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Artigo - De 2010 a 2018: a discussão brasileira sobre uma lei geral de proteção de dados – Por Bruno R. Bioni

Próximas semanas serão decisivas e pode não haver melhor momento para que Brasil deixe para trás seu atraso


Na última terça-feira, o senador Ricardo Ferraço foi contundente ao dizer que “hegemonicamente” há o desejo de seguir em frente com a aprovação do texto do PLC 53/2018. Um texto não só da Câmara, mas, também, do Senado e de toda a sociedade brasileira que o construiu “coletivamente”. Relembrando a música dos Titãs, o parlamentar capixaba afirmou que não há “tempo a perder”. É hora de avançar com o aquilo que “pode dar certo”: os “consensos possíveis” e extraídos de todo o processo que levou à redação final do PLC 53/2018. i

O caminho seria aprová-lo com pequenos ajustes, apenas com correções de ordem de técnica legislativa,[ii] como exatamente é a direção apontada pelo parecer que será votada nessa próxima terça-feira em reunião ordinária da Comissão de Assuntos Econômicos.

Mas como foi possível chegar a esse posicionamento “hegemônico”, sobretudo em uma pauta que, a exemplo do que vimos na experiência europeia, desperta os mais diversos interesses antagônicos?

É interessante notar que o documentário que retrata os bastidores da aprovação do novo Regulamento Europeu de Proteção de Dados Pessoais se chama Democracia. Essa é exatamente a palavra repetida pelos participantes da última audiência pública para descrever o processo que nos conduziu até aqui.

Uma jornada que se iniciou há 08 (oito) anos atrás e que é praticamente um processo pedagógico sobre a matéria de proteção de dados pessoais no País. Na linha do tempo abaixo, nós registramos ao todo 67 (sessenta e sete) momentos desse aprendizado e a evolução da discussão no Brasil. E, no texto mais abaixo, sumarizamos aquilo que consideramos ser os seus respectivos pontos-chaves.

No “distante” ano de 2010, o Ministério da Justiça plantou a semente dessa discussão no Brasil ao lançar a primeira consulta pública de um Anteprojeto de Lei. Três anos depois, em 2013, nós testemunhamos os escândalos de espionagem, revelados por Edward Snowden, que não só acelerou a aprovação do Marco Civil da Internet, mas, também, transformou-o em um microssistema de proteção de dados pessoais aplicável ao setor da Internet.

Em 2015, quando foi lançado o segundo processo de consulta pública de um novo de texto de anteprojeto de lei de proteção de dados pessoais, a discussão já tinha atingido um nível mais qualificado. Basta analisar não só a evolução quantitativa, mas, principalmente, qualitativa de engajamento de participação pública em comparação ao processo anterior em 2010.

O resultado foi um texto já bastante maduro que depois viria a ser a base do PLC 53/2018. Nas vésperas do seu afastamento, a presidenta Dilma Rousseff encaminhava o texto do anteprojeto à Câmara dos Deputados que se transformaria no PL 5276/2016, Desde logo, tal iniciativa legislativa contou com o apoio de mais de 40 (quarenta) entidades nacionais e internacionais que já afirmavam ser: “uma redação equilibrada a salvaguardar a inovação e a proteção da privacidade dos cidadãos”.

Meses depois, em outubro de 2016, era formada uma Comissão Especial para analisar os Projetos de Lei sobre Proteção de Dados Pessoais na Câmara (PL 5276/2016 e PL 4060/2012) sob a relatoria do Dep. Orlando Silva (PCdoB/SP), presidência da Deputada Bruna Furlan (PSDB/SP) e vice-presidência pelos deputados André Figueiredo (PDT/CE), Alessandro Molon (Rede/RJ)iii e Milton Monti (PR/SP). Essa composição plural com partidos políticos de orientações ideológicas diferentes viria a ser determinante para a aprovação da matéria por unanimidade na Câmara dos Deputados.

De outubro de 2016 a julho de 2017, a Comissão Especial realizou ao todo 11 (onze) audiências públicas e um seminário internacional. Esse espaço serviu não só para engajar parlamentares bastante atuantes na Comissão, como o caso do Dep. Celso Pansera (PMDB/RJ),iv mas, principalmente, para que os diferentes atores vocalizassem seus posicionamentos e, com isso, pavimentar a via de acesso para conciliação de posições antagônicos até então improvável.

Ao participar do VIII Seminário de Privacidade e Proteção de Dados Pessoais do CGI.br e NIC.br em setembro de 2017, o Dep. Orlando Silva confessou que as denúncias contra o atual presidente da república e a reforma política haviam tomado conta do debate político daquele ano. O tão esperado relatório da Comissão Especial ficaria para o próximo ano.

Enquanto isso, na outra Casa do Parlamento, houve ainda fôlego para que o senador Ricardo Ferraço apresentasse parecer de aprovação ao PLS 330/2013 em outubro de 2017. Um projeto de lei que ganhou corpo e cara de uma lei geral de proteção de dados pessoais muito antes disso, quando o então senador Aloysio Nunes apresentou, em 2015, um substitutivo alinhado ao texto do então anteprojeto de lei do Executivo (PL 5276/2016). Foi isso, aliás, que permitiu que Senado e Câmara estivessem em constante diálogo por se debruçarem sobre textos com razoável grau de convergência, tal como foi destacado pelo senador Ricardo Ferraço na última terça-feira.

Antes do apagar das luzes de 2017, houve tempo ainda para que o grupo de reformas microeconômicas da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado destacasse a importância do Brasil instituir um marco legal de proteção de dados pessoais. Já em 2018, esse aspecto econômico acabou por ecoar no relatório sobre o Plano Nacional de Internet das Coisas, bem como pré-condição para o Brasil se tornar um país-membro da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Socioeconômico/OCDE. Tornava-se cada vez mais inquestionável que o atraso regulatório brasileiro gerava e continua gerando sérias perdas econômicas e de investimento para o País.

Ainda faltava o ingrediente mais quente para eclodir a pauta da proteção de dados pessoais em 2018: o escândalo da Cambridge Analytica escancarou como a desproteção de dados pessoais impacta não só a vida de um cidadão em específico, mas de toda uma coletividade e os alicerces do que se entende por democracia. Logo depois, houve uma sessão temática no Senado para debater, pela primeira vez no plenário em uma das Casas do Congresso Nacional, o tema. E, em maio de 2018, a Câmara dos Deputados realizou também um seminário como decorrência do referido escândalo.

Nos dias 24 e 28 de maio, respectivamente, Senado e Câmara aprovaram requerimentos de urgência para a apreciação dos projetos de lei que tramitavam nas respectivas casas. No dia 29 de maio, a Câmara dos Deputados foi mais rápida e aprovou por unanimidade o substitutivo apresentado pelo Dep. Orlando Silva que, com o envio ao Senado, transformou-se no agora tão falado PLC 53/2018.

Aqui caberia fazer um enorme parênteses, mas que pode ser abreviado pela entrevista do deputado relator e pelo seu discurso ainda em plenário. Ao resgatar e sintetizar o trabalho da Comissão Especial de Dados Pessoais de quase 02 (dois) anos, bem como a importância de rodadas de discussão multissetoriais sobre o texto do seu substitutivo, o deputado baiano-paulistaconcluiu: “o processo amadureceu” e foram criadas “as condições políticas para apresentar um texto” que é a “média bastante qualificada das aspirações da sociedade brasileira”.

Passada a “ressaca” da aprovação do PLC 53/2018, o que se notou foi justamente a confirmação de que a sua redação final é o melhor consenso possível. Dali em diante, notou-se, pela primeira vez desde 2010, manifestações multissetoriais envolvendo até então setores que se colocavam em lados opostos do debate público. Primeiro, uma nota em defesa da criação de uma Autoridade de Proteção de Dados Pessoais sem a qual a futura lei brasileira é praticamente inaplicável. Segundo, em defesa expressa e pela célere aprovação do PLC 53/2018.

A linha do tempo acima está longe de emprestar linearidade à conjuntura do debate brasileiro sobre uma lei geral de proteção de dados pessoais, mas ensaia como se deu o processo que decantou e burilou a “hegemonia” em torno do texto do PLC 53/2018. As próximas semanas serão decisivas e pode não haver melhor momento para que o Brasil deixe para trás o seu atraso regulatório.

Em tempos de Copa do Mundo, ninguém quer chegar na reta final e não levantar o caneco. O apito final não se dará com a eventual aprovação apenas do projeto de lei no Senado Federal, se é que haverá condições de chegar nesses minutos finais do jogo como é estratégia já adiantada pelo senador Ricardo Ferraço. Será necessária, ainda, a manutenção do texto pela Presidência e, futuramente, a criação de uma Autoridade de Proteção de Dados Pessoais. Sem ela, nós não teremos a nossa capitã para levantar a taça e ser entregue as medalhas de uma vitória coletiva da sociedade brasileira, cuja jornada começou há quase duas copas atrás.
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i[1] Esse artigo se vale de considerações de outro escrito em 2016, quando, em coautoria com Renato Leite Monteiro, foi analisada a conjuntura política da pauta para o jornal Carta Capital: https://www.cartacapital.com.br/politica/o-brasil-caminha-rumo-a-uma-lei-geral-de-protecao-de-dados-pessoais
ii[1]Sendo as emendas apenas de correção de técnica legislativa, o texto não precisaria voltar à Câmara dos Deputados indo direito para sanção presidencial.
iii[1] Optamos por deixar as filiações partidárias a época dos respetivos acontecimentos. Por exemplo, hoje é Dep. Alessandro Molon está filiado ao PSB.
iv[1] Hoje o Dep. Celso Pansera está filiado ao PT.

* Bruno R. Bioni– Doutorando em Direito Comercial e Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Advogado do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR/NIC.br, membro da Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade/LAVITS e Fundador do Data Privacy Brasil


Fonte: Jota