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DA INCONVENIÊNCIA E IMPROPRIEDADE DA EXIGÊNCIA DE NEGATIVAS FORENSES PARA A USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL, por Luiz Juarez Nogueira de Azevedo

O recém-vigente artigo 216-A, inserido na Lei dos Registros Públicos através do art. 1.071 do novo Código de Processo Civil, estabelece como requisito para ser promovido o registro da usucapião perante o Registro de Imóveis a apresentação de “certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel do domicilio do requerente” (inc. III). Não esclarece se tais certidões devem se referir à pessoa do requerente ou ao imóvel usucapiendo. Não as limita, permitindo supor que devam ser não somente as certidões do Foro cível, mas também as criminais, trabalhistas, eleitorais, da Justiça Federal, da Militar e da Justiça do Trabalho.
Assim, o dispositivo em tela na verdade exige que o pretendente à usucapião se apresente com “ficha limpa”, absolutamente limpa. A norma, extremamente draconiana, em última análise quer que, para pleitear a simples declaração de usucapião na via extrajudicial será preciso que o cidadão não tenha assentamentos positivos em nenhum dos cadastros judiciais dos locais do seu domicílio e da situação do imóvel, se forem diferentes.
De nenhum modo se compreende o motivo da inserção dessa exigência para o processamento da usucapião extrajudicial. Se mantida, ela poderá inviabilizar a imensa maioria dos processos e frustrar os objetivos da nova legislação. Será muito difícil que alguém, em tempos como este, de intensa judicialização da vida social no Brasil, possa se apresentar absolutamente indene de demandas.
Sem falar em sua possível inconstitucionalidade, a regra do inciso III ostenta nítida contrariedade ao sistema de direito material, integrado por princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais, que estrutura o direito à usucapião. O artigo 1.238, e os demais, contidos no Código Civil e na legislação extravagante, que cuidam das diferentes modalidades de usucapião em nenhuma passagem a condicionam à prévia apresentação de certidões negativas forenses. Tampouco os artigos 183 e 191 da Constituição, ao regular o direito à usucapião constitucional urbana e rural, exigem dos usucapientes quaisquer certidões forenses. Por isso, por ser meramente instrumental, regra de simples procedimento, o inciso III do novo art. 216-A, da LRP, não pode operar como obstáculo ao exercício do direito subjetivo à usucapião, garantido por diferentes legislações de direito material como o Código Civil, a Constituição Federal e leis especiais.
Até onde se pode compreender, a exigência das certidões negativas poderia se justificar pelo intuito de evitar abusos ou fraudes em requerimentos de usucapião extrajudicial, que poderiam ser facilitadas pela ausência de contraditório e fiscalização do Ministério Público da contraparte e do Ministério Público, quando atuam nos processos judiciais. Esqueceu-se, porém, o legislador que o próprio art. 246-A e seus incisos, pelo modo como são articulados, estabelecem mecanismos de proteção contra as fraudes. Esses mecanismos revelam-se principalmente pela presunção de discordância quando não exista a concordância dos titulares de direitos inscritos na matrícula do imóvel e daqueles que com ele confinam e pela ampla publicidade do processo, que permitirá o seu questionamento por quaisquer interessados, pelo Poder Público e por terceiros.
Nesse ponto não foi feliz o legislador. O texto correspondente está a causar perplexidade aos aplicadores por deixar de definir a natureza das certidões (se cíveis, criminais, trabalhistas ou outras), alcance, finalidade e efeitos. E, o que é pior, a imposição da apresentação das negativas desconsidera o direito subjetivo do titular de utilizar a via que quiser — no caso, a administrativa, que deveria ser a mais rápida e eficaz — para ter reconhecida e garantida a aquisição do direito de propriedade, frustrando o objetivo maior do novo instituto: reduzir o fluxo de demandas perante o Judiciário.
Admite-se que as certidões forenses teriam algum préstimo se fossem limitadas ao foro cível e se também pudessem ser admitidas quando positivas. Com elas, negativas ou positivas, o registrador, ao exercer seu poder de deliberação qualificadora, contaria com elementos eficazes para poder aquilatar a situação do imóvel, sob o ponto de vista da segurança jurídica; e também, no que pudesse influir, tomar conhecimento de demandas que pudessem interferir na condição jurídica do usucapiente sob os aspectos de sua capacidade civil e tendo em vista outros tipos de relações jurídicas no âmbito dos Direitos de Família, Sucessões e Obrigações.
O que se pode concluir é que a exigência pura e simples da certidão negativa, nos moldes em que foi posta na nova Lei, por si só, além de não apresentar qualquer vantagem ou praticidade, é antijurídica, inconveniente e inútil. A nova legislação, no ponto, há que ser reformulada com urgência.

23/08/2016