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O julgamento da ADPF 132 e da ADI 4277 e seus reflexos na seara do casamento civil

Enquanto o Legislativo cochila, o Judiciário faz valer os princípios constitucionais da igualdade e liberdade. O julgamento conjunto da ADPF 132 e da ADI 4277 representou uma genuína quebra de paradigmas e um avanço para o nosso Direito das Famílias. O julgamento conjunto da ADPF 132 e da ADI 4277 representou uma genuína quebra de paradigmas e um avanço para o nosso Direito das Famílias. Um julgamento tão público em uma seara tão privada da pessoa humana, que é a que condiz com a sua intimidade e os seus relacionamentos afetivo-sexuais. O Supremo Tribunal Federal brasileiro entendeu que a união homoafetiva é entidade familiar, e que dela decorrem todos os direitos e deveres que emanam da união estável entre homem e mulher. [01] As duas ações foram julgadas procedentes, por unanimidade [02], e grande parte dos Ministros acompanhou na integralidade o sensível e juridicamente preciso voto do Ministro Relator Carlos Ayres Britto. E em todos os votos foi ressaltada a postura consensual da Corte contra a discriminação [03] e o preconceito. [04] Destarte, identificados os pressupostos legais para configuração da união estável, consubstanciada na convivência pública, continuada e duradoura, com intuito de formação de família, [05] casais homossexuais "formam uniões estáveis aptas ao usufruto de todos os direitos e ao exercício de deveres decorrentes do mesmo sentimento: o amor". [06] Assim, as uniões homoafetivas foram equiparadas às uniões estáveis. Mas o que dizer sobre o casamento civil? Um dos questionamentos mais recorrentes quando se debate sobre o referido julgamento é: o STF julgou sobre o casamento homoafetivo? A resposta deve ser um solene não. Os julgadores se limitaram a dar ao art. 1.723 do Código Civil brasileiro uma interpretação conforme a Constituição, equiparando as duas entidades familiares. Então o casamento civil homoafetivo não é permitido? Deve-se utilizar, uma vez mais, um solene não. O casamento civil entre pessoas do mesmo sexo é, sim, possível, como um efeito direto ou natural da decisão do STF. O art. 1.726 do Código Civil brasileiro é bem claro e explícito ao estabelecer que "a união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil". O escopo do presente trabalho é evidenciar que, diante do estado atual do nosso ordenamento jurídico, tanto o casamento civil por conversão como o casamento civil direito são institutos ao alcance dos pares do mesmo sexo. Todavia, antes de chegar aos argumentos que fomentam tal tese, faz-se necessário um passeio pela breve história destas ações constitucionais, no Brasil, fundamental para oferecer o pano de fundo para um melhor entendimento do que será exposto a posteriori. 1.Breve histórico das ações Em 25 de Fevereiro de 2008 foi apresentada ao Supremo Tribunal Federal brasileiro a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 132 [07], de autoria do Governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. A ADPF indicou, inter alia, como direitos fundamentais violados, o direito à isonomia, o direito à liberdade, desdobrado na autonomia da vontade, o princípio da segurança jurídica, para além do princípio da dignidade da pessoa humana. Em resumo, o pedido principal da ação traduziu-se em requerimento da aplicação analógica do art. 1723 do Código Civil brasileiro às uniões homoafetivas, com base na denominada "interpretação conforme a Constituição". Requisita-se que o STF interprete conforme a Constituição, o Estatuto dos Servidores Civis do Estado do Rio de Janeiro e declare que as decisões judiciais denegatórias de equiparação jurídica das uniões homoafetivas às uniões estáveis afrontam direitos fundamentais. Como pedido subsidiário, pede-se que a ADPF - no caso da Corte entender pelo seu descabimento - seja recebida como Ação Direta de Inconstitucionalidade, o que de fato, terminou por acontecer. Em 02 de Julho de 2009, a Procuradoria Geral da República propôs a ADPF 178 que terminou sendo recebida pelo então Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, como a ADI 4277. [08] O objetivo principal da mencionada ação constitucional era o de que a Suprema Corte declarasse como obrigatório o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, desde que preenchidos os mesmos requisitos necessários para a configuração da união estável entre homem e mulher, e que os mesmos deveres e direitos originários da união estável fossem estendidos aos companheiros nas uniões homoafetivas. [09] 2. O julgamento e o desfecho O julgamento conjunto da ADPF 132 e da ADI 4277 foi acompanhado com muita atenção e expectativa, não apenas pela comunidade LGBT ou pelos juristas. O Brasil viveu, durante os dias 04 e 05 de Maio, um momento histórico, acompanhado vivamente pela Sociedade em geral. É verdade que a decisão favorável do STF causou uma grande celeuma entre os opositores dos direitos LGBT. Pretende-se, neste tópico, não somente fazer um relato do que ocorreu no Tribunal Constitucional brasileiro naqueles dias, trazendo os argumentos utilizados pelos Srs. Ministros para chancelar o que já estava se transformando, em certa medida, em direito consuetudinário, mas também rebater os eventuais argumentos contrários que foram surgindo ulteriormente, questionando a decisão do STF. 2.2.O voto do Ministro Relator Depois da intervenção de diversos Amici Curiae nas mencionadas ações constitucionais, incluindo o Instituto Brasileiro de Direito de Família, representado pela sua Vice-Presidente Nacional, Maria Berenice Dias, no final da sessão de 04 de Maio de 2011, o Ministro relator da ADPF 132 e da ADI 4277, Carlos Ayres Britto fez a leitura do seu voto. [10] Em relação ao primeiro pedido da ADPF 132, Ministro relator considerou que a ação havia perdido o seu objeto, tendo em vista que a legislação do Estado do Rio de Janeiro já equiparava à condição de companheiro para os fins pretendidos, os parceiros homossexuais. Terminou o Min. Ayres Britto por acatar o pedido subsidiário da ADPF 132 e converteu-a em Ação Direta de Constitucionalidade, tal como havia ocorrido com a ADI 4277, quando do seu recebimento pelo Presidente do STF. Assim, o objeto de ambas as ações terminou por ser a análise do art. 1.723 do Código Civil brasileiro e a sua interpretação conforme a Constituição. E de pronto, o Ministro Relator evidenciou a sua postura pela procedência de ambas as ações: E, desde logo, verbalizo que merecem guarida os pedidos formulados pelos requerentes de ambas as ações. Pedido de "interpretação conforme à Constituição" do dispositivo legal impugnado (art. 1.723 do Código Civil), porquanto nela mesma, Constituição, é que se encontram as decisivas respostas para o tratamento jurídico a ser conferido às uniões homoafetivas que se caracterizem por sua durabilidade, conhecimento do público (não-clandestinidade, portanto) e continuidade, além do propósito ou verdadeiro anseio de constituição de uma família. [11] A posteriori, o Ministro relator fez uma digressão juridicamente precisa (mas também fazendo uso de argumentos metajurídicos) pelos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da liberdade (incluindo-se a do livre exercício da sexualidade), da igualdade, da vedação da discriminação em razão de sexo ou qualq