O princípio da duração razoável do processo
A Constituição Federal como fonte inspiradora das demais normas, traz em seu íntimo (art. LXXVIII) o Princípio consagrado como Duração Razoável do Processo, tal princípio foi alçado como garantia fundamental através da Emenda Constitucional 45/2004, porquanto, patente a insatisfação da sociedade com a lentidão das prestações jurisdicionais.
Importa considerar, através dos ensinamentos do saudoso jurista Rui Barbosa, que “a justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta, porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade. Os juízes tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando. Mas sua culpa tresdobra com a terrível agravante de que o lesado não tem meio de reagir contra o delinquente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio pendente.”[1]
Nesse sentido a justiça brasileira traz ínsita grande parcela de morosidade, que tem o condão de atuar decisivamente na sensação social da impunidade.
Em complementação, a justiça célere e pronta traduz a confiabilidade e respeitabilidade no Poder Judiciário, como fonte de pacificação social. Parafraseando o Professor Humberto Theodoro Junior“por terem consciência de seus direitos à tutela jurisdicional, cada vez mais as pessoas passaram a ir à Justiça e a dela exigir a prestação que, de fato, correspondesse à função que as modernas constituições lhe atribuíam.
Como os órgãos jurisdicionais disponíveis quase nunca se achavam servidos por pessoal, recursos e meios suficientes para o bom atendimento dos postulantes, logo tiveram início as insatisfações e reclamações dos jurisdicionados.”[2]
Todavia esta insatisfação com a prestação jurisdicional, não subsuma-se apenas nas terras tupiniquins, porquanto, registra-se descontentamento na Europa, Alemanha e vozes autóctones do País.
Desta forma, faz-se cristalino o entendimento de que o aumento na quantidade dos cargos de juízes, assim como o aprimoramento procedimental do serviço jurisdicional não são fatores suficientes em si mesmos para a solução do vírus da ineficiência da prestação do serviço.
Urge, finalmente, forjar uma estrutura empenhada a desenvolver um novo modelo de dizer a justiça. Preferencialmente uma justiça econômica, célere, funcional e transparente.
A usucapião no direito brasileiro
A gênese da Usucapião, encontra suas raízes no Direito Romano, transcrito na Lei das XII Taboas (duodecimtabulae), que formava o cerne da Constituição da República dos Romanos, consistindo, já, naquela época a possibilidade de se adquirir o domínio através da posse protraída no tempo, transformando uma situação de fato em direito.
Como no Direito Romano, os cinco requisitos para a aquisição da propriedade pela usucapião foram mantidos pelo Código Civil de 1916, sendo reproduzido no de 2002, sendo eles: coisa hábil (res habilis), justa causa (iusta causa), boa-fé (bona fides), posse (possessio) e tempo (tempus).
Observa Silvio de Salvo Venosa “a usucapião tem o condão de transformar a situação do fato da posse, sempre suscetível a vicissitudes, em propriedade, situação jurídica definida”[3],.
Dessa forma, como quer dizer Silvério Ribeiro, aquele que tiver posse mesmo sem o jus possidendi, ou seja, o direito de possuir, terá a guarida da lei na defesa do estado de posse, por meio dos interditos possessórios.
Sendo ainda essa qualificada, contemplado será o possuidor pelo próprio ordenamento jurídico, diante dos componentes que direcionam à usucapião, convertendo a mera situação de fato no direito de propriedade com todos os seus consectários.
Diante da Doutrina exaustivamente discutida e da legislação vigente, entende-se então que, a aquisição da propriedade dá-se com a posse da coisa ao longo do tempo, sob determinadas circunstâncias previstas em lei.
A possibilidade da posse continuada gerar a propriedade justifica-se pelo sentido social e axiológico das coisas. Premia-se aquele que se utiliza utilmente do bem, em detrimento daquele que deixa escoar o tempo, sem dele se utilizar ou não se insurgindo que outro o faça, como se dono fosse.
Destarte, não haveria justiça em suprimir-se o uso e gozo de imóvel (ou móvel) de quem dele cuidou, produziu ou residiu por longo espaço de tempo, sem oposição.
Assim, a usucapião representa o reconhecimento de elementos fáticos – posse contínua e pacífica exercida como dono, durante certo lapso de tempo, variável segundo a espécie (ordinário, extraordinário ou constitucional) – havendo uma necessidade de sentença declaratória, que se constituirá em título hábil de domínio, para a transcrição imobiliária e aquisição do poder de disponibilidade do bem.
Assim, para a aquisição da propriedade através de usucapião, devem ser cumpridos os requisitos definidos em lei, observado, inclusive, o prazo no qual o adquirente exerce a posse do imóvel, ditame este sedimentado no Código civil, ainda, estabelecido o rito processual ordinário segundo o Código de Processo Civil Brasileiro.
Retira-se, por consectário que a usucapião é uma das formas de aquisição originária da propriedade, encontrando-se no Direito Brasileiro as espécies de usucapião postas a disposição dos operadores de direito, segundo a modalidade própria de cada caso específico subsumam-se nas seguintes formas
(i) ordinária – prevista no artigo 1.242 do Código Civil;
(ii) extraordinária – previsto no artigo 1.238 do Código Civil;
(iii) especial – prevista em vários dispositivos de direito, vg, Código Civil, nos artigos 1.239 e 1.240-A, na Constituição Federal no artigo 183 e em lei própria, n.º 6.969/1.981;
(iv) administrativo, este último na modalidade introduzida pelo Código de Processo Civil, em seu artigo 1.071; e (v) coletiva Urbana, prevista na Lei 10.257/2.001;
Sabe-se, em considerando a complexidade do tema, que as ações de usucapião, de forma contumaz são procedimentos de longa duração, chegando às vezes a eternizar nos escaninhos das Escrivanias por décadas, quer porque envolve matérias multidisciplinares (social, jurídica, urbanista e de geomensura) esvaindo-se do processo cognitivo dos Magistrados, quer porque o procedimento do feito reclama a intervenção de várias áreas administrativas da esfera tanto municipal, quanto estadual e federal, principalmente quando se trata de regularização fundiária urbana ou rural coletiva, onde o procedimento é aplicado.
Ação civil pública como sustitutivo da usucapião plúrima
O instituto foi inspirado no modelo, concebido pelo direito norte-americano, da classaction, que é, nos Estados Unidos, o instrumento adequado à tutela dos interesses coletivos e destinado à defesa de grupos de pessoas ou segmentos sociais com idênticos direitos, apresentando, na maioria dos casos, a impossibilidade de serem divisíveis.
Serve ainda a ação civil pública para tutelar os direitos individuais homogêneos indisponíveis quando as vítimas do evento danoso, por qualquer motivo, não tenham meios de reclamá-los, ou por falta de condições de custearem sozinhas as despesas com a demanda, ou ainda por serem de pequena monta os prejuízos reclamados, não compensando a propositura de ações individuais.
Mostra Ronaldo Cunha Campos que, “ao ver da doutrina, a classaction torna viável a consideração de pequenas pretensões que apenas quando somadas tornam-se relevantes. Isoladamente seria inviável o aforamento do pedido. Contudo se a decisão proferida atingir um grande número de titulares destas pequenas pretensões, teríamos uma ação viável“.[4]
A da Pellegrini Grinover refere que a origem da ação civil pública, ao prever a defesa coletiva dos direitos individuais homogêneos, está na class action: “a classaction do sistema norte-americano,baseada na equity, pressupõe a existência de um número elevado de titulares de posições individuais de vantagem no plano substancial, possibilitando o tratamento processual unitário e simultâneo de todas elas, por intermédio da presença da classe“.[5]
Objetivando a compreensão lato sensu da indivisibilidade, mister se faz definir o alcance do termo, porquanto é a base na diferenciação entre os interesses coletivos e os individuais homogêneos, sendo aqueles indivisíveis e estes divisíveis. Conforme preciosa lição de Ricardo Ribeiro Campos,[6]“para verificarmos se um direito é indivisível ou não, devemos nos indagar se a transgressão ao interesse em exame pode ser direcionada exclusivamente a um sujeito determinado ou se é possível a qualquer um dos integrantes do grupo de pessoas invocar, isoladamente, uma prestação jurisdicional que lhe assegure o bem jurídico para si”. Assim, se o direito puder ser pleiteado individualmente por qualquer integrante do grupo, estaremos diante de direitos divisíveis, caso contrário encontraremos direitos indivisíveis.
Já o Interesse Individual Homogêneo é aquele de natureza divisível, cujos titulares são pessoas determinadas. Como exemplo pode-se apontar, conforme ilustrado pelo citado autor, o caso de consumidores que “adquiriram veículos cujas peças saíram defeituosas de fábricas e também a hipótese de instituição de tributo inconstitucional. Verificamos nestas duas hipóteses que mesmo havendo a possibilidade de a lesão atingir várias pessoas, cada uma delas, individualmente, poderá pleitear jurisdicionalmente a reparação a sua lesão, buscando atingir a preservação de seu bem jurídico”.
A toda evidência, pelas razões acima invocadas, a Ação Civil Pública pode ser considerada idônea para albergar a declaração do direito tutelado, porquanto, perfeitamente amoldada nos conceitos doutrinários expostos, com a evidente possibilidade de alterar o prazo de duração de um processo de usucapião, normalmente, como se disse, de larga duração.
Compatibilidade de ritos processuais
Resta por derradeiro analisar a compatibilidade de ritos ante a ótica do CPC, porquanto, este Diploma legal, não prevê um procedimento especial para a usucapião, embora fazendo alusão ao instituto nos artigos 243, parágrafo 3.º e artigo 259, inciso I. Desta forma, a ação em comento deve ser regida pelo procedimento comum, alterando-se o artigo 9.º da Lei da Ação Civil Pública, na parte final, na medida em que remete os procedimentos do CPC/73, adequando-a aos novos termos da lei processual.
Neste diapasão e, verificando que o artigo 19 da Lei da Ação Civil Pública (lei 7.347/1.985) determina o seu processar através da aplicação subsidiária do CPC[7] e que as mais recentes e abalizadas decisões do Tribunal da Cidadania entendem que a Ação Civil Pública é instrumento idôneo para defesa de interesses individuais homogêneos, segue-se, ser a ACP, instrumento hábil à pretensão dos autores de modo a terem declarado de forma coletiva pelo Magistrado do Foro da situação, a prescrição aquisitiva, máxime, a ausência de necessidade de se operar a cognição exauriente em todos os ocupantes, exatamente pela existência dos interesses individuais homogêneos.
A duração razoável do processo na aplicação da ACP
Por ocasião da cognição exauriente, praticada pelo Magistrado, deve o mesmo examinar todas as questões posta sob sua ótica, máxime a existência da posse, o lapso de duração, e a intimação de todos os confinantes externos e internos do perímetro e do parcelamento da gleba em ocupação.
No vertente caso, penso que tal intervenção é dispensável, porquanto, os interesses são individuais homogêneos, havendo similitude de interesses, máxime, desincumbirem-se, os prescribentes, da conveniente e prévia Declaração de Confinância, havendo, de consectário, apenas a necessidade da expressa intimação dos confinantes externos do perímetro, fato que tem o condão de exaurir a quantum satis, a duração do curso do procedimento. Assim, ad cautelam, pode o Magistrado pinçar alguns lotes da malha parcelada em prescrição, com o fito de garantir a veracidade das afirmações alegadas.
A aplicação do modelo em comento viabiliza-se quanto se objetiva regularizar fundiariamente parcelas situadas em zonas urbanas ou rurais, cujo domínio é de natureza privada e, o montante de lotes em regularização é de significativa monta.
A título de exemplo, abaixo, encarta-se um Bairro situado na cidade de Cuiabá/MT[8] de regularização fundiária urbana, contendo 176 lotes parcelados de um Loteamento regular, aprovado pela municipalidade, cuja ocupação recaiu-se sobre terras pertencente a iniciativa privada, que se encontra em processo de regularização fundiária.
Do exposto pode-se perceber a dificuldade de se intimar 528 pessoas, mais os confrontantes externos, a as três fazendas, federal estadual e municipal.
Assim aplicando-se a ação civil pública, percebe-se cristalinamente que as intimações recaem apenas, se assim entender o Magistrado, sobre os confinantes externos.
Lívia Almeida Praeiro é graduanda do curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, atuante na área de Direito Empresarial.
Fonte: Carta Capital