficar naquela situação. Não casar acaba sendo uma forma de não se deixar capturar pela questão jurídica e não pagar taxas”, comenta. História Haas observa também, fatores históricos ligados ao matrimônio. “Nas décadas de 1960 e 1970, por exemplo, existia uma outra moral em relação ao casamento, que passou a ser considerado uma instituição social. Inclusive, a pessoa não era aceita socialmente se não tivesse casado e não passasse por uma cerimônia oficial e religiosa”, observa. Nos últimos anos, no entanto, o casamento deixou de ser unanimidade, acompanhando diversas mudanças sociais. Entre elas, a composição da família. “Hoje, há outras formas de casamento que transcendem a ideia de uma família nuclear, com pai, mãe e filhos. O conceito de família que se tem hoje é diferente, há outros arranjos familiares, que podem abranger tanto relações homoafetivas quanto famílias com avós, tios, outros familiares”, cita o professor de Sociologia. Ele também utiliza o conceito de modernidade líquida – criado pelo sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman – para explicar a existência de relacionamentos menos duradouros. “Vivemos uma época de relações ‘líquidas’, na sociedade de consumo. As coisas não têm a mesma solidez de um século atrás. A tendência é de relações mais curtas.” Entretanto, conforme Haas, isso não quer dizer que, à frente, não possa haver uma retomada dos casamentos. “A sociedade está em constante mudança, não é perene. Inclusive, sempre há possibilidade de retomada de hábitos passados.” Ramo de decoração sente a redução das festas de casamentos A projeção era de várias festas para 2020, entre elas, algumas de casamentos, para a decoradora Mari Konrad. Por conta da pandemia de coronavírus, muitos eventos foram adiados e alguns cancelados. Mas essa diminuição de festas de casamento já vinha acontecendo e sofrendo algumas mudanças em anos anteriores. Mari comenta que, mesmo com queda nos casamentos nos últimos anos, ainda há a procura por casais que sonham com uma grande festa, mas o perfil mudou um pouco, e abrange casais mais maduros. Ela também argumenta, que por conta da redução das festas, procurou investir no ramo de floricultura também, o que possibilita que continue participando da vida desses casais. “Quem valoriza o casamento vai sempre presentear em datas comemorativas e nos procura para ajudar com isso, porque já conhecemos a história e os gostos.” Da mesma forma, a profissional percebe que as festas de bodas de ouro e prata estão voltando a ser mais comemoradas. Com relação aos casais que não casam oficialmente e vão morar junto, Mari percebe uma grande procura por festas de ‘chá de casa nova’, mas, neste caso, ela explica que, normalmente, as amigas fazem a decoração e ajudam na festa. “Muitas madrinhas ou amigas procuram a floricultura para comprar flores de enfeites e outros itens, mas como é algo mais para um encontro de pessoas, elas mesmo acabam decorando.” “O grande problema é quando a união estável não é regulamentada”, afirma advogado Os direitos da união estável são praticamente os mesmos do casamento e também têm validade jurídica. Enquanto o casamento é realizado por um cartório de registro civil e envolve uma série de requisitos burocráticos, a união estável pode ser registrada em um tabelionato ou por meio de um contrato particular, com o auxílio de um advogado, no qual é especificada a declaração de bens e definida a data de início da união. “A união estável é feita para regulamentar tanto questões patrimoniais, sendo que o casal pode optar pelo regime de bens que melhor se adaptar, quanto existenciais, que abrangem desde pensão por término de relacionamento até questões relacionadas a animais de estimação”, explica o advogado em Direito de Família e Sucessões, Dayel Bittencourt. Ele cita que uma decisão judicial recente, inclusive, equiparou o companheiro (no caso da união estável) ao cônjuge, em questões sucessórias. Ou seja, uma pessoa casada ou com união estável tem os mesmos direitos de bens no caso de morte do parceiro. Para que esses direitos sejam garantidos, no entanto, é importante que a união estável seja formalizada. “O grande problema é quando não se tem um contrato”, alerta Bittencourt. Nesses casos e quando não houver consenso em uma separação de uma união informal, é necessário passar por um processo judicial, no qual serão buscadas provas e testemunhas, e será definido o período da união e quais os bens foram adquiridos para fazer a partilha. O advogado ressalta que, em casos de famílias recompostas – de pessoas com filhos e patrimônio –, ter um contrato se torna ainda mais necessária. “Nessas situações, geralmente cada um tem sua casa e seus filhos, e é importante ter um contrato para evitar confusão patrimonial. Geralmente, nesses casos, o indicado é um contrato de namoro, para identificar que não se trata de uma união estável.” “Objetivo de constituir família” Os requisitos para caracterizar uma união estável são a “convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituir família”. Segundo Bittencourt, enquanto os três primeiros requisitos são mais fáceis de serem comprovados, no caso de uma união não formalizada, o último é subjetivo e, por isso, o mais difícil de ser confirmado. Por conta disso, as questões envolvendo união estável estão entre as mais complexas na área do Direito de Família e Sucessão. “Às vezes, o que para um pode ser uma união estável, para outro pode ser apenas namoro. A própria data de início da união estável varia para cada um dos indivíduos”, menciona o advogado. Outro aspecto destacado por ele é que não se precisa, necessariamente, morar junto, para viver em uma união estável. “Assim como nem todos os casais que moram juntos estão numa união estável”, acrescenta. Fonte: Folha do Mate