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Artigo - ‘Invisíveis’ e o direito de ter direitos – Por Marcelo Dealtry Turra

Invisibilidade e preconceito. Cenário comum quando, nos espaços públicos das grandes cidades brasileiras, presenciamos a forma como as pessoas e o próprio Poder Público se relacionam com aqueles em situação de rua.


Segregação que fere direitos fundamentais – direitos básicos individuais, sociais, políticos e jurídicos, fundados nos princípios dos direitos humanos, subtraídos daquelas pessoas que se encontram nas ruas.


A relação existente entre as pessoas em situação de rua na cidade do Rio de Janeiro e a real eficácia de seus direitos fundamentais no que diz respeito, por exemplo, à utilização dos espaços públicos e da estrutura do local que vivem, sobrevivem, coabitam, é um problema seríssimo e que tem de ser enfrentado.


O desrespeito a direitos fundamentais dos invisíveis da cidade é notório.


Percebe-se que determinados direitos são, hoje, retirados dessas pessoas: o acesso à saúde, moradia, segurança, vida digna, facilidade em obter documentos de identificação e ao mercado de trabalho. Faltam políticas que os incluam, um vácuo ou, quando muito, a implementação de uma inumana higienização, ou limpeza social, como dizem – entendendo-se como limpeza social a eliminação de elementos sociais “indesejáveis”, como criminosos e sem-teto. O termo se popularizou no final da década de 1980, quando organizações clandestinas começaram a praticar limpeza social em vários países da América Latina.


Neste diapasão as políticas de segurança pública, por exemplo – direito social garantido no art. 6º e definido no art. 144 da Constituição Federal de 1988, como dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos órgãos de segurança – implementadas aos invisíveis, em momento algum reconhecem os Direitos Humanos.


Deveriam, tais políticas, se fiar em práticas de Cidadania, na participação popular para sua elaboração com a implementação, especialmente, de políticas específicas para esses vulneráveis sociais. Este é só um dos vários exemplos de negação aos Direitos Fundamentais e ao Direito à Cidade.


Outro exemplo: um único direito não assegurado, o de moradia, reflexamente amputa outros: sem um endereço fixo, dificilmente serão acessados o mercado de trabalho, a saúde e a educação. E até mesmo a possibilidade de se conseguir uma segunda via de documentos de identificação e/ou assentamento de nascimento.


Necessário um olhar mais atento acerca das reais demandas destas pessoas, um compartilhamento de informações básicas, criando condições para que possam atingir o ideal: o estado de cidadania plena na sociedade brasileira.


No Rio de Janeiro, cada vez aumenta mais o número de famílias em situação de rua. Os abrigos da prefeitura, por sua vez, são sujos e sem condições, alcunhados por estas próprias pessoas de depósitos de gente.


De 2013 a 2016, o número de pessoas em situação de rua passou de 14 mil. Famílias ‘morando’ (se é que se mora) em praças, embaixo de viadutos e nas calçadas. Essa a realidade das ruas do Rio de Janeiro.


Dados da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos do Município do Rio de Janeiro mostram que quase 90% destas pessoas são do sexo masculino. Do total de quase 14 mil moradores, 68% tem entre 30 e 59 anos. Quase 11% têm entre 25 e 29 anos e, cerca de 10%, idosos.


Muitos sobrevivem catando latinhas o dia todo. Outros, da benevolência e generosidade de terceiros. Pelo menos, com isso, garantem o que comer.


Levantamento feito por meio de projeto desenvolvido por acadêmicos de Direito e advogados de uma instituição de ensino superior no Rio de Janeiro, com a realização de ações semanais nas ruas da Cidade onde é oferecido não só suporte jurídico, como também informações sobre os direitos de cada cidadão, desembocou em uma série de demandas recorrentes destas pessoas.


A possibilidade de existir (ter um registro civil, uma identidade, ainda que tardiamente), passando por problemas de ordem criminal e de família foram algumas das demandas identificadas.


Nas anamneses feitas pelos acadêmicos de Direito constatou-se que o preconceito é uma das maiores dificuldades deparadas por aqueles que se encontram nas ruas. Nem todos estão lá porque querem.


Rupturas familiares, vícios, desemprego e impossibilidade de se manterem são alguns dos motivos de estarem eles nas ruas.


Durante a madrugada é fácil encontrar dezenas de pessoas dormindo nas ruas. Principalmente em locais determinados e específicos, onde lhes é permitido dormir com certa segurança, no centro da cidade.


A promoção da Cidadania, do bem-estar e da autoestima dessa gente, gente que se encontra em situação de rua, com a possibilidade real de mudarem seu status quo, acessando direitos básicos e fundamentais e usufruindo da estrutura e dos espaços públicos de sua cidade, com igualdade de utilização se faz urgente, muito mais do que urgente.


* Marcelo Dealtry Turra, mestre em Direito e coordenador do Projeto ‘Café Suspenso’, da FACHA



Fonte: Estadão