A questão do banheiro é controversa, mas espelha uma hostilidade para com a população trans. O Brasil é o país que mais assassina travestis e transexuais, conforme
feito em 74 países: em 2019, foram 130 assassinatos de pessoas trans, contando os casos reportados como crime de ódio. Em seguida, estão México (com 63 casos) e Estados Unidos (30 casos). E as mortes são carregadas de preconceito: de todos os assassinatos do ano passado no Brasil, 80% tiveram requintes de crueldade.
A conquista de direitos das pessoas transgênero aos poucos chega à política. Das eleições de 2014 para 2018, candidaturas
LGBT+ triplicaram, embora não tenham chegado a 1% do total, conforme
análise de GaúchaZH nas últimas eleições. Três deputadas estaduais trans foram eleitas em Pernambuco e São Paulo. Uma delas, Erica Malunguinho (PSOL), recebeu mais de 55 mil votos.
– De pouco adianta algo se tornar lei se isso não caminhar junto a um pacto social para a sociedade se mover de forma positiva ao que foi acordado e transformado em legislação – reflete a parlamentar.
Para Rafael, o nome masculino reconhecido pelo Estado agora lhe dá segurança até para aguardar na fila masculina em jogos do Internacional, algo que gerava insegurança e constrangimento até então. Em meio às recentes mudanças, em algumas ocasiões o costume se impõe: o português escorrega e, mesmo falando em primeira pessoa, conjuga o verbo no feminino.
Mas ele não tem qualquer dúvida do lado de dentro: já visualiza a perda da voz feminina e a cirurgia que, no futuro, permitirá que ande por aí sem camiseta. A consolidação da identidade masculina vista pelo lado de fora é testemunhada pela namorada, a técnica em enfermagem Angeluce Vanti, 48 anos. Ela conheceu Rafael há quase um ano, quando ele ainda era Rita. Manter-se junto é um trabalho em andamento. O amor os une.
– Eu me apaixonei pela Rita, embora esteja com o Rafael. Tive, primeiro, o processo de me assumir lésbica. Agora, parece que faço o processo inverso. É difícil, mas tudo é uma construção e o tempo vai nos mostrar. Fico pensando no que ele disse, de que não temos de levar em conta a aparência, e sim o sentimento. Só a possibilidade de perdê-lo já me fez recuar – diz Angeluce.
– E o que tu planejas para o futuro? – questiona o repórter.
– Quero me casar com ele... Mas uma coisa de cada vez. Prefiro pensar um dia após o outro.
Evelyn Mendes, apontada pela Anoreg como a primeira pessoa a se beneficiar da decisão do STF e mudar nome e gênero no cartório no Rio Grande do Sul, já passou pela transição. Antes de receber GaúchaZH, ela assistia a um vídeo com códigos de programação do Google. Sentada no sofá do apartamento, em frente à TV, ela refletia sobre a garantia de usar o nome agora oficial. Passou por tanto que, no esforço de fazer-se entender, silencia demoradamente até modular as palavras:
– Não quero tirar o direito de ninguém. Só quero viver de forma digna e tranquila, como todo mundo. Isso é pedir demais?
Muita gente...
- 1,8% da população mundial (estimada em 7,7 bilhões de pessoas) é trans ou travesti.
- 1,1% são mulheres trans ou travestis.
- 0,8% são homens trans.
Desde 2018...
- Foram 6.048 mudanças de nome e gênero nos cartórios brasileiros.
- No Rio Grande do Sul, até janeiro de 2020, o número de mudanças foi de 260.
- Dessas 260, 147 são do gênero masculino para o feminino e 113, do gênero feminino para o masculino.
- Só em Porto Alegre, foram 248 mudanças de nome e gênero.
Como fazer
O preço para alterar nome e gênero em cartório varia conforme o local, mas o serviço é gratuito quando feito na Coordenadoria de Diversidade da Capital (Rua dos Andradas, 1.643, 5º andar).
Confira aqui a lista de documentos necessários.