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Artigo - Quem tem medo de averbação pré-executória? – Por Matheus Carneiro Assunção

Anotação de débitos em registros de bens e direitos objetiva prevenir fraudes e aprimorar cobrança

Já dizia Sêneca que “justamente aquelas coisas que provocam mais medo são menos temíveis”. Com o advento da Lei n. 13.306/2018, prevendo a possibilidade de a Fazenda Pública “averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis” (art. 20-B, § 3o, II, da Lei n. 10.522/2002), diversas vozes ecoaram receios sobre tal averbação pré-executória. Mas, afinal, existem motivos fundados para temê-la?

Regulamentando a previsão normativa contida no art. 20-B da 10.522/2002, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional editou a Portaria PGFN n. 33, de 08 de fevereiro de 2018, alterada pela Portaria PGFN n. 42, de 25 de maio de 2018. Em seu art. 21, a averbação pré-executória é definida como o “ato pelo qual se anota nos órgãos de registros de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, para o conhecimento de terceiros, a existência de débito inscrito em dívida ativa da União, visando prevenir a fraude à execução de que tratam os artigos 185 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1996 (Código Tributário Nacional) e 792 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015”.

Trata-se, portanto, de ato extrajudicial com a finalidade de conferir maior publicidade à existência de débitos inscritos em dívida ativa, em relação aos quais o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros (art. 789 do Código de Processo Civil), contribuindo para evitar a fraude de que tratam os artigos 185 do CTN e 792 do CPC, e protegendo terceiros de boa-fé. Para tanto, a PGFN deverá encaminhar aos órgãos de registro de bens e direitos, notadamente cartórios de registro de imóveis e órgãos legalmente incumbidos do registro ou controle de bens móveis, as informações necessárias à averbação.

Vale observar que a averbação pré-executória poderá ocorrer apenas quando o devedor, apesar de notificado para efetuar o pagamento do valor atualizado do débito, parcelá-lo, ofertar antecipar garantia em execução fiscal ou apresentar Pedido de Revisão de Dívida Inscrita (PRDI), não adota qualquer destas providências dentro do prazo previsto na legislação (cinco dias para pagamento ou parcelamento; e 30 dias para oferta antecipada de garantia ou PRDI). O ato de averbação tem em mira, portanto, ao devedor que não demonstra qualquer intenção de pagar, parcelar, garantir ou questionar administrativamente o débito inscrito em dívida ativa, com presunção de certeza e liquidez (art. 204 do CTN). Em outras palavras: volta-se a quem, potencialmente, evidencia substancial risco de incorrer em fraude à execução.

Uma vez averbada a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro, o devedor poderá apresentar impugnação, no prazo de dez dias contados da respectiva notificação, expedida por via postal ou eletrônica. Na impugnação, de acordo com o art. 26 da Portaria PGFN n. 33/2018, o devedor poderá: (i) alegar impenhorabilidade dos bens e direitos submetidos à averbação pré-executória (art. 833 do CPC), (ii) alegar excesso de averbação, quando os bens averbados estiverem avaliados em valor superior ao das dívidas que deram origem à averbação; (iii) indicar à averbação outros bens ou direitos, livres e desimpedidos, observada a ordem de preferência estipulada pelo art. 11 da Lei n. 6.830/1980; (iv) alegar mudança de titularidade do bem ou direito em momento anterior à inscrição; (v) alegar que, a despeito da alienação ou oneração de bens em momento posterior à inscrição, reservou patrimônio suficiente para garantir a dívida, nos termos do art. 185 do CTN, devendo indicar, neste caso, os bens reservados à averbação. O terceiro adquirente também poderá impugnar a averbação pré-executória, independentemente do prazo previsto no art. 26 da Portaria PGFN n. 33/2018, demonstrando a legalidade da alienação realizada. Respeita-se, assim, o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal, sem prejuízo de buscar-se o aperfeiçoamento dos instrumentos de salvaguarda do crédito da Fazenda Pública.

É importante lembrar que o Superior Tribunal de Justiça, em recurso repetitivo, já decidiu que “a natureza jurídica tributária do crédito conduz a que a simples alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, pelo sujeito passivo por quantia inscrita em dívida ativa, sem a reserva de meios para quitação do débito, gera presunção absoluta (jure et de jure) de fraude à execução”1. A averbação de débitos inscritos em dívida ativa, porém, objetiva aumentar a cognoscibilidade de terceiros de boa-fé a respeito da existência de óbices a operações de alienação de bens e direitos, em homenagem à segurança jurídica.

Note-se que os efeitos da averbação pré-executória são bastante distintos do arrolamento de bens e direitos de que trata o art. 64 da Lei n. 8.397/922. O arrolamento tem função informativa e o escopo de possibilitar o acompanhamento do patrimônio do sujeito passivo, anteriormente à inscrição em dívida ativa. Como já frisou o Superior Tribunal de Justiça, “o ônus imputado ao contribuinte em relação ao bem arrolado é tão somente a comunicação ao Fisco da transferência, alienação ou oneração do bem, cuja inobservância autoriza o requerimento de medida cautelar fiscal contra o devedor”3. Por outro lado, “o arrolamento de bens não implica em qualquer gravame ou restrição ao uso, alienação ou oneração dos bens e direitos do contribuinte”4, diferentemente da averbação pré-executória. O arrolamento é mecanismo de monitoramento, para que a Administração Tributária tenha ciência da movimentação patrimonial do sujeito passivo e possa atuar para evitar a dissipação de bens e direitos, inclusive mediante a propositura de cautelar fiscal, por intermédio da PGFN.

Ao contrário do que equivocadamente se pode imaginar, a averbação pré-executória não afronta direitos e garantias fundamentais, mas prima pelo seu resguardo, na medida em que almeja proteger o interesse coletivo subjacente à cobrança de créditos tributários, ao mesmo tempo em que amplia o acesso a informações da caráter público por terceiros de boa-fé. Não há, portanto, razões para temer a sua utilização pela PGFN, no fito de aprimorar a efetividade da cobrança de créditos regularmente inscritos em dívida ativa. Quem tem medo de averbação pré-executória, possivelmente, também foge do dever fundamental de pagar tributos.

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1 REsp 1141990/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/11/2010, DJe 19/11/2010.
2 Lei n. 8.397/92: “Art. 64. A autoridade fiscal competente procederá ao arrolamento de bens e direitos do sujeito passivo sempre que o valor dos créditos tributários de sua responsabilidade for superior a trinta por cento do seu patrimônio conhecido.”
3 REsp 1486861/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/12/2014, DJe 15/12/2014.
4 TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, Ap – APELAÇÃO CÍVEL – 316639 – 0002604-04.2008.4.03.6120, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO SARAIVA, julgado em 20/09/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/11/2017.


Fonte: Jota