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Da necessidade de regulamentação do reconhecimento de maternidade ou paternidade socioafetiva - Por Letícia Franco Maculan Assumpção

No dia 15 de março de 2016, foi publicado o Provimento nº 52, da Corregedoria Nacional de Justiça-CNJ, regulamentando, enfim, o registro de crianças concebidas por reprodução assistida, dispensando a necessidade de prévia ordem judicial.

Desde então, em todo o Brasil, casais homo ou heteroafetivos que tenham que recorrer à reprodução assistida ficaram livres dos transtornos que vinham sofrendo, podendo ser atendidos diretamente no Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais, mediante a apresentação dos documentos relacionados no referido Provimento nº 52-CNJ.

Foi mais uma manifestação da “desjudicialização” ou “extrajudicialização”, demonstrando a confiança depositada pela Corregedoria Nacional de Justiça nos Oficiais de Registro Civil, que passaram a atuar independentemente de qualquer autorização judicial. Tal medida, tão relevante, deveria ter sido apresentada em conjunto com a Resolução 175/CNJ, que autorizou os casamentos homoafetivos[1], mas, apesar de tardia, já representou uma facilitação para o registro de nascimento nessa situação cada vez mais comum que é a reprodução assistida.

No entanto, mesmo o Provimento nº 52-CNJ não resolve todas as situações que a realidade vem apresentando aos Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais. De fato, é preciso que haja uma regulamentação sobre o reconhecimento de maternidade ou paternidade socioafetiva, principalmente nas situações em que aquele que pretende reconhecer a paternidade ou maternidade é casado com a pessoa que gerou a criança.

Será apresentado um caso concreto de duas mulheres, casadas entre si, que recorreram à “fecundação caseira” e cuja situação não está, pois, abrangida pelo Provimento nº 52-CNJ e que tiveram que buscar o Judiciário para incluir o nome da esposa da mãe no registro da criança.

O PROVIMENTO 52 DO CNJ, O REGISTRO DE CRIANÇAS NASCIDAS POR MEIO DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA, FILHAS DE CASAIS HETEROAFETIVOS E HOMOAFETIVOS

Até a publicação do Provimento nº 52 do CNJ, não havia qualquer orientação federal sobre o registro de crianças com dupla maternidade ou paternidade.

Em Minas Gerais, portanto, nos casos em que os requerentes do registro afirmavam haver fecundação assistida, o procedimento que vinha sendo observado era o seguinte: quando o casal era composto por duas mulheres, era possível registrar em nome da mãe que concebeu a criança e suscitar dúvida para o juiz competente quanto ao nome da outra mãe a ser incluído. Assim, garantia-se que a criança tivesse a certidão de nascimento rapidamente, mesmo que incompleta. O problema é que os juízes entendiam que não era caso de suscitação de dúvida, exigindo processo judicial. Outra solução possível era uma ação judicial prévia ao nascimento da criança, para que, quando ela nascer, seja autorizado o registro em nome do casal que teve a ideia da concepção. As duas alternativas mencionadas, no entanto, vão contra a tendência de “extrajudicialização” e levam à movimentação da máquina judiciária sem que haja lide.

Quando o casal era composto por dois homens, no entanto, não era possível realizar o registro prévio e, então, era necessário mobilizar a máquina judiciária desde o início.

Na maioria dos Estados da Federação, não havia qualquer regulamentação sobre o tema, mas em alguns já havia solução, como em Mato Grosso, que, por meio do Provimento nº 54/2014–CGJ/MT, regulamentou o registro de nascimento homoparental. Em Mato Grasso, para o registro de nascimento, o casal homoafetivo deve apresentar os seguintes documentos no cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais: Declaração de Nascido Vivo, certidão de casamento ou escritura pública de união estável, termo de consentimento por instrumento público ou particular com firma reconhecida e declaração do centro de reprodução humana.

Para que se possa entender o procedimento seguido até a publicação do Provimento nº 52 do CNJ, é importante saber como funciona o registro de nascimento no Brasil.

SOBRE O REGISTRO DE NASCIMENTO NO BRASIL

O registro de nascimento é disciplinado pela Lei de Registros Públicos, Lei nº 6.015/73, tendo sua redação sido objeto de diversas alterações ao longo do tempo.

Em 2015, a Lei de Registros Públicos foi alterada pela Lei nº 13.112, que fixou em 60 (sessenta) dias o prazo legal para registro do filho, seja pelo pai ou pela mãe, sem prioridade entre eles. Dentro deste prazo, pode-se declarar o nascimento da criança tanto no cartório que serve ao local do nascimento quanto naquele que serve ao local da residência dos pais, e, posteriormente ao fim do prazo legal, apenas no cartório do local da residência. Não há, no entanto, aplicação de multa ou de qualquer sanção se o prazo de 60 (sessenta) dias não for observado, pois desde 1997 a Lei nº 9.534 estabeleceu gratuidade ao ato de registro para todas as pessoas e em qualquer tempo, não havendo mais no ordenamento jurídico brasileiro previsão de multas por registro tardio[2].

É necessário para o registro de nascimento que sejam apresentados o documento do declarante e o documento da mãe que concebeu a criança, cujo nome deve ser o mesmo a constar na Declaração de Nascido Vivo fornecida pelo hospital.

O Código de Normas de Minas Gerais, em seu art. 457, § 3º, seguindo o que determina o Provimento nº 28 do Conselho Nacional de Justiça, determina que, se os pais forem casados entre si, está dispensado o comparecimento do pai ao cartório se for apresentada a certidão de casamento expedida após o nascimento da criança e cuja validade, para esse fim, é de 90 (noventa) dias, uma vez que há presunção legal da paternidade, e a mãe pode fazer incluir o nome do marido no registro do filho.

Quando os pais não são casados, é imprescindível que o pai compareça ao cartório e reconheça o filho como seu, seja no momento da declaração do nascimento ou posteriormente, caso já não conste nome de outrem como pai da criança.

No caso de casais homoafetivos, como a situação ainda não estava devidamente regulamentada, o procedimento tradicional de registro não podia ser seguido. Os Oficiais de Registro estão vinculados ao princípio da legalidade estrita, ou seja, só podem fazer o que a lei expressamente permite, não podendo excedê-la por seu próprio entendimento.

Como bem esclarece Rodrigo da Cunha Pereira: “A demora na tramitação da ação deixava a criança em situação de vulnerabilidade”. (PEREIRA, 2016)
Ainda para ele, a edição de um provimento que regulamente o registro de crianças fruto de fertilização artificial é a forma mais adequada para assegurar às crianças a proteção integral que lhes é garantida constitucionalmente:

Todas essas tecnologias, associadas ao discurso psicanalítico, filosófico e jurídico, proporcionaram caminhos e possibilidades para a constituição de novas relações de parentesco. A partir daí surgiram as parcerias de paternidade/maternidade, isto é, pessoas que estabelecem contratos de geração de filhos, sem vínculo conjugal ou sexual, estabelecendo-se aí apenas uma família parental.

A partir do dia 15 de março de 2016, porém, está sanada essa deficiência no ordenamento brasileiro, porém sem alcançar todos os casos, como demonstraremos a seguir.

É do entendimento das autoras deste artigo que o registro de filhos de casais homoafetivos deveria ter sido regulamentado juntamente com o casamento, na Resolução nº 175 do CNJ, uma vez que a paternidade e a maternidade fazem parte da concepção de família que fundamenta toda a Resolução.

Entendem as autoras, também, que uma vez estando equiparados o casamento heteroafetivo e o homoafetivo, todos os direitos de casal devem ser aplicados a ambos, como é o caso do registro de nascimento dos filhos quando apenas um dos cônjuges comparece ao cartório portando a certidão de casamento.

OS DOCUMENTOS EXIGIDOS PARA O ATO DE REGISTRO DA CRIANÇA CONCEBIDA POR MEIO DE MÉTODOS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA

A lista de documentos a serem apresentados de acordo com o Provimento nº 52 do CNJ, é extensa e imprescindível para a realização do ato. Há de se entender que se trata de medida de segurança, uma vez que o nome que consta na DNV (Declaração de Nascido Vivo) pode vir a ser distinto do nome do ascendente a constar no registro. Trata-se, pois, de exceção à fé pública da DNV.

Importante que os pais e mães estejam cientes dos documentos exigidos para o registro de nascimento de seus filhos, os quais diferem quando da fertilização in vitro e da gestação por substituição, também conhecida como “barriga de aluguel”.

Ressalta-se que esta relação se aplica tanto para casais heteroafetivos quanto homoafetivos, sendo apenas o método de reprodução assistida o grande diferencial. Além disso, no registro homoparental não haverá distinção de ascendência paterna e materna, informação que se mantém no registro de filhos de casais heteroafetivos.

Devem comparecer ao cartório ambos os pais, ou ambas as mães, ou o pai e a mãe, podendo comparecer apenas um se forem casados entre si, caso em que será aplicado o mesmo entendimento utilizado no procedimento tradicional.

A Corregedoria Nacional de Justiça entendeu por equiparar a união estável ao casamento para fins de dispensar a necessidade de comparecimento conjunto de ambos os genitores. No entanto, agora a exigência é de união estável que tenha sido declarada por escritura pública ou reconhecida sentença. Importante ressaltar que, para comprovar a manutenção do estado de casado ou a união estável quando do registro do nascimento da criança, será exigida certidão atualizada de casamento ou da escritura de união estável, expedida após o nascimento e há não mais de 90 dias.

Aplica-se a todos os casos a exigência de apresentação dos seguintes documentos:

– Declaração de Nascido Vivo fornecida pelo hospital;
– Declaração, com firma reconhecida, do diretor da clínica de reprodução, indicando a técnica adotada, o nome do(a) doador(a), seus dados clínicos e características, e o nome dos beneficiários;
– Certidão de casamento, de conversão de união estável em casamento, escritura pública de união estável ou sentença reconhecendo a união estável (se for o caso).
Se houver doação de gametas ou o uso de gestação por substituição:
– Instrumento público de consentimento prévio do(a) doador(a) para registro de nascimento da criança a ser concebida em nome de outrem;
– Instrumento público de aprovação prévia do cônjuge ou de quem convive em união estável com o doador ou a doadora, autorizando, expressamente, a reprodução assistida;
– Instrumento público do cônjuge ou companheiro da beneficiária (mãe) ou receptora (“barriga de aluguel”) da reprodução assistida, autorizando expressamente a realização do procedimento.

A exigência de consentimento por escritura pública do doador do gameta dificulta a aplicação do Provimento, uma vez que essa doação costuma ser feita de forma anônima e sigilosa. No entanto, o Provimento exige não apenas a identificação do doador, mas também que ele expressamente concorde com o procedimento e que afirme que tem consciência de que a criança a ser gerada não será seu filho, pois o registro será feito em nome de outrem.

Quando houver uso de gestação por substituição, não constará no registro o nome da parturiente, ou seja, aquele informado na Declaração de Nascido Vivo, constando, apenas, o nome dos pais ou mães declarantes.

Reforça-se que, muito embora agora seja obrigatória para o ato do registro a apresentação de documentos dos ascendentes biológicos, isso em nada afetará o parentesco da criança com os doadores. O conhecimento da ascendência biológica não importará no reconhecimento de vínculo de parentesco e dos respectivos efeitos jurídicos entre doador(a) e a pessoa gerada por meio de reprodução assistida. Ou seja, o doador ou a doadora não serão reconhecidos como tendo qualquer grau de parentesco com a criança.

Nesse sentido, reconhece-se a posição já fixada pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que atualmente a paternidade/maternidade afetiva é mais relevante do que aquela biológica:

(AgRg no REsp 1413483 / RS, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 13/11/2015, Terceira Turma)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. OFENSA AO ART. 557 DO CPC. INEXISTÊNCIA. NEGATIVA DE PATERNIDADE. PRESUNÇÃO PATER IS EST. AUSÊNCIA DE ERRO OU COAÇÃO NO MOMENTO DO REGISTRO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA CONFIGURADA. ACÓRDÃO A QUO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Em relação à apontada ofensa ao art. 557 do CPC, esta Corte tem jurisprudência firmada no sentido de que “(…) é possível ao Relator negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente ou prejudicado não ofendendo, assim, o princípio da colegialidade. Ademais, com a interposição do agravo regimental, fica superada a alegação de nulidade pela violação ao referido princípio, ante a devolução da matéria à apreciação pelo Órgão Julgador.” (AgRg no REsp 1.113.982/PB, Relatora a Ministra Laurita Vaz, DJe de 29/8/2014).

2. Ao declarante, por ocasião do registro, não se impõe a prova de que é o genitor da criança a ser registrada. O assento de nascimento traz, em si, esta presunção, que somente pode vir a ser ilidida pelo declarante caso este demonstre ter incorrido, seriamente, em vício de consentimento, circunstância, como assinalado, verificada no caso dos autos. A simples ausência de convergência entre a paternidade declarada no assento de nascimento e a paternidade biológica, por si, não autoriza a invalidação do registro. Ao marido/companheiro incumbe alegar e comprovar a ocorrência de erro ou falsidade, nos termos dos arts. 1.601 c/c o 1.604 do Código Civil, o que foi afastado na presente hipótese.

3. O estabelecimento da filiação socioafetiva perpassa, necessariamente, pela vontade e, mesmo, pela voluntariedade do apontado pai, ao despender afeto, de ser reconhecido juridicamente como tal, tendo sido este o caso dos autos, pois apesar de ter mantido relação superficial e esporádica com a mãe da criança, sem qualquer compromisso de fidelidade, surgindo daí fundadas dúvidas acerca do liame biológico, ainda assim registrou a criança como seu filho. Acórdão recorrido em harmonia com a jurisprudência desta Corte. Incidência da Súmula 83/STJ.

4. Agravo regimental desprovido.
DA FORÇA ATRIBUÍDA PELO CNJ AO INSTRUMENTO PÚBLICO
No Código Civil, art. 1.597, V, não havia exigência de instrumento público para a autorização de inseminação heteróloga. No entanto, o CNJ, também aqui reconhecendo a importância do trabalho dos Notários, bem como a segurança jurídica por eles atribuída e também a facilidade de reprodução dos documentos e certidões, exigiu para todas as autorizações o instrumento público, ou seja, aquele lavrado em Notas de Tabelião.

CASO CONCRETO DE NEGATIVA DE INCLUSÃO NO REGISTRO DE NOME DE MÃE SOCIOAFETIVA, CASADA COM A MÃE BIOLÓGICA DA CRIANÇA
É do entendimento das autoras deste artigo que é possível a averbação de reconhecimento de maternidade ou paternidade homoparental quando já houver registro da criança em nome de apenas um dos genitores.

De fato, já que o CNJ expressamente reconheceu que a paternidade ou maternidade socioafetiva supera a biológica, não há motivo para movimentar a máquina judiciária se forem apresentados os documentos cabíveis dentre os relacionados no Provimento 52/CNJ, quais sejam a certidão de casamento ou a escritura de união estável atualizadas.

Seria importante que o CNJ disciplinasse também essa situação, para evitar dúvidas e uniformizar procedimentos. Não havendo orientação do CNJ, cabe ao Juiz competente para Registros Públicos decidir situações específicas que não estejam abrangidas pelo Provimento.

É o que aconteceu no caso concreto abaixo reproduzido, no qual duas mulheres, casadas entre si, tiveram a ideia da concepção, mas realizaram “fecundação caseira”[3].

Afirmaram as requerentes que são pessoas pobres e que não conseguiriam pagar pela fecundação em clínica. Assim, afirmaram que fizeram a “fecundação caseira”. Previamente ao nascimento da criança, em Cartório de Notas foram lavradas escrituras declaratórias conforme aquelas previstas no provimento nº 52/CNJ. No entanto, não foi apresentada a declaração, com firma reconhecida, do diretor da clínica de reprodução, indicando a técnica adotada, o nome do(a) doador(a), seus dados clínicos e características, e o nome dos beneficiários, uma vez que, segundo declaração prestada, o método utilizado seria inseminação caseira.

A criança nasceu, foi registrada em nome da mãe biológica, porque não havia como inserir o nome da mãe diretamente no Cartório de Registro Civil e a criança não podia ficar sem o registro. Logo em seguida, a esposa da mãe biológica procurou este Cartório para solicitar a inclusão do seu nome no registro. Assim, foi encaminhada a dúvida à Juíza da Vara de Registros Públicos, nos termos seguintes:

“Exma. Sra. Juíza de Direito da Vara de Registros Públicos da Capital

Letícia Franco Maculan Assumpção, Oficial de Registro do Cartório de Registro Civil e Notas do Distrito do Barreiro, vem, respeitosamente, à presença de V.Exa. consultar sobre como deve proceder no caso concreto ora apresentado, referente a pedido de registro de criança por DUAS MULHERES, casadas entre si, quais sejam xxxxxxxxxxxxx, vide documentos das requerentes e certidão de casamento em anexo, sendo o caso de INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL CASEIRA, conforme abaixo se descreve:

2- No dia 15 de março de 2016 foi publicado o Provimento nº 52, da Corregedoria Nacional de Justiça-CNJ, regulamentando o registro de crianças concebidas por reprodução assistida por casais homo ou heteroafetivos, diretamente no Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais, mediante a apresentação dos documentos relacionados no referido Provimento, dispensando a necessidade de prévia ordem judicial.

3- Nesse admirável mundo novo da fecundação assistida, a doutrina tem demonstrado que poderão coexistir até três maternidades. A primeira maternidade é a genética e decorre da cessão do gameta feminino para a formação do embrião. A segunda é a maternidade gestacional, fundada na cedente do útero, que será parturiente. A terceira é a maternidade que advém da vontade de se tornar genitor, da ideia da concepção, correspondendo à pessoa que elaborou o projeto parental e buscou a técnica de reprodução assistida[4].

4- No presente caso, foram lavradas escrituras declaratórias conforme aquelas previstas no Provimento nº 52/CNJ. No entanto, não foi apresentada a declaração, com firma reconhecida, do diretor da clínica de reprodução, indicando a técnica adotada, o nome do(a) doador(a), seus dados clínicos e características, e o nome dos beneficiários, UMA VEZ QUE, SEGUNDO DECLARAÇÃO PRESTADA NESTE CARTÓRIO, POR ESCRITURA PÚBLICA, O MÉTODO UTILIZADO INSEMINAÇÃO CASEIRA, já que as mães são POBRES e não podiam arcar com os custos de uma clínica.

5- O Tribunal de Justiça de Santa Catarina noticia em seu site uma decisão favorável sobre o tema, disponível em https://portal.tjsc.jus.br/web/sala-de-imprensa/-/casal-homoafetivo-registra-em-seu-nome-filho-gerado-de-inseminacao-artificial-caseira, acesso em 14 jun. 2017:

Casal homoafetivo registra em seu nome filho gerado de inseminação artificial caseira
13/11/2015 16:49
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Um casal homoafetivo integrado por duas mulheres obteve decisão judicial favorável ao pleito de registrar, apenas em seus nomes, o filho gerado por meio de inseminação artificial caseira, com o auxílio de um homem que colaborou com a doação de material genético. A ação tramitou em comarca do sul do Estado que, ao final, julgou procedente o pedido para permitir o lavramento do assento registral da criança em nome das companheiras.

Inicialmente, o Ministério Público se opôs ao pleito, com indicação da necessidade de prévia destituição do poder familiar em relação ao “pai” da criança, visto que a inseminação artificial levada a cabo pelo casal não seguiu as regras de sua versão tradicional, baseada em resolução do Conselho Federal de Medicina, que veda a identificação dos doadores de material genético. A prova trazida aos autos, contudo, esclareceu que a pessoa que colaborou agiu por razões humanitárias, mas sem qualquer sentimento de afetividade.

“Ora, se um casal heterossexual gerasse um filho através de inseminação artificial e, por ocasião do nascimento, comparecesse a um cartório para registro da criança em nome da mãe biológica e em nome do marido, e não do doador, naturalmente que o registro seria prontamente feito com suporte legal no artigo 1.597 do Código Civil”, anotou o magistrado que prolatou a sentença.

Ele ainda deu outros exemplos de núcleos abrangidos pelo conceito mais moderno de família em diversos princípios da Constituição Federal, como a família monoparental e a paternidade/maternidade socioafetiva por adoção, já plenamente admitida para casais homoafetivos em inúmeros foros do país.

O juiz só demonstrou estranheza com o processo utilizado para gerar a criança, de inseminação artificial caseira, o qual admitiu desconhecer. “Não é cientificamente reconhecida, tampouco recomendada, ainda que seja realizada com intenção louvável e em face da falta de recursos”, anotou. Cabe recurso ao Tribunal de Justiça. O processo tramita em segredo de justiça.

Tendo em vista que o caso não se adequa perfeitamente à previsão constante do Provimento nº 52/CNJ, este Cartório não tem autorização para registro da criança sem que V.Exa. se manifeste favoravelmente. No entanto, esta Oficial entende que o caso é de registro em nome de ambas as mães, tendo em vista que ambas são casadas entre si e que elas tiveram a IDEIA DA CONCEPÇÃO, conforme defendem a doutrina e a jurisprudência mais atuais.

Consulto, pois, V.Exa. sobre como proceder.
Belo Horizonte, 14 de junho de 2017.
Letícia Franco Maculan Assumpção
Oficial de Registro”
A r. sentença foi proferida nos termos seguintes:
“Não vejo como acolher a pretensão de retificação do registro da criança (trata-se de retificação, visto que o registro já fora lavrado), como seria se fosse um registro novo, nessa via estreita do PROJUDI.

[…]

No caso em tela, além de estar diante de um procedimento não reconhecido pela medicina (fertilização caseira), o doador do semen é pessoa identificada, de modo que a criança gerada tem um pai biológico, sendo certo que sua destituição do pátrio poder, de forma definitiva, não pode se dar por via de escritura pública, mas através de processo judicial, com contraditório, ampla defesa e participação do Ministério Público, no qual as duas mães poderão regularizar o registro da criança, com o acréscimo dos dados da segunda mãe e seus ascendentes.”

Discordamos da r. sentença, posto que inserir o nome da esposa da mãe biológica no registro da criança não importa afastar o direito do pai biológico. Se o pai da criança quiser reconhecer a paternidade, apesar de ter assinado a escritura afirmando que tem conhecimento de que a criança não será sua filha, seu pedido será apreciado pelo Poder Judiciário. O pedido que foi apresentado ao cartório foi de reconhecimento de maternidade socioafetiva, decorrente de terem as duas mulheres, que inclusive são casadas entre si, decidido conjuntamente pela concepção de uma criança.

CONCLUSÃO

Como demonstrado, no dia 15 de março de 2016 foi publicado o Provimento nº 52, da Corregedoria Nacional de Justiça-CNJ, que representou grande avanço no que tange ao registro, diretamente nos Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais, de crianças concebidas por reprodução assistida dispensando, pois, a necessidade de autorização judicial.

A importância da medida é inequívoca, mas para os casais homoafetivos e ainda mais relevante, pois demonstra a consagração da igualdade prevista no texto constitucional e que já havia sido demonstrada pelo CNJ com a Resolução nº 175/CNJ, que autorizou os casamentos homoafetivos.

O CNJ expressamente reconheceu que a paternidade ou maternidade socioafetiva sobrepõe-se à biológica e fortaleceu ainda mais a importância do Oficial do Registro Civil, que atuará de forma independente, e do Notário, a quem caberá a lavratura dos diversos termos de autorização previstos no Provimento nº 52.

Mas há ainda diversas situações, como a do caso concreto analisado no presente artigo, que não estão abarcadas pelo Provimento. É importante que seja disciplinado o reconhecimento de paternidade ou maternidade homoparental de crianças já registradas, mediante a apresentação dos documentos cabíveis, que podem ser relacionados pelo CNJ.

Sugere-se, para pessoas do mesmo sexo que são casadas entre si ou vivam em união estável, devidamente comprovada, que seja autorizada a inclusão pelo próprio Oficial do Registro Civil do nome da pessoa que é cônjuge ou companheira da mãe ou do pai que já consta no registro, mediante pedido feito pelo casal ao Oficial para fins de reconhecimentoda paternidade ou maternidade socioafetiva.

Essa inclusão não afeta o direito do pai ou mãe que forneceu o material biológico, que poderá ser reconhecido, se for o caso, na via judicial.

REFERÊNCIAS

ASSUMPÇÃO, Letícia Franco Maculan. O Casamento Homoafetivo ainda não está garantido no Brasil: a Resolução nº 175 do CNJ não tem efeito vinculante para o Ministério Público e para os Juízes de Direito. Disponível em: www.colegioregistralmg.org.br>. Acesso em: 18 ago. 2017.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial AgRg no REsp 1413483 / RS, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, Diário de Justiça Eletrônico – DJE 13 nov. 2015.

CORREGEDORIA-NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 52. Disponível em <www.cnj.jus.br>. Acesso em 19 mar. 16.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Provimento padroniza o registro de nascimento dos filhos havidos por reprodução assistida. Disponível em: <http://www.rodrigodacunha.adv.br>. Acesso em: 20 mar. 2016.

*Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1991), pós-graduada e mestre em Direito Público. Foi Procuradora do Município de Belo Horizonte e Procuradora da Fazenda Nacional. Aprovada em concurso, desde 1º de agosto de 2007 é Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. É autora de diversos artigos na área de Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito Civil, bem como Direito Registral e Notarial, publicados em revistas jurídicas, e do livro Função Notarial e de Registro. É Diretora do CNB/MG, Presidente do Colégio Registral de Minas Gerais, Coordenadora da Pós-Graduação em Direito Notarial e Registral no CEDIN e representante do Brasil na União Internacional do Notariado Latino.

**Isabela Franco Maculan Assumpção é estudante de Direito na Universidade Federal de Minas Gerais.

[1] Para aprofundamento sobre a Resolução nº 175/CNJ, ver artigo de Letícia Franco Maculan Assumpção: “O Casamento Homoafetivo ainda não está garantido no Brasil: a Resolução nº 175 do CNJ não tem efeito vinculante para o Ministério Público e para os Juízes de Direito”, disponível em: www.colegioregistralmg.org.br.

[2]Para maiores informações sobre o procedimento para registro tardio de nascimento, deve-se ler o Provimento nº 28/CNJ. Disponível em:<http://www.cnj.jus.br/atos-normativos?documento=1730>. Acesso em: 26 jun. 2017.

[3] Segundo informação das referidas pessoas, a fecundação caseira se dá com seringa e foi feita na residência das próprias pessoas.

[4]Para aprofundamento, vide artigo: Maternidade de substituição no ordenamento jurídico brasileiro e no direito comparado. Disponível em:<http://www.ambito-juridico.com.br/>. Acesso em: 19 jan. 2017.

Fonte: CNB-CF