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Cartórios, atividade pública ou privada?

A atividade dos cartórios possui natureza jurídica peculiar, pois se intrinsecamente é de ordem pública - e tanto o é que, por conveniência política, o Estado a delega à pessoa natural qualificada -, sua gestão se faz em caráter privado. Sua remuneração é fixada pela Lei de Emolumentos (estadual) e paga pelos usuários. A fiscalização é exercida pelo Poder Judiciário (Corregedorias-Gerais dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal) e pelo Conselho Nacional de Justiça. A exigência do concurso público surgiu no Império - Decretos 9.420, de 1885 e 3.322, de 1887. Por uma dessas ironias de nossa história, foi justamente na República que a mais democrática modalidade de ingresso em atividade de natureza pública foi deixada de lado - os cartórios passavam de pai para filho - e somente restabelecida diante da Lei 8.935, de 1994. Ao se exigir o concurso foi estipulado o prazo máximo de seis meses da data da vacância. Algo inédito. Mas, como no Brasil o incomum não é tão incomum assim, raramente tais prazos vêm sendo observados. A não-realização dos concursos, ao menos na periodicidade exigida, se deve a diversos fatores, uns mais, outros menos justificáveis. Apenas a Bahia ainda possui serviços notariais e de registros que não foram delegados a particulares. Permanecem até hoje sob a gestão do estado cerca de 957 cartórios. A estatização começou na década de 1960, no governo de Antonio Carlos Magalhães. Para a Associação Nacional de Defesa dos Concursos para Cartórios, um dos problemas que a estatização dos cartórios traz é a má qualidade do serviço prestado. Uma certidão de nascimento na Bahia demora até 100 dias para ser fornecida. Ao decidir pela privatização, o CNJ apenas fez valer o que já consta da Constituição. A nota conclui o que é da percepção do senso comum: o serviço estatizado é mais caro, menos eficiente, e pouco transparente. Ao delegar o serviço o poder público passa para os titulares dos cartórios, entre outros aspectos, a incumbência de contratar e pagar os funcionários. A Lei 8.935, refere que tal atividade é balizada pela organização técnica e administrativa. Conceito extraído da ciência econômica, a partir dos Princípios do Método, da Técnica e da Definição de Tarefas. Fundamentos que, por sua vez, foram sumulados no Princípio da Eficiência (Constituição, art. 37). Eficiência e adequação são exigências na produção de resultados satisfatórios (efetividade) e para consecução dos objetivos visados (eficácia). Muito se fala sobre a ineficiência dos cartórios, mesmo entre aqueles privatizados. Proposta de lei na Câmara dos Deputados altera o artigo 188 da Lei 6.015, reduzindo à metade o prazo para o cartório registrar o título. A intenção é agilizar a aquisição imobiliária através do SFH. Importa indagar quem demora mais no processo de aquisição imobiliária: os cartórios ou os bancos? A compra da casa própria não depende somente dos prazos de registro do imóvel para ser concretizada. É amplamente divulgado pela imprensa e consumidores que os bancos demoram mais de 30 dias para liberar o financiamento. Em geral, os cartórios levam cerca de 15 dias para registrar o imóvel, seja a aquisição financiada ou não. O problema não está no prazo de registro. A maior agilidade dos procedimentos virá com a implantação do registro eletrônico. E são os próprios registradores quem, para tal fim, pedem publicamente a instalação de um Comitê Gestor, conforme prevê a EC 45, de 2004. O titular tem o direito de ficar com o lucro do cartório. Fonte do CNJ indica que 70% dos cartórios auferem renda bruta – o que não deve ser confundido com lucro – de até 10 mil reais mensais, renda compatível com a realidade brasileira. O outro lado da mesma moeda – este, por sinal, divulgado com maior ‘entusiasmo’ pela mídia –, ainda segundo o CNJ, existem casos de titulares desses serviços que recebem mais de R$ 5 milhões por mês. É preciso modular também este aspecto, estabelecendo justa remuneração à atividade, mas sem desequilíbrios tão gritantes. A busca pela eficiência e adequação desses serviços pressupõe que sejam geridos em caráter privado, os concursos de ingresso e remoção sejam realizados em perfeita sintonia com o comando constitucional e que a atividade por eles prestada garantam eficácia e segurança jurídica. *Marcelo Rodrigues Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais