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A Ata Notarial e a Usucapião Extrajudicial – Considerações amadurecidas - Letícia Franco Maculan Assumpção

Em 16 de março de 2015, foi sancionado o novo Código de Processo Civil - NCPC, Lei nº 13.105/2015, que entrou em vigor após decorrido 1 (um) ano da sua publicação oficial, ou seja, no dia no dia 17 de março de 2016[1].
O NCPC deu grande realce à ata notarial, à qual dedicou uma Seção, no Capítulo XII, correspondente às provas.
Além disso, a Lei nº 13.105/2015 também inseriu, na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73), o art. 216-A, que trata da usucapião extrajudicial, procedimento para o qual a ata notarial é o primeiro e essencial requisito.
Em Minas Gerais, adotou-se a nomenclatura "usucapião extrajudicial" para se referir à usucapião processada em cartório, prevista no NCPC. O termo "usucapião ADMINISTRATIVA" entende-se restrito à forma de aquisição de propriedade através do título administrativo confeccionado pelo Município ("título de legitimação de posse") atribuído aos beneficiários em procedimento de regularização fundiária urbana de interesse social. A usucapião ADMINISTRATIVA (baseada na legitimação) tem prazo prescricional aquisitivo de 5 anos a contar do registro (posse tabular). Essa diferenciação foi também adotada no Encontro do IRIB, realizado em Aracaju, em outubro de 2015[2].
1- A ATA NOTARIAL
O Código de Processo Civil em vigor até o dia 17 de março de 2016, Lei nº 5.869/73, já reconhecia a possibilidade do uso da ata notarial como prova documental, em seu art. 364, apesar de não utilizar a nomenclatura “ata notarial":
Da Prova Documental
Subseção I - Da Força Probante dos Documentos
Art. 364. O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença. (sem grifos no original)

A Lei dos Notários e Registradores, Lei nº 8.935/94, que veio regulamentar o art. 236 da Constituição da República, foi a primeira lei brasileira que mencionou a ata notarial, em seu art. 7º, III, mas a referida lei não esclareceu os usos desse instrumento notarial:
Art. 7º Aos tabeliães de notas compete com exclusividade:
I - lavrar escrituras e procurações, públicas;
II - lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados;
III - lavrar atas notariais;
IV - reconhecer firmas;
V - autenticar cópias. (sem grifos no original)

O novo Código de Processo Civil -NCPC, Lei nº 13.105/2015, aprofundou o tratamento legislativo dado à ata notarial, dando-lhe grande realce, tendo reservado à ata uma Seção, no Capítulo XII, correspondente às provas, e esclarecendo o seguinte:
Seção III - Da Ata Notarial
Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião.
Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial. (sem grifos no original)

Observe-se a expressa menção ao arquivo eletrônico, à imagem e ao som pelo NCPC, tendo em vista a realidade tecnológica atual, bem como a questão da comunicação, que vem se dando cada vez mais por meios eletrônicos.
A Lei nº 13.105/2015, que contém o NCPC, também tratou da usucapião extrajudicial no art. 1071, que fez inserir o art. 216-A na Lei nº 6.015/73, conhecida como Lei de Registros Públicos:

Art. 1.071. O Capítulo III do Título V da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), passa a vigorar acrescida do seguinte art. 216-A:
Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com:
I - ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias. (sem grifos no original)

A ata notarial é o instrumento, dotado de fé pública e de força de prova pré-constituída, em que o tabelião, seu substituto ou escrevente, a pedido de pessoa interessada, constata fielmente os fatos, as coisas, pessoas ou situações para comprovar a sua existência ou o seu estado, definição essa constante do art. 234 do Código de Normas do Extrajudicial de Minas Gerais, Provimento nº 260 da Corregedoria-Geral de Justiça de Minas Gerais, que está totalmente de acordo com a previsão do NCPC.
No referido Código de Normas do Extrajudicial, foram exemplificados alguns objetos de atas notariais:
Parágrafo único. A ata notarial pode ter por objeto:
I – colher declaração testemunhal para fins de prova em processo administrativo ou judicial;
II – fazer constar o comparecimento, na serventia, de pessoa interessada em algo que não se tenha realizado por motivo alheio à sua vontade;
III – fazer constar a ocorrência de fatos que o tabelião de notas ou seu escrevente, diligenciando em recinto interno ou externo da serventia, respeitados os limites da circunscrição nos termos do art. 146 deste Provimento, ou em meio eletrônico, tiver percebido ou esteja percebendo com seus próprios sentidos;
IV – averiguar a notoriedade de um fato.



Considerando a força atribuída pelo NCPC à ata notarial, sua importância em processos judiciais e administrativos é inequívoca, já havendo notícia de juízes que vêm determinando a oitiva de testemunhas por meio de ata notarial, o que é extremamente útil no caso de pessoas que têm dificuldade de locomoção ou residem em local distante da sede da comarca ou mesmo no caso daquelas com saúde frágil e cujo depoimento poderia ser inviabilizado no caso de demora na fixação de data para audiência judicial.

Há diversos aspectos muito interessantes sobre o uso da ata notarial. O Superior Tribunal de Justiça - STJ já se manifestou, concluindo ser legítima a prova consubstanciada em transcrição de gravação de conversa feita por um dos interlocutores (STJ - HC 45224 / SP - T6 - SEXTA TURMA - DJe 24/02/2015). Os genitores podem gravar conversas com seu filho menor, o que já foi também reconhecido pelo STJ (STJ - REsp 1026605 / ES - T6 - SEXTA TURMA - DJe 13/06/2014), pois se trata de pessoa pela qual os genitores são responsáveis, podendo o mesmo raciocínio ser aplicado à pessoa portadora de deficiência que tenha a percepção diminuída: o curador ou aquele por ela responsável poderá gravar a conversa. Não há necessidade de a gravação ser feita na presença do tabelião, mas, estando ele presente no momento da conversa, tal fato também será atestado na ata notarial, o que lhe concederá ainda maior autoridade.

Outras atas notariais que vêm se tornando comuns são aquelas relativas a trocas de mensagens pelo facebook ou whatsapp, mensagens de texto em celular, e-mails, imagens de sites.

Outro aspecto é o poder pacificador na presença de um tabelião em reuniões conflituosas, como de condomínio, associações ou sindicatos, além da relevância da fé pública da ata notarial por ele produzida em seguida à reunião.

Mas há outras possibilidades ainda pouco exploradas: ata notarial relativa a estado do imóvel na entrega das chaves ou de obra não acabada; ata notarial para constatar abandono de um imóvel; ata notarial de constatação
de acidentes, inundações, ou, em tempo de crise, para constatar que uma empresa encerrou suas atividades, que não atende telefone e não responde e-mails, muito útil para consumidores que tenham sido lesados e que queiram imediatamente atuar.

Sobre os requisitos da ata notarial, em Minas Gerais assim determinou o Código de Normas do Extrajudicial:

Art. 235. São requisitos de conteúdo da ata notarial:
I – data e lugar de sua realização, indicando a serventia em que tenha sido lavrada;
II – nome e individualização de quem a tiver solicitado;
III – narração circunstanciada dos fatos;
IV – declaração de ter sido lida ao solicitante e, sendo o caso, às testemunhas, ou de que todos a leram;
V – assinatura do solicitante e, sendo o caso, das testemunhas, bem como do tabelião de notas, seu substituto ou escrevente, encerrando o ato.
§ 1º Aplicam-se à ata notarial as disposições do art. 156 deste Provimento, no que forem cabíveis.
§ 2º Recusando-se o solicitante a assinar a ata, será anotada a circunstância no campo destinado à sua assinatura. (sem grifos no orginal)

Na ata notarial o notário não narra o fato conforme a vontade do requerente; pelo contrário, deverá ele ser absolutamente imparcial na narração, sendo fiel ao que está presenciando, limitando-se a descrever o que captar por meio dos seus sentidos.
Atente-se para o fato de que o requerente pode deixar de assinar a ata e que isso não a torna inválida, porque a ata é na realidade um instrumento que contém o depoimento do tabelião sobre fato que ele apreendeu com seus sentidos. Assim, a circunstância de o requerente, por não ter ficado satisfeito com o resultado da ata ou por qualquer outro motivo, deixar de assiná-la, não é relevante para o referido ato.
Assim, a principal distinção entre a escritura pública em sentido estrito e a ata notarial[3] está na existência ou não de manifestação de vontade a ser captada das partes e moldada juridicamente pelo notário. Na escritura em sentido estrito, o tabelião recebe a manifestação de vontade das partes e a qualifica juridicamente, assessorando as partes, orientando-as quanto ao melhor instrumento para alcançar o seu objetivo e redige a escritura conforme a sua vontade das partes, que, assinando-a, acolhem o texto, que se torna seu. Por isso a falta de assinatura na escritura pública leva ao seu cancelamento, que, em Minas Gerais, ocorre após decorrido o prazo de 7 (sete) dias úteis.
Já na ata notarial não há manifestação de vontade das partes, há apenas o requerimento de uma pessoa no sentido de que seja lavrada uma ata notarial, na qual o tabelião tão somente narrará um fato presenciado e apreendido pelos seus sentidos, sem qualificação jurídica do fato, sem moldá-lo juridicamente.
Os atos notariais e de registro devem ser cobrados anteriormente à sua prática, no momento da sua solicitação, conforme previsão do art. 2º, § 1º[4], da Lei Mineira nº 15.424/2004, o que é salutar principalmente no caso da ata notarial, para que não haja risco de ser realizado o trabalho e de não serem recebidos os emolumentos, pois nem sempre o resultado será aquele que a pessoa imaginava, já que o tabelião relatará o que efetivamente tiver ocorrido.
2- A ATA NOTARIAL PARA FINS DE USUCAPIÃO
O art. 216-A da Lei nº 6.015/73, Lei de Registros Públicos, assim determina:
Art. 1.071. O Capítulo III do Título V da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), passa a vigorar acrescida do seguinte art. 216-A:
Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com:
I - ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias. (sem grifos no original)

2-1- Esclarecimentos necessários ao interessado na usucapião extrajudicial

A primeira questão é verificar se há posse que gera usucapião. E, para tanto, antes de lavrar a ata, deve haver uma conversa do tabelião com o interessado, que contará a sua história.

Parece absurdo, mas já houve situação em que um locatário, em dia com a locação, sendo que já vinha alugando o mesmo imóvel há mais de 20 (vinte) anos, veio indagar se teria direito à usucapião. As pessoas são leigas, assim, o primeiro passo deve ser procurar um tabelião, apenas para receber orientação.

Nessa primeira conversa, o tabelião deve esclarecer sobre: objeto da usucapião; tipo de posse que gera usucapião; causas que suspendem ou interrompem a usucapião; tempo de posse de acordo com o tipo de usucapião.

É preciso identificar o tipo de usucapião é adequado à situação e verificar se a posse é justa, pois somente essa posse justa é apta a concretizar a usucapião. O art. 1.200 do Código Civil prescreve que: "É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária."

Deve-se lembrar de que não há posse se houver clandestindade ou precariedade: "Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade."

Também deve ser considerado que, nos termos do art. 1.244 do CC, as causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição também se aplicam à usucapião[5].

O tabelião deve estudar todas as hipóteses legais de usucapião para verificar se estão presentes os respectivos requisitos:


2.2- Esclarecimentos importantes sobre o objeto da usucapião

Somente o bem imóvel privado está sujeito a usucapião, o bem imóvel público não está, mas o fato de não haver registro não implica que o imóvel seja público, o ente público deverá demonstrar que o imóvel é seu[6].

Outros direitos reais também são adquiridos por usucapião: usufruto, uso, habitação, servidão.
Bem de sociedade de economia mista pode ser objeto de usucapião. Os bens de empresas públicas também podem[7]. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de que os imóveis financiados com recursos do Sistema Financeiro da Habitação não estão sujeitos à aquisição originária pela usucapião urbana especial (REsp 1.221.243/PR, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, DJe 10/3/2014), entendimento que não parece ser o melhor.
O Dr. Marcelo de Rezende Campos Marinho Couto, Oficial de Registro de Imóveis em Minas Gerais, defende que a usucapião leva à aquisição da propriedade, mas a propriedade deve ser transferida com os ônus existentes no registro, sendo que os ônus poderão ser objeto de discussão judicial para posterior cancelamento. Parece estranho, mas esse entendimento facilita a usucapião, ao evitar a exclusão de situações fáticas em que haja ônus registrado. A tese do Dr. Marcelo Couto resolve o problema da usucapião do imóvel financiado pelo Sistema Financeiro de Habitação SFH, posto que somente a propriedade seria transferida, o SFH não seria lesado.
A questão do bem alienado fiduciariamente também teve a mesma solução pelo STJ: foi vedada a usucapião[8]. Mas também aqui a aplicação da tese do Dr. Marcelo Couto resolveria a questão e não obstaria a aquisição do bem pela usucapião, sendo que ele seria transferido com os ônus, ou seja, com a alienação fiduciária.
A Corregedoria-Geral de Justiça de MG acolheu a tese do Dr. Marcelo Couto, tendo restado determinado no Código de Normas que: "A existência de ônus real ou de gravame na matrícula do imóvel usucapiendo não impede o reconhecimento extrajudicial de usucapião, hipótese em que o título de propriedade será registrado respeitando-se aqueles direitos, ressalvada a hipótese de cancelamento mediante anuência expressa do respectivo titular."
Sobre a posse de bem em comunhão ou condomínio, inclusive área comum em condomínio edilício, em regra não gera usucapião. A exceção ocorre no caso de abandono do lar ou de comprovação da cessação da composse, quando a posse gerará usucapião[9].
2.3- Cabe ao tabelião "atestar o tempo de posse"
Em que consiste "atestar o tempo de posse"? A lei não esclareceu, mas a interpretação da norma deve ser feita no sentido de gerar segurança jurídica para o ato. Assim, o verbo "atestar" deve ser lido no sentido de "comprovar" e, para comprovar, não basta mera declaração feita pelo requerente. Há que ser apresentada prova da posse (contas de IPTU, água, luz, telefone, cartões de crédito, cartas, avisos de corte de árvores, de interrupção de luz, fotografias da pessoa na casa, entre outros), que será analisada pelo tabelião e reproduzida na ata. Importante também que seja tomado o depoimento dos confrontantes, sendo possível, ou, não o sendo, de outras pessoas que tenham conhecimento da posse por tê-la presenciado ao longo dos anos.
A ata notarial de constatação da posse por meio de diligência do tabelião ou de seu preposto com poderes (substituto ou escrevente) também é muito relevante, apesar de não ser essencial, conforme previsão do Código de Normas do Extrajudicial de Minas Gerais.
Sobre a diligência do tabelião ou seu preposto (substituto ou escrevente) para verificar a ocupação da área objeto de usucapião, os registradores de imóveis de Minas Gerais manifestaram-se no sentido de que a diligência é muito relevante para dar segurança jurídica ao ato, mas a CGJ/MG entendeu não ser obrigatória. Importante ressaltar que tal DILIGÊNCIA somente pode ser realizada por Tabelião do Município onde está localizada a área, posto que, nos termos do art. 9º da Lei nº 8.935/94 o tabelião de notas não pode praticar atos fora do Município para o qual recebeu a delegação.
Lei 8.935/94 - Art. 9º O tabelião de notas não poderá praticar atos de seu ofício fora do Município para o qual recebeu delegação.
A diligência é cobrada em separado, dependendo seu valor daquele atribuído pela tabela respectiva do Estado, objeto da lei estadual específica. Esclareça-se que, além do pagamento pela diligência, deverão ser restituídos os gastos com transporte e alimentação, tendo em visto a distância a ser percorrida e o tempo necessário para tanto. Sendo preciso mais de um dia de trabalho, também as despesas com estadia devem ser restituídas. A fim de evitar problemas, recomenda-se que tanto as despesas com emolumentos e taxa de fiscalização judiciária quanto a estimativa de despesas com transporte, alimentação e estadia sejam cobradas antecipadamente, sendo feitos os acertos necessários após a lavratura da ata.

3- A ATA NOTARIAL PARA FINS DE USUCAPIÃO TEM CONTEÚDO FINANCEIRO, MAS EM MINAS A CGJ/MG NÃO AUTORIZOU ESSA COBRANÇA
No caso da usucapião, judicial ou extrajudicial, para que a ata notarial seja realmente um instrumento de importância, não deve ser uma simples declaração tomada do interessado, mas sim um documento o mais completo possível e que permita a concretização rápida e com segurança jurídica da usucapião. No entanto, em Minas Gerais, tendo em vista a redação atual da lei de emolumentos, Lei Estadual nº 15.424/2004, a Corregedoria-Geral de Justiça entendeu que devem ser aplicados os valores correspondentes à ata notarial comum, já prevista anteriormente na mencionada lei de emolumentos, sendo feitas tantas atas notariais quantas forem solicitadas pelo interessado, para melhor demonstrar a posse.
Interessante observar que a Lei de Emolumentos na Bahia é muito similar à mineira, mas que a Corregedoria da Bahia, ao contrário da posição adotada em Minas, reconheceu que a ata notarial é um tipo de escritura e que possui conteúdo financeiro, conforme previsão constante da Lei Federal nº 10.169/2000, e determinou, por meio do Provimento Conjunto n.º CGJ/CCI 04/2016, mesmo sem alteração legislativa, que fossem cobrados emolumentos referentes às escrituras com valor econômico nas atas notariais para fins de usucapião :
Art. 1418 - “§2º. A ata notarial para fins de reconhecimento extrajudicial da usucapião será lavrada por tabelião de notas, de livre escolha da parte, nos termos do art. 8° da Lei n. 8.935/1994.
[...]
§ 5º. A ata notarial, para fins de usucapião, possui valor econômico, fixando-se os emolumentos a partir do valor do imóvel. (sem grifos no original)

No Congresso do CNB 2015, no qual foram comemorados os 450 anos do Notariado no Brasil, foi publicado o ENUNCIADO CNB 2015 nº 8, com o seguinte conteúdo: A ata notarial para fins de usucapião tem conteúdo econômico.
Obviamente a ata notarial tem conteúdo financeiro, posto que é REQUISITO ESSENCIAL, previsto em lei, para a aquisição da propriedade por meio da usucapião extrajudicial.
3.1 - Consequências da afirmação de que a ata notarial para usucapião tem conteúdo financeiro
Qual a conseqüência da afirmação de que a ata notarial para fins de usucapião tem conteúdo financeiro?
Para melhor compreender a questão, é necessário analisar a Lei Federal 10.169/2000, que regula o § 2o do art. 236 da Constituição Federal, mediante o estabelecimento de normas gerais para a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
Determina a referida Lei Federal, no que interessa ao presente estudo:
Art. 1o Os Estados e o Distrito Federal fixarão o valor dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos respectivos serviços notariais e de registro, observadas as normas desta Lei.
Parágrafo único. O valor fixado para os emolumentos deverá corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados.
Art. 2o Para a fixação do valor dos emolumentos, a Lei dos Estados e do Distrito Federal levará em conta a natureza pública e o caráter social dos serviços notariais e de registro, atendidas ainda as seguintes regras:
I – os valores dos emolumentos constarão de tabelas e serão expressos em moeda corrente do País;
II – os atos comuns aos vários tipos de serviços notariais e de registro serão remunerados por emolumentos específicos, fixados para cada espécie de ato;
III – os atos específicos de cada serviço serão classificados em:
a) atos relativos a situações jurídicas, sem conteúdo financeiro, cujos emolumentos atenderão às peculiaridades socioeconômicas de cada região;
b) atos relativos a situações jurídicas, com conteúdo financeiro, cujos emolumentos serão fixados mediante a observância de faixas que estabeleçam valores mínimos e máximos, nas quais enquadrar-se-á o valor constante do documento apresentado aos serviços notariais e de registro.
Parágrafo único. Nos casos em que, por força de lei, devam ser utilizados valores decorrentes de avaliação judicial ou fiscal, estes serão os valores considerados para os fins do disposto na alínea b do inciso III deste artigo. (sem grifos no original)


Logo, ao interpretar a legislação estadual referente aos emolumentos, deverão ser observadas as normas acima reproduzidas, pois são NORMAS GERAIS FEDERAIS, que fundamentam todas as leis de emolumentos dos Estados-membros.

E a Lei Federal nº 10.169/2000 estabeleceu critérios para a fixação dos emolumentos, determinando, de forma expressa, que os atos relativos a situações jurídicas sem conteúdo financeiro terão valores fixos e os atos relativos a situações jurídicas com conteúdo financeiro serão fixados mediante a observância de faixas de valor.

Vejamos, pois, o que determina a Lei Estadual de MG nº 15.424/2004, que fixa os emolumentos no Estado de Minas Gerais:

TABELA 1 (R$)
ATOS DO TABELIÃO DE NOTAS Emolumentos Taxa de Fiscalização Judiciária Valor Final ao
Usuário
2 - Ata notarial 86,42 27,17 113,59
[...]
4 - Escritura pública (completa, compreendendo certificação ou transcrição de documentos e primeiro traslado):
a) relativa a situação jurídica sem conteúdo financeiro 28,84 9,07 37,91
b) relativa a situação jurídica com conteúdo financeiro:
Até 1.400,00
de 1.400,01 até 2.720,00
de 2.720,01 até 5.440,00
de 5.440,01 até 7.000,00
de 7.000,01 até 14.000,00
de 14.000,01 até 28.000,00
de 28.000,01 até 42.000,00
de 42.000,01 até 56.000,00
de 56.000,01 até 70.000,00
de 70.000,01 até 105.000,00
de 105.000,01 até 210.000,00
de 210.000,01 até 420.000,00
de 420.000,01 até 840.000,00
de 840.000,01 até 1.680.000,00
de 1.680.000,01 até 3.200.000,00
acima de 3.200.000,00




Ora, como a ata notarial prevista na legislação mineira é em valor fixo, há que se compreender, tendo em vista a determinação da lei federal, que aquela ata notarial é a SEM CONTEÚDO FINANCEIRO.

E como se cobra a ata com conteúdo financeiro? Da mesma forma que se cobram todas as escrituras com conteúdo financeiro.

A Lei de Emolumentos de MG utilizou o mesmo conceito de escritura pública que consta do Código Civil:

Art. 215. A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena.


Assim, o Código Civil considera “escritura pública” aquela que é lavrada em notas de tabelião, sendo dotada de fé pública, fazendo prova plena. Trata-se de um conceito de escritura em sentido amplo.

Também na lei mineira a palavra “escritura” foi usada em sentido amplo, como gênero, da qual são espécies: a procuração, a ata notarial sem conteúdo financeiro, a escritura sem conteúdo financeiro e a escritura pública com conteúdo financeiro (que engloba tanto a ata notarial com conteúdo financeiro quanto as escrituras públicas em sentido estrito – ou seja, os negócios jurídicos).

O Código de Normas de Minas Gerais (Provimento nº 260/CGJ-MG) deixa ainda mais claro que a ata notarial para usucapião está compreendida no conceito de escritura pública com conteúdo financeiro, pois assim dispõe:

CAPÍTULO II
DAS ESCRITURAS PÚBLICAS
Art. 155. A escritura pública é o instrumento público notarial dotado de fé pública e força probante plena, em que são acolhidas declarações sobre atos jurídicos ou declarações de vontade inerentes a negócios jurídicos para as quais os participantes devam ou queiram dar essa forma legal.
§ 1º As escrituras públicas podem referir-se a situações jurídicas com ou sem conteúdo financeiro.

§ 2º Consideram-se escrituras públicas relativas a situações jurídicas com conteúdo financeiro aquelas cujo objeto tenha repercussão econômica central e imediata, materializando ou sendo parte de negócio jurídico com relevância patrimonial ou econômica, como a transmissão, a aquisição de bens, direitos e valores, a constituição de direitos reais sobre eles ou a sua divisão. (sem grifos no original)


Assim, como se cobra a ata com conteúdo financeiro? Da mesma forma que se cobram todas as escrituras com conteúdo financeiro, ou seja, aplicando-se o item 4, b, da Tabela 1.

E tal conclusão também corresponde à determinação do parágrafo único do art. 1º da Lei Federal nº 10.169/2000, pois o valor fixado para os emolumentos deverá corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados.

A ata notarial para fins de usucapião será tão trabalhosa quanto qualquer outra escritura relativa a situação jurídica com conteúdo financeiro, já que deverá incluir o depoimento pessoal do requerente sobre o tempo de sua posse e de seus antecessores; o depoimento, se possível, dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes; o depoimento, se possível, de todos os confrontantes da gleba a localizar, condôminos ou não; a descrição da ocupação após diligência do tabelião ou de seu preposto[10], se houver solicitação respectiva; a menção ao justo título ou a quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel; a menção à planta e memorial descritivo mencionados no inciso II do art. 216-A; a menção às certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente; devendo permanecer arquivados no Tabelionato cópias simples de todos os documentos originais que instruirão a ata, que será juntada ao processo administrativo de usucapião.

Nesse sentido o ENUNCIADO CNB – 2015 nº 7: A ata notarial para fins de usucapião extrajudicial, prevista no inciso I do artigo 216-A do Código de Processo Civil, deve conter todas as informações e constatações possíveis para comprovar a existência da posse.

Como a posição da CGJ/MG tornou inviável em Minas Gerais a aplicação desse enunciado, sugere-se que sejam feitas tantas atas quanto se identificar necessárias, conforme solicitação do interessado, mas sem deixar de contemplar a segurança jurídica.
Mas, uma vez que a tabela de emolumentos seja alterada, prevendo a ata para fins de usucapião dentre as escrituras com conteúdo financeiro, a ata notarial deverá ser completa: incluir o depoimento pessoal do requerente sobre o tempo de sua posse e de seus antecessores; o depoimento, se possível, dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes; o depoimento, se possível, de todos os confrontantes da gleba a localizar, condôminos ou não; a descrição da ocupação após diligência do tabelião ou de seu preposto, se houver solicitação respectiva; a menção ao justo título ou a quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel; a menção à planta e memorial descritivo mencionados no inciso II do art. 216-A; a menção às certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente; devendo permanecer arquivados no Tabelionato cópias simples de todos os documentos originais que instruirão a ata, que será juntada à inicial da ação judicial ou ao processo administrativo de usucapião.
4- Perguntas e respostas sobre o procedimento da usucapião extrajudicial
4.1) Sobre o requisito constante do inciso II:
II - planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes

Pergunta: no caso de falecimento do titular registral, como colher a concordância dos “titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes”?

Em caso falecimento, o inventariante é o legitimado a assinar. Caso não haja inventariante nomeado, todos os herdeiros deverão assinar, conforme Código de Normas do Extrajudicial de Minas Gerais (Provimento nº 260/CGJ-MG):
4.2) Sobre o § 2º:
§ 2o Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em 15 (quinze) dias, interpretado o seu silêncio como discordância.

4.2.1- Pergunta: Quem deve ser considerado confrontante?

É confrontante:

  1. o titular de interesse jurídico com densidade suficiente para repercutir no imóvel usucapiendo, que é aquele confrontante que é titular de direito real sobre o imóvel usucapiendo (ex: hipoteca, servidão) – NESSE CASO NECESSÁRIA A ANUÊNCIA EXPRESSA, POIS O SILÊNCIO GERA PRESUNÇÃO DE DISCORDÂNCIA;

  1. aquele que tem interesse jurídico quanto à delimitação das divisas – NESSE CASO, NA FALTA DE MANIFESTAÇÃO NO PRAZO LEGAL, PRESUME-SE A ANUÊNCIA – nesse caso, o confrontante que será:

b.1) o proprietário do imóvel confrontante e;
b.2) o possuidor do imóvel confrontante.
É também o que consta do Código de Normas do Extrajudicial de Minas Gerais:
Art. 797. Entendem-se como confrontantes os proprietários ou os ocupantes dos imóveis contíguos.

4.2.2 – Pergunta: O confrontante sempre deve ser notificado para se manifestar?

Se o confrontante não tiver assinado a planta, os memoriais ou a ata notarial, sim, a NOTIFICAÇÃO é sempre necessária e deve seguir o que já está previsto quanto à notificação no Código de Normas do Extrajudicial de Minas Gerais:

Art. 798. Na manifestação de anuência, ou para efeito de notificação:
I – o condomínio geral, de que tratam os arts. 1.314 e seguintes do Código Civil, será representado por qualquer dos condôminos;
II – o condomínio edilício, de que tratam os arts. 1.331 e seguintes do Código Civil, será representado pelo síndico ou pela comissão de representantes;
III – sendo os proprietários ou os ocupantes dos imóveis contíguos casados entre si e incidindo sobre o imóvel comunhão ou composse, bastará a manifestação de anuência ou a notificação de um dos cônjuges;
IV – a União, o Estado, o Município, suas autarquias e fundações poderão ser notificadas por intermédio de sua Advocacia-Geral ou Procuradoria que tiver atribuição para receber citação em ação judicial.

[...]

Art. 802. A notificação poderá ser cumprida no endereço do confrontante constante do Ofício de Registro de Imóveis, no próprio imóvel contíguo ou naquele fornecido pelo requerente.

Art. 803. Não sendo encontrado o confrontante nos endereços mencionados no parágrafo anterior, ou estando em lugar incerto e não sabido, tal fato será certificado pelo oficial de registro encarregado da diligência, promovendo-se a notificação do confrontante mediante edital publicado por 2 (duas) vezes em jornal local de grande circulação, com intervalo inferior a 15 (quinze) dias, para que se manifeste nos 15 (quinze) dias subsequentes à última publicação, devendo o edital conter os nomes dos destinatários e, resumidamente, a finalidade da retificação.

Art. 804. Esgotados os meios disponíveis para a notificação pessoal de todos os confinantes, bem como na impossibilidade material de suas identificações, a exemplo de áreas extensas com alto número de confinantes, ocupações irregulares, invasões, assentamentos, etc., o proprietário e o profissional habilitado assim o declararão, sob responsabilidade civil e penal, podendo, nessa hipótese, ser a intimação efetuada por edital, conforme previsto no parágrafo anterior, e preservada, em qualquer caso, a impugnação por qualquer dos ocupantes que demonstre essa condição.

4.2.3 - Pergunta: O silêncio do proprietário ou do confrontante sempre gera discordância?

Não. O silêncio importar discordância vai de encontro a tudo que se tem hoje no Direito, seja no âmbito judicial, seja no extrajudicial, como, por exemplo, nas retificações previstas no art. 213 e seguintes da Lei 6.015 (§3º, § 4º e § 5º). Como se trata de exceção, deve ser interpretada restritivamente, logo, somente nas hipóteses expressamente previstas no art. 216-A, § 2º a falta de manifestação será interpretada como discordância. E deve ser observado que, no final do procedimento, se só esse for o obstáculo para a usucapião, poderá ser suprido pelo juiz, por meio de citação do proprietário anterior, pessoalmente ou por edital, e para a citação judicial não há presunção de discordância no silêncio.

4.2.4 - Pergunta: O silêncio somente importa discordância na hipótese de o imóvel usucapiendo ou confrontante estar matriculado ou possuir transcrição?

Sim, o §2º trata expressamente de imóvel matriculado, mas se aplica também no caso de haver transcrição.
Mas, se o imóvel usucapiendo ou confrontante não possuir matrícula nem transcrição, ou quando não for possível localizá-las, deve ser aplicada a regra geral da notificação, ou seja, a presunção da anuência no caso de falta de manifestação (§3º, § 4º e § 5º do art. 213 da Lei nº 6015/73).

4.2.5 - Pergunta: Quanto aos confrontantes, no caso de imóvel matriculado ou objeto de transcrição, a interpretação do silêncio como discordância se aplica em qualquer situação?

Pela redação do Código de Normas de MG, sim, o silêncio interpreta-se como discordância. Mas também aqui deve ser observado que, , no final do procedimento, se só esse for o obstáculo para a usucapião, poderá ser suprido pelo juiz, por meio de citação do confrontante, pessoalmente ou por edital, e para a citação judicial não há presunção de discordância no silêncio.

4.2.6 - Pergunta: No caso do § 2º, havendo hipótese em que o silêncio importe em discordância, qual será a consequência?


Uma posição mais assertiva é no sentido de que, ocorrendo hipótese em que o silêncio importe em discordância, essa discordância equivale à impugnação do §10. Assim, nesse caso, o procedimento deve ser encaminhado ao juízo competente pelo Oficial de Registro de Imóveis (“uma dúvida de ofício”). A VANTAGEM é que não fica esvaziada a participação do Registrador no procedimento: a situação registral e identificação do imóvel já vão saneadas para o Juízo, que julgará a dúvida. A solução está mais alinhada com o objetivo da usucapião extrajudicial.
4.3) Sobre o § 3º:
§ 3o O oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município, pessoalmente, por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos, ou pelo correio com aviso de recebimento, para que se manifestem, em 15 (quinze) dias, sobre o pedido.

4.3.1 - Pergunta: No caso do § 3º, é obrigatória a manifestação expressa do ente público ou se trata de mera notificação para ciência?

A notificação do ente público deve observar se há órgãos (municipais ou estaduais) com atribuições específicas: o órgão de gestão patrimonial e a administração fazendária.
No que tange à notificação do ente público sobre eventual interesse no procedimento de usucapião extrajudicial: a falta de manifestação do órgão de gestão patrimonial no prazo legal é vista como anuência tácita ao pedido de usucapião. Não há previsão legal de que o silêncio dos entes públicos importe discordância.
PARA CGJ: manifestação do ente púbico, inclusive sobre a incidência ou não de imposto de transmissão NÃO IMPEDE O CURSO DO PROCESSO. A inércia dos órgãos públicos à notificação de que trata este artigo não impede o regular andamento do procedimento e eventual reconhecimento extrajudicial de usucapião.Os órgãos públicos poderão informar, inclusive por meio do CORI-MG, o endereço físico para recebimento das notificações ou, então, solicitar sejam notificados por meio da Central Eletrônica de Registro de Imóveis do Estado de Minas Gerais - CRI-MG, possibilitando o célere e correto direcionamento dos expedientes, o que será sempre verificado pelos oficiais de registro de imóveis antes da expedição das notificações.
A manifestação, assim, seria necessária somente quando a usucapião constasse expressamente como hipótese de incidência / fato gerador. Não se cria hipótese de incidência por analogia. Entretanto, sempre é possível, por cautela, solicitar a manifestação. Sobre o tema, a atual posição do STF é a constante do julgamento do Recurso Extraordinário nº 9.056, posição que, antes da CF alcançara ratificação em outro Recurso Extraordinário de nº 94.580, Relator o Ministro Djaci Falcão:

“Imposto de transmissão de imóveis. Alcance das regras dos arts. 23, inc. I, da Constituição Federal e 35 do código tributário nacional. Usucapião. A ocupação qualificada e continuada que gera a usucapião não importa em transmissão da propriedade do bem. A legislação tributária é vedada “alterar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos, conceitos e formas de direito privado” (art. 110 do CTN). Registro da sentença de usucapião sem pagamento do imposto de transmissão. Recurso provido, declarando-se inconstitucional a letra 'h', do inc. I, do art. 1º, da Lei n. 5.384, de 27.12.66, do estado de Rio Grande do Sul.”

No entanto, é importante destacar que, nas hipóteses em que há justo título que fundamentou a usucapião, a referida cessão de direitos também pode estar abrangida, conforme a lei municipal ou estadual fato gerador de imposto e cabe ao ente tributante se manifestar sobre a incidência ou não do imposto.

4.3.2 - Pergunta: Se o imóvel usucapiendo confrontar com imóvel público (de uso comum do povo, de uso especial ou dominicais), o ente público estará na categoria de confrontante?

Sim, mas deverá ser exigido que conste expressamente da planta e do memorial descritivo o espaço destinado à rua, à faixa de domínio (no caso de estradas), ou a outras hipóteses de imóveis públicos, devendo ser observado o disposto no art. 801 do Código de Normas, ou seja, se não houver invasão da área pública, o ente público não precisa se manifestar.
Em caso de rodovias, as faixas de domínio obrigatoriamente deverão ser demonstradas na planta e no memorial e não podem ser incluídas na descrição do imóvel usucapiendo. Neste caso, não é necessária anuência do ente público como confrontante.
Código de Normas do Extrajudicial de Minas Gerais:

Art. 801. A manifestação de anuência ou a notificação do município será desnecessária quando o imóvel urbano estiver voltado somente para a rua ou avenida oficial e a retificação não importar em aumento de área ou de medida perimetral ou em alteração da configuração física do imóvel que possam fazê-lo avançar sobre o bem municipal de uso comum do povo.

4.3.3 – Pergunta: O § 7º permite expressamente a dúvida. No processo de dúvida o juiz poderia decidir sobre a superação da "presunção de discordância"?

O melhor caminho seria a solução administrativa da questão, sendo que o Registrador deveria suscitar a dúvida de ofício para superar a presunção de discordância (em Belo Horizonte o juiz competente para dúvida e para usucapião é o mesmo) para que o juiz pudesse decidir de forma administrativa a questão. Somente se o Juiz verificasse alta complexidade no caso a ele apresentado, encaminharia o processo para as vias ordinárias.
Sugere-se que o registrador encaminhe ao juiz TODAS as questões não satisfeitas pelo interessado, de uma única vez, ao final do processo extrajudicial, da mesma forma como vem sendo feito normalmente em procedimentos de dúvida. Assim, caberia a dúvida apenas da decisão final do registrador, e não de cada uma das "interlocutórias", sob pena de o processo extrajudicial demorar mais tempo que a usucapião judicial. .

5. OUTRAS QUESTÕES RELEVANTES - Tese do Registrador de Imóveis, Dr. Marcelo Couto: A usucapião extrajudicial pode ser forma de aquisição DERIVADA em alguns casos, pois exige a concordância do proprietário => SE É DERIVADA, ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS LÓGICAS: Entendeu-se plausível a tese, principalmente na usucapião fundamentada em justo título.

5.1) CABE À LEI DETERMINAR SE HÁ OU NÃO PAGAMENTO DE IMPOSTO DE TRANSMISSÃO (ITBI/ITCD)


Hoje na usucapião judicial não há incidência de ITBI ou ITCD. Nem o Juiz nem o Registrador exigem o recolhimento de ditos impostos. O fato de criar o procedimento de usucapião extrajudicial não pode mudar, por si só, as hipóteses de incidência, mas A INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DEVERÁ SER OBJETO DE ANÁLISE PELA SEF OU SECRETARIA MUNICIPAL DA FAZENDA, com fundamento na legislação local, que deve ser expressa, pois não é cabível uso da analogia para exigir tributos.

Logo, HAVENDO PREVISÃO LEGAL SOBRE A INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA NO CASO DA USUCAPIÃO, deverá haver remessa à Fazenda Estadual e Municipal para que se manifestem (mesmo porque tanto o ITCD quanto o ITBI, segundo previsão constitucional, incidem também sobre transmissão de direitos).

Tal questão é importante que seja esclarecida pelo ente tributante principalmente quando há usucapião fundamentada em justo título, pois a cessão, pela CF/88, também é fato gerador de ITBI ou ITCD.
CF, art. 156, II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição. Logo, o problema dos DIREITOS existe tanto no ITCD quanto no ITBI
Assim, nas hipóteses em que há justo título que fundamentou a usucapião, a referida cessão de direitos também é fato gerador de imposto e o ente tributante deve se manifestar sobre a incidência ou não do imposto.

6. UTILIZAÇÃO DA ATA NOTARIAL COMO MEIO DE PROVA TAMBÉM DA USUCAPIÃO JUDICIAL – ENVIAR ANTES PARA O RI E O RI ENVIA PENDÊNCIAS PARA O JUDICIAL – é importante a manifestação do Registrador de Imóveis, mesmo que posteriormente venha a ser constatado que não se trata de hipótese de uso da usucapião extrajudicial, pelos motivos já expostos no item 1.3.6.

O valor do imóvel a ser considerado para fins de lançamento na tabela pode ser aquele que consta do IPTU,