Com a entrada em vigor da Lei nº 11.441/2007, de 04 de janeiro de 2007, que trouxe a possibilidade de fazer-se inventário, partilha, separação e divórcio consensuais por escritura pública, uma vez obedecidos certos requisitos, houve uma proliferação de provimentos e instruções normativas, por parte dos Tribunais de Justiça das várias unidades federativas, buscando regulamentar a aplicação da norma. É sabido que a nova lei buscou tornar céleres tais procedimentos, tornando-os menos onerosos para as partes, inclusive com o estabelecimento da gratuidade para os declaradamente pobres, facilitando com isso a vida dos cidadãos. Porém, e muito embora o objetivo da norma, quanto à celeridade, por vezes a interpretação do texto legal tem contrariado o espírito da lei. Salvo alguns pontos comuns em tais atos emanados das autoridades jurisdicionais, verifica-se haver séria divergência interpretativa, quase a ponto de parecer que a lei não é a mesma em cada estado-membro, ainda que seja única no território nacional. O estudo que ora se desenvolve busca tratar especificamente de um desses tópicos de desencontro, qual seja a representação dos cônjuges nas escrituras de separação e de divórcio. Enquanto que na maioria dos estados se admite o uso da procuração, verifica-se haver no mínimo duas exceções vedando aos tabeliães a aceitação do mandato. O primeiro a manifestar-se vedando a representação foi o Estado do Pará, com a edição da Instrução Normativa Conjunta nº 001/2007 - CGJ, de 17/01/2007, tratando do tema em seu art. 10, verbis: "As partes comparecerão pessoalmente em cartório para a lavratura das escrituras, não se admitindo, para o ato, a sua representação por procuração". Igual interpretação foi dada pela Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, através do Provimento nº 04, de 18/01/2004, publicado no Diário da Justiça de 08/02/2007, que alterou a Consolidação Normativa Notarial e Registral, passando a prever, pela nova redação do art. 619, (agora art. 619-C, par. 4º), que "os cônjuges comparecerão pessoalmente para a lavratura do ato notarial, inadmitida a sua representação por procuração". Sem dúvida que a vedação ao uso do mandato não resulta sem convencimento, e assim tendo entendido os órgãos jurisdicionais, haverá que se buscar conhecer a motivação que possa justificar a ordem. Outros tribunais que trataram do tema não vedam o uso do mandato, ao menos de forma explícita, e seguindo a máxima de que o que não é vedado é permitido, parece não haver dúvida quanto à aceitação do mandato nos casos de separação e divórcio consensuais por escritura pública nos demais estados brasileiros. Tanto, que em outros houve expressa aceitação do mandato, assim constando das normas editadas, como se pode ver adiante. Pelo Provimento nº 02/2007-CGJ, do Estado do Mato Grosso, que veio dar nova redação a alguns dispositivos da Consolidação das Normas da Corregedoria - CNGC, foi admitida, às vezes, a representação, conforme o item 9.7.1.3, cuja parte final assim dispõe: "As partes deverão comparecer pessoalmente. Porém, excepcionalmente, quando for impraticável fazê-lo, poderão fazer-se representar por procuração por instrumento público, com poderes específicos para o ato". Vê-se, portanto, um abrandamento. Há uma vedação, porém logo excepcionada, para os casos em que for impraticável a presença dos cônjuges que pretendam a separação ou o divórcio por escritura pública. A dificuldade vai residir na interpretação para cada caso concreto, especialmente quanto ao real significado do termo impraticável. No Estado do Acre, com a edição do Provimento nº 02/2006 - CGJ, de 15/01/2007, não houve referência à representação nos capítulos correspondentes, podendo interpretar-se que no silêncio é ela permitida, ainda que com relação ao inventário e partilha tenha constando, no Capítulo IV, item 4, subitem IV, que as partes possam ser representadas por procuração. Do mesmo modo silenciou a Circular nº 01 - CGJ, de 18/02/2007, do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, levando ao entendimento da admissibilidade de representação por mandato, por não ser vedada. Em Minhas Gerais ficou clara a permissão, conforme o art. 4º do Provimento nº 164/CGJ/2007, assim dispondo: "As partes poderão ser representadas por procurador em quaisquer dos atos descritos no art. 1º e §§ 1º e 2º deste Provimento, desde que munido de procuração pública com poderes específicos para o ato, que tenha sido outorgada há no máximo 90 (noventa) dias". O artigo referido trata, assim no caput como em seus parágrafos, sobre o inventário, a partilha, a separação consensual e o divórcio consensual. Também o Tribunal de Justiça da Paraíba, pelo Provimento nº 03/2007-CGJ, de 23/03/2007, dispôs que as partes poderão ser representadas por procuração pública, com validade de noventa dias, ou, se maior o prazo, com certidão de que não se acha revogada ou anulada (art. 6º). No Estado de São Paulo não chegou a haver determinação por parte do judiciário, mas sim houve a elaboração de um manual preliminar de instruções gerais, sem vedar o uso do mandato. Vistos alguns atos normativos, ao menos os que até agora foram editados, cumpre observar que em nenhum momento a nova lei tratou do tema, fosse para permitir ou vedar a representação, cabendo ao intérprete buscar nas normas que regulam os institutos os motivos que podem levar à aceitação ou à recusa da representação por mandato. Em princípio parece possível haver representação em tais casos, por diversas razões. A uma, porque a lei não proíbe. Ao contrário, dispõe que todas as pessoas capazes são aptas a dar procuração, conferindo poderes a outrem para em seu nome praticar atos ou administrar interesses, apenas exigindo o instrumento público para os atos onde a forma pública seja essencial (Código Civil brasileiro, em seus artigos 653 e seguintes), como nas hipóteses que aqui se trata. Assim, todos os atos e contratos, por maior que seja o seu valor econômico ou a sua importância social, e mesmo os mais solenes, podem ser constituídos ou desconstituídos por procurador, tendo-se por exceção o testamento, a adoção e o voto. Mas as exceções justificam-se por seus próprios motivos e fundamentos. A duas, porque se é admitida representação no próprio ato solene do casamento, não parece haver motivo plausível para sua proibição na separação e no divórcio. Vedasse a lei representação para o matrimônio, plausível que do mesmo modo assim se entendesse na separação e divórcio. Mas, não: o Código Civil brasileiro contém permissivo no art. 1.542: "O casamento pode celebrar-se mediante procuração, por instrumento público, com poderes especiais". Logo, é possível que um dos nubentes seja representado, e mesmo que ambos os nubentes sejam representados, nesse caso cada um por seu próprio procurador. No entanto, busca-se a motivação que levou pelo menos em duas unidades federativas à proibição do uso do mandato para as escrituras de separação e de divórcio consensuais. É isso que se pretende apurar no estudo. Certo é que a nova lei, ao possibilitar que a separação e o divórcio se façam por escritura pública, não trouxe em seu bojo normas processuais diferentes das que existiam antes com relação ao assunto, permanecendo válidas as mesmas regras utilizadas no processo judicial, especialmente as que estão contidas na Lei 6.515/77, no Código Civil brasileiro e no Código de Processo Civil. A vedação ao uso do mandato, conforme a interpretação que é dada, pode ter origem nas disposições contidas no art. 1.122 e §§ do Código de Processo Civil, quando estabelece que o juiz ouvirá os cônjuges sobre os motivos da separação, esclarecendo-lhes as conseqüências da manifestação de vontade, devendo convencer-se de que ambos, livremente e sem hesitação, a desejam, e em caso de qualquer dos cônjuges não comparecer à audiência designada ou não ratificar o pedido, arquivará o processo. Por aí se verifica que o juiz precisa ouvir pessoalmente os cônjuges, caso então em que não se admite o mandato, ainda que "havendo impossibilidade material relativa de comparecimento de qualquer dos cônjuges perante o juiz, pode ser dispensado dito comparecimento" (RJTEESP 125/367). Mas, sendo esse o motivo, parece não haver razão a que se vede o uso do mandato para as hipóteses de escritura pública de separação e divórcio consensuais. Primeiro, porque o tabelião não é juiz da causa, não lhe cabendo saber os motivos da separação, como compete ao magistrado, que deve, este sim, "promover todos os meios para que as partes se reconciliem ou transijam, ouvindo pessoal e separadamente a cada uma delas" (art. 3º, § 2º - Lei 6.515/77). Ao tabelião, por sua vez, cumpre unicamente verificar a capacidade das partes, a livre vontade a ser juridicamente formalizada, e o preenchimento dos requisitos para o ato, tais como não haver filhos menores ou incapazes, não lhe competindo e nem sendo ético buscar conhecer dos motivos, algumas vezes por certo constrangedores para as partes, e tampouco tentar reconciliação, por não ser de sua alçada, ainda que facultativamente possa fazê-lo, mas não como imposição de lei. Segundo, porque o mandato, em tal caso, terá que ter obrigatoriamente a forma pública, em atenção ao preceito contido no art. 657 do Código Civil brasileiro, resultando disso que outro tabelião, como a mesma fé pública daquele que vai levar a efeito o ato de separação ou divórcio, já aferiu a vontade e a capacidade do outorgante, ou, em outras palavras, o mandante foi ouvido por tabelião quanto ao propósito, daí não se podendo duvidar da validade do instrumento. É evidente que nesse caso não será bastante a procuração com poderes gerais, exigindo-se que contenha poderes específicos para o ato a ser praticado por mandatário, que não poderá ser o outro cônjuge. Dificuldade reside para a prática dos atos nos Estados onde houve a vedação ao uso do mandato, urgindo que se reconsidere quanto ao tema, pela absoluta inconveniência do regramento proibitivo, e até em consonância com as normas dos demais tribunais, que em esmagadora maioria possibilitam a representação. A vedação cria transtornos insolúveis para a celeridade, conforme o caso. Se João e Maria, já separados de fato, sem filhos menores ou incapazes, ele agora domiciliado no Pará e ela no Rio Grande do Sul, de livre e espontânea vontade desejarem fazer a separação por escritura pública, terão unicamente duas alternativas: ou ele se desloca ao Rio Grande do Sul, ou ela viaja ao Pará, acrescentando-se que são pobres, sem condições de arcar com as despesas de transporte. Em última análise a regularização se tornará inviável, e continuarão ambos no estado civil de casados, à margem da lei, ainda que tanto João quanto Maria já possuam outra união, que mesmo tenham filhos com os novos companheiros, ou que, enfim, como se diz na linguagem popular, não tenham nada mais a ver um com outro. Poderão por certo buscar a separação judicial, mas aí estará ferido o espírito da nova lei, qual seja a celeridade. Seguindo o mesmo exemplo, não podendo em nenhum dos Estados (Pará e Rio Grande do Sul) ser celebrada escritura pública com representação, exigindo-lhes a presença física, será possível que outorguem procuração dando poderes a terceiro para que os representem perante tabelionato de notas de outro estado, onde seja admitida a representação, isso porque a escolha do tabelião é livre: "É livre a escolha do tabelião de notas, qualquer que seja o domicílio das partes ou o lugar da situação dos bens objeto do ato ou negócio" (Lei 8.935/94, art. 8º). Ora, o objetivo da lei é facilitar, em especial aos mais necessitados, a quem inclusive é garantida a gratuidade, ter a situação resolvida ao menor custo e com a maior brevidade. O tema parece que será pacificado pela Resolução 35/07, do Conselho Nacional de Justiça, em boa hora esclarecendo, no art. 36, que "o comparecimento pessoal das partes é dispensável". As exigências para a aceitação do mandato condicionam-se a que seja passado por instrumento público, contendo poderes especiais, e com prazo de validade de trinta dias. Para não parecer oportunismo divulgar o entendimento após a resolução do CNJ, cumpre eslarecerr que em artigo de nossa autoria, publicado no Boletim Cartorário do Diário das Leis Imobiliário, 2º decênio, março/2007, nº 8, p. 31, assim também no Boletim Eletrônico INR nº 1557, de 16 de fevereiro de 2007, era feita por nós a defesa do mandato, criticando a sua não aceitação por parte do Tribunal de Justiça do Pará, uma vez que quando da sua elaboração, na época, não havia ainda o a publicação do Provimento nº 04/07 da Corregedoria-Geral de Justiça do Rio Grande do Sul. (*) Tabelião de Notas de Canela - RS, Especialista em Direito Registral Imobiliário (Unisc).