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Cessão de direitos hereditários e o parágrafo primeiro do art. 1.793 do CC. - José Roberto Teixeira de Oliveira

No cotidiano notarial é muito comum o negócio jurídico de cessão de direitos, ou de quinhão, hereditários. Trata-se de um procedimento que encurta o caminho para o registro imobiliário ou outros registros e cadastros determinados legalmente, bem como diminui custos aos herdeiros ou legatários que decidam pela venda de seus direitos ou quinhão, já que ficam desobrigados de anteriormente registrar sua propriedade nos Órgãos competentes. A cessão, logicamente, deve dar-se antes de o herdeiro ou legatário receber oficialmente o respectivo título de propriedade, seja ele um formal de partilha ou uma escritura pública de inventário extrajudicial. Efetivada a cessão, subroga-se no direito de receber o referido título final, o cessionário que adquire legalmente os direitos ou o quinhão, conforme prevê o art. 1.793 do CC, e apenas um registro é necessário, ou seja, da propriedade deferida a esse cessionário. Pelo teor expresso da parte final do artigo de lei supra citado, a cessão deve ser entabulada por meio de escritura pública. Trata-se de forma determinada por lei e a sua inobservância acarreta a nulidade da negociação nos exatos termos do art. 166, inc. IV do CC, ou seja, não é permitido o contrato particular para perfectibilizar essa especial negociação. Como não é o tema tratado neste artigo, apenas registro que a jurisprudência tem admitida a cessão de direito por termos nos autos, o que me parece ir de encontro à legislação pátria que prevê expressamente a escritura pública como forma prescrita para o ato. Nem parece ser o caso de cabimetno da aplicação do art.108 do CC, pois, o aquele artigo é a regra geral aplicada aos casos negociais de direitos reais, porém, o art. 1.793 que trata especificamente da matéria exige escritura pública e não ressalva valor da negociação. Se o legislador quisesse a aplicação da regra geral, não determinaria a forma expressamente como o fez, pois a doutrina defende que ele legislador não prescreve determinações sem sentido.

Efetuadas as considerações introdutórias acima, resta analisar o foco central deste artigo, no sentido de comentar a regra do parágrafo primeiro do art. 1793 do CC. Referido parágrafo define que não estão abrangidos pela cessão, os direitos conferidos ao herdeiro em substituição ou direito de acrescer, posteriormente à contratação. A norma é bastante clara e não foi redigida sem sentido. Ocorre que muitas questões de litígio poderiam advir desse tipo de contratação, uma vez que, em tendo o herdeiro ou legatário efetuado a cessão de todos seus direitos ou de todo se quinhão, em tese, esse todo abrange tudo que ele receberia. E se esses direitos ou quinhão viesse a aumentar pós contratum finitum? Bem, é fato que esse fator não era conhecido do cedente que experimentaria um prejuízo e o cessionário, por sua vez, estaria por certo beneficiando-se irregularmente, incidindo claramente a vedação do enriquecimento sem causa. O parágrafo é de extrema lucidez e perspicácia do legislador, que certamente valeu-se de conhecimentos práticos e técnicos acerca do tema, editando-o de forma a não deixa dúvidas em situações que se apresentem nessas condições.

Mas, seria possível o afastamento pelas partes da incidência do parágrafo primeiro em tela? Bem, o regramento não parece tratar de norma de ordem pública que aí seria fácil a resposta acarretando fatalmente na sua negativa não permitindo o afastamento, pois ao particular não é permitido afastar a incidência de norma de ordem pública por acordo negocial, a teor do artigo 166, inciso IV do CC, sob pena de nulidade.

É fato que o parágrafo primeiro do artigo 1.793 não é norma de ordem pública, mas de interesse particular, motivo pelo qual seu afastamento é perfeitamente factível. O direito de acrescer ou de substituição é algo que poderá vir a ocorrer e isso não é, por óbvio, alheio ao direito. E tais direitos terão cunho patrimonial, como regra geral. O fato de tratar-se de direitos futuros, que poderão ou não vir a existir, não retira a validade da contratação, pois permitido pelo art. 458 do atual CC. O parágrafo em comento não proíbe o afastamento, apenas esclarece que a cessão não abrange os direitos posteriores, porém, deve ser interpretada essa não abrangência somente quando as partes não tenham estipulado o contrário. E deixe-se claro que não é o caso de venda de herança futura que é nulo pelo artigo 426 do CC, trata-se de herança existente, mas que, por razões das mais variadas poderá incidir acréscimos, seja pela renuncia de algum dos co-herdeiros, seja por disposição testamentária, etc. Então, o seu afastamento se dá única e validamente por meio de acordo, no sentido que cedente e cessionário estipulem que a “venda” entabulada envolve os direitos ou o quinhão já conhecido e mais aqueles que porventura venham a integrar o beneficio do cedente por direito de substituição ou de acrescer. Poderá trata-se claramente de contratação aleatória, nos exatos termos do artigo 458 e seguintes do CC, podendo ficar esclarecido se algum deles assume o risco de virem ou não existir os acréscimos decorrentes. Se o cedente não assume o compromisso de sua existência, o preço fica intacto em seu favor, e o cessionário experimentará eventual disparidade. Pode até ser considerado um contrato misto, pois haverão os direitos, e ou quinhão, cedidos e conhecidos, e mais eventuais acréscimos não conhecidos, que poderão ou não vir a existir. Como aos contratantes é permitido quaisquer avenças não contrárias à lei, inclusive contratos atípicos, a meu sentir a contratação é existente, válida e eficaz.

* José Roberto Teixeira de Oliveira é Tabelião do Cartório de Serviços Notariais e de Registros de David Canabarros (RS)

Fonte: CNB-CF