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Artigo - O empecilho criado pela lei para a adoção do maior falecido – Por Mônica Cecílio Rodrigues

Talvez possa parecer, em uma primeira leitura, um título não muito adequado a um instituto que expressa tanta afetividade. Mas não o é!

E corre a explicação porque não o é: a adoção é um ato encoberto de afetividade, de desejo filial pelo outro, de constituir a filiação – que não é biológica – com o outro. Já escrevi e repito, um dos mais belos institutos do Direito de Família.

Pois bem, é da sabedoria popular que a adoção vincula laços de afetividade os equiparando a laços de sangue de duas pessoas, criando ali um vínculo filial, familiar, dada a querência de ambos. E assim tem sido no histórico da adoção.

E pode ocorrer por uma Vida afora a convivência filial, sem haver laços biológicos de filiação, entre duas pessoas, sem qualquer providência para legalizar esta situação e depois com o falecimento surge o desejo de requerer a adoção póstuma, ou seja: ajuizar a ação de adoção após a morte de algum dos envolvidos nesta relação afetiva/filial.

Acontece que, já existe o entendimento pacífico em nossos Tribunais Estaduais da possibilidade jurídica do pedido de adoção post mortem em julgado da nossa Corte de Cassação, que reconhece a possibilidade se restar demonstrado, de forma induvidosa, a relação afetiva e que o adotante, agora falecido pretendia a adoção, mas não cuidou de fazer em Vida.

É preciso a prova inequívoca que o tratamento recebido pelo adotado, quando em Vida do adotante, ser idêntico ao filial, com total inserção no núcleo familiar, perfilhando a identificação como se originário do laço de sangue. E atente-se, a Corte entende possível mesmo que o adotante não tenha iniciado o processo de adoção ainda em Vida, mas que a intenção foi obstaculada pela morte, que muitas vezes chega sem avisar. Portanto, adoção é irrefreável.

Contudo, o mesmo raciocínio não é utilizado quando ocorre o falecimento do adotado maior antes do processo de adoção iniciar, por uma regra contida em nossa legislação que exige do “filho” maior o seu consentimento para o reconhecimento da filiação através do processo de adoção.

Logo, a adoção requerida pelo adotante após o falecimento do futuro adotado maior falecido não está sendo permitida.

A questão deve ser analisada a luz do afeto que envolver esta condição sui generis da relação. S.M.J., não existe empecilho para que o mesmo raciocínio seja desenvolvido na ocorrência da morte do adotado maior, se restar comprovado, nos autos, que também desenvolveu em Vida uma relação filial para com o adotante. Não se nega que a prova do desejo do adotado em ser reconhecido como filho deve ser inequívoca, o que suprimia a impossibilidade de se manifestar em razão de seu óbito.

Aqui devemos também prestigiar o princípio da dignidade da pessoa humana, sopesando a verdade fática comprovada nos autos, mesmo que diante da ausência do adotado, frente ao tratamento que recebia do adotante e que também prestava a ele.

A impossibilidade do consentimento do adotado, em razão de sua morte, não deve ser esbarro para o reconhecimento socioafetivo da filiação.

E deve ser ressaltado que, diante da prova irrefutável do tratamento igualitário do adotante para com o adotado e do adotado, quando vivo, para com o adotante, não deve ser refreado pela inexistência do consentimento deste último, uma vez que a aceitação para o reconhecimento de ser filho pode ser comprovada através de sua postura, quando era vivo; como foi assim aceito pela jurisprudência do desejo em adotar pelo adotante falecido.

Pensar diferente, salvo engano, seria prestigiar a prova somente em favor do adotado e menosprezá-las pelo lado do adotante. O que não faz sentido!

* Dra. Mônica Cecílio Rodrigues – advogada, doutora em processo civil e professora universitária.


Fonte:
Jornal da Manhã Online