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Notas sobre Notas - Tema V: Do princípio da rogação notarial - Desembargador Ricardo Henry Marques Dip

Do princípio da rogação notarial
Des. Ricardo Dip


48. Parecerá simples, e é-o de fato costumeiramente, o enunciado-tipo com que se busca definir o princípio notarial da rogação ou da instância, dizendo-o, por exemplo, norma pela qual o notário apenas atua por iniciativa ou requerimento de outrem.

Todavia, a aparente simplicidade da enunciação típica mal esconde a complexidade do conceito, a que não se tem dado, de comum, a atenção merecida.

49. Trataremos do tema, nestas nossas pequenas “Notas sobre Notas”, ainda uma vez com a brevidade que as circunstâncias recomendam, referindo-nos, seguidamente, a alguns pontos, tais os que seguem:

(i) o aspecto positivo e o aspecto negativo da rogação notarial;

(ii) dispositivo e demanda;

(iii) dinamismo, implicitude e virtualidade da rogação;

(iv) vício dos atos notariais sem rogação: saneamento.

50. O vernáculo “rogação” provém do latim rogatio, rogationis, que, entre outras acepções, ostenta as de pedido, súplica, rogo. O verbo latino rogo (infinitivo rogare) significa pedir, perguntar, solicitar; o nominativo rogator, rogatoris indica aquele que pede; rogatum, rogati, traduz-se por “pergunta”.

Interessa também considerar que o verbo rogo é correlacionado a rego (dirigir em linha reta), a que se ligam rex, regis (rei) e regula, regulæ (regra). De algum modo, pois, parece que a rogatio inclui sempre uma direção em dada linha, uma finalidade.

51. Em seu aspecto positivo, a rogação notarial importa no exercício de um direito potestativo que enseja o procedimento do notário, incluindo, como se verá adiante, algum conteúdo direcional (cujo estatuto é controverso). Sem a rogação, como ato lógica e cronologicamente inaugural do procedimento, não se admite a prestação das atividades notariais, mas, com a rogação, já essas atividades são singularmente obrigatórias, ressalvados os casos de ilegalidade ou de impedimento subjetivo.

Põe-se à mostra, pois, que a rogação inaugura uma relação jurídica entre o rogator e o notário, relação notarial que se tem por de “jurisdição” administrativa de caráter assimétrico, na medida em que o notário tem um dever de prestação funcional (tirantes os quadros de ilegalidade ou de impedimento subjetivo), ao passo que o rogator pode, a seu próprio talante, desistir do pleito em curso.

52. Em seu aspecto negativo, a rogação é exclusora do procedimento oficial do notário; pareceria caber afirmar: ne procedat notarius ex officio. Mas não é a melhor enunciação. O que a rogação exclui é que o notário preste funções sem uma prévia autoria inaugurante: ne procedat notarius sine actore.

Com efeito, a inauguração de uma singular atividade notarial não pode derivar de atuação oficiosa do notário, exigindo um actante que rogue a prática funcional com alguma indicação teleológica. Todavia, a partir desta rogação, o notário atua em larga medida de maneira oficial, de sorte que a rogação está ligada ordinariamente aos fins, mas o notário elege os meios e pratica-os de acordo com as exigências particulares ditadas segundo o cavere e as regras “técnicas”.

Averbe-se que um dos fundamentos da rogação notarial é o de, com ela, exercitar-se a livre eleição do notário.

53. Se admitirmos aqui uma aproximação com a doutrina processual, pode mesmo dizer-se que a rogação notarial atua o dispositivo e sinaliza, quando menos, alguns traços da demanda.

Cabe ao rogator pedir uma prestação singularizada, indicando, ao menos, alguns de seus elementos determinativos (mas não necessariamente de especialização). Não impõe, entretanto, uma congruência objetiva da qual não possa refugir o notário. O vínculo do notário é com a intentio do rogator (art. 112 do Cód.civ. brasileiro), mas nada impede que a esclareça livremente e que a realize por meios não apontados pelo solicitante do ato.

54. Já isto põe à mostra um domínio de implicitude e virtualidade na rogação notarial. Nem tudo nela é explícito: quer-se um dado fim, os meios podem implicitar-se. A rogação é, em certo aspecto, virtual, na medida em que persevera, sem expressar-se já, ao largo das atividades notariais rogadas. Além disso, é dinâmica, porque eventuais mudanças na direção do processo ou mesmo o consenso de meios e soluções intercorrentes devem, um e outras, integrar-se à rogação.

É dizer, a rogação embora se expresse como ato (literal, oral ou mesmo gestual ?art. 107 do Cód.civ.), ao persistir, virtualmente, possui caráter determinativo (perseverança de implícita cláusula rebus), de modo que é suscetível de alterar-se ao largo do procedimento notarial. [Parecerá bem que a rogação, tanto que se dirija a ato notarial a que não concorra outorga, reclame literalidade].

55. A rogação é requisito prévio indispensável à prestação de uma concreta atividade notarial, de modo que sua falta implicará nulidade (arg. do inc. V do art. 166 do Cód.civ.), mas –isto é controverso, embora? com possível conversão saneadora (art. 170).

A hipótese é um pouco rara, mas pode aventar-se, por exemplo, mediando um erro teleológico da rogação.

Fonte: CNB-BR