Não é segredo para ninguém que a legislação brasileira evolui e é criada de acordo com o desenvolvimento, novas formas de relacionamentos e clamores sociais da nossa sociedade.
Todavia, quando estes anseios regulamentários não são atendidos pelo Poder Legislativo, ao menos no tempo em que as modificações culturais e sociais vão acontecendo, cabe ao Poder Judiciário exercer tal função, seja por meio da sua jurisprudência, que nada mais é do que a interpretação da legislação existente por parte de nossos magistrados, seja por meio dos provimentos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Nesse passo, ainda que em nossa codificação não haja expressamente o reconhecimento da filiação socioafetiva, a jurisprudência vem prestigiando a chamada posse de estado de filho, sustentada no amor e no desejo de ser pai ou mãe.
A filiação socioafetiva é pautada na afetividade e convivência, originada de um vínculo que nasceu do coração, e não na ascendência genética, que após alguns debates em nossas instâncias superiores deixou de ter posição hierárquica superior àquela, ou seja, o aspecto biológico cedeu espaço ao comportamento social e afetivo.
Assim, até a edição do provimento n° 63 do CNJ de 14/11/2017, para que alguém, seja homem ou mulher, quisesse registrar afetivamente algum descendente, a única opção era por meio da propositura de uma demanda judicial, o que agora já não é mais necessário, vez que tal possibilidade registral foi estendida aos Cartórios de Registros de pessoas naturais, existentes em todos os municípios do País.
Portanto, com esta simplificação, basta que os pais registrais, munidos de seus documentos pessoais e da certidão de nascimento do filho, dirijam-se até um dos referidos cartórios para que, administrativamente, efetivem o registro da paternidade ou maternidade socioafetiva, respeitados alguns pré-requisitos.
Tal provimento vai além quando autoriza, também, a possibilidade de registro de multiparentalidade, que ocorre quando um filho estabelece uma relação de paternidade/maternidade com mais de um pai ou mãe. Cita-se como maior exemplo os casos em que padrastos e madrastas também se tornam pais e mães de seus enteados.
Não se pode esquecer que o vínculo recém-criado se estende aos demais graus e linhas de parentesco, passando a produzir todos os efeitos patrimoniais e jurídicos pertinentes, englobando, assim, toda cadeia familiar, inclusive o Direito Sucessório.
* Glauberth Holosbach - advogado
Fonte: Correio do Estado