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SÓ VALHO POR VELHO

Em sincero reconhecimento e sentida homenagem a todos os colegas que souberam construir, com seu trabalho e estudos, a grandeza, o respeito e a confiabilidade das atividades notarial e de registro público.

Dia desses estive cogitando sobre participar do próximo concurso público de remoção. Inevitavelmente voltaram as lembranças de 1975, do concurso no Colégio São José, em Pelotas. Foi uma prova difícil, as questões envolviam língua portuguesa e datilografia (será que alguém com menos de 30 anos sabe o que é isso?). E conhecimentos sobre cinco especialidades: Imóveis, Títulos e Documentos, RCPJ, RCPN e Protestos. Após exatas 3 horas e 56 minutos entreguei a prova com a sensação amarga de não ter ido muito bem. Logo depois, porém, ao ouvir as conversas no hall do colégio e, mais tarde, na rodoviária, pensei: fui mal, mas esse pessoal aí foi "mais mal" do que eu. Os dias passaram, eu estagiava e tentava advogar na banca do Dr. Paulo Alfredo Petry, a quem nunca agradeci devidamente, até que chegou aquele glorioso dia em que minha mãe entra no escritório com os olhos do tamanho de patacas, se é que vocês sabem do que estou falando.

- Adivinha! disse-me ela. - Passei? - EM PRIMEIRO LUGAR!

A minha mãe consegue falar com letras maiúsculas, só quem a conhece sabe. Bem, aí foi sonhar com uma vida nova, ir de fusca (emprestado) até a Bahia participar de um encontro do IRIB, trabalhar com meu mestre Narciso Aldana, amigo desde sempre e que muito me ajudou não só na preparação para o concurso, mas também na preparação para a vida profissional que me esperava. E ficar devendo 2 mil de não sei qual moeda para meu estimado amigo Odone Ghislene, dívida que eu tentei pagar várias vezes, sem juros nem correção monetária (esperto eu!) e que ele sempre creditou ou debitou na conta da nossa amizade e nunca quis receber. Lembro da liderança de João César quando aquele grupo que havia passado no concurso esperava que o TJ/RS fizesse a gentileza de homologar e enviar ao Governador. Se o João não tomasse a frente e peitasse os "velinhos", acho que eu ainda estaria andando de fusca emprestado. Lembro dos exames físicos e psicológicos - naquele tempo eu consegui passar - e do estado de guerra que meu espírito carregava quando fui assumir o Registro de Imóveis da 1ª Zona de Pelotas. Afinal, muito do atraso na homologação do concurso deveu-se a "sentimentos de gratidão" com o pessoal de Pelotas, razão alegada pelo relator de nosso processo para não relatar. Duas surpresas ainda me esperavam: a primeira foi o juiz Diretor do Foro que não quis me dar posse porque, dizia ele, eu havia perdido o prazo. Aí ronquei grosso e falei pro escrivão que me havia dado a notícia:

- Diga para o "doutor" que o COJE mudou e que o prazo agora é de 15 dias!

Ah! Que saudades da petulância do jovem Mario. Eu estava "afiado", como se dizia na época. Eu sabia, e quem tem razão não teme, pensava eu. Tomei posse, era meu direito. Mas que fui petulante, isso fui! A segunda surpresa: meu espírito foi desarmado pela gente boa que encontrei em Pelotas, a hoje advogada e minha querida amiga, Terezinha Azevedo, viúva do titular anterior; o saudoso Áureo Carlos Pinto Santos, membro de uma extirpe que não existe mais: a dos suboficiais com vínculo estatutário. Fui tão bem recebido que não precisei brigar, ao contrário, firmei amizades. Mas ainda lembro daquela sensação gostosa de que se fosse preciso eu estava preparado "para o que der e vier". É a alma de gremista, sina boa esta! Estas lembranças vêm se somar a tantas outras, mas a realidade me traz de volta às minhas cogitações de participar de um concurso público. Fui, então, dar uma olhada nas minhas possibilidades.

- Mas bah, tchê! Credo! Trimínimas as chances.

Quanta coisa mudou desde 1975! Os concursos hoje são muito diferentes, embora a atividade ainda seja exatamente a mesma. Em 1975 não era preciso ter curso superior, imaginem! Tanto que eu, quintanista de Direito, fiz o concurso e fui aprovado em primeiro lugar. Disseram-me que juízes, promotores de justiça, advogados, registradores e notários também participaram daquele concurso e, confesso, meu orgulho ainda não desinflou. Não havia prova oral, graças a Deus, porque naquele tempo falar em público (mais de duas pessoas já era público) era um parto para mim. Não era preciso conhecer Direito Penal, Processo Penal e tantos outros ramos do Direito que são exigidos hoje e que, asseguro, de nada ou quase nada servem para a vida profissional que abracei. E não havia prova de títulos, mais uma vez graças a Deus, porque se houvesse eu não teria nenhum para apresentar. Hoje, passados 33 anos, já consigo dizer algumas palavras coerentes em público: então, que venha a prova oral! Sou uma nulidade em Direito Penal, Processo Penal, Constitucional, Administrativo etc. Terei de estudar se quiser passar no concurso de conhecimento, embora eu saiba que depois não vou usar estes conhecimentos para nada no dia-a-dia do cartório. Mas o principal, o que me chama mais atenção, é a prova de títulos, para a qual eu continuo como estava em 1975. Nada, nadica de nada! Já estudei muito porque a insegurança dos primeiros tempos só pode ser afastada pelo conhecimento que veio dos livros, artigos e palestras que li ou ouvi. Também eu já proferi palestras, dei aulas em cursos os mais variados, escrevi artigos, publiquei dois livros (um deles já na terceira edição), fui e ainda sou membro de entidades de classe, participei de comissões que fizeram a primeira versão e todas as revisões da Consolidação Normativa Notarial e Registral, na elaboração da versão atual dos projetos Gleba Legal e More Legal, dos provimentos sobre Habite-se Parcial, Contrato de Gaveta .... até chefe escoteiro, coroinha e síndico de edifício já fui. Mas nada disso conta ponto! Nada disso tem valor, segundo as pessoas que criaram a lista do quê vale pontos como título e do quê, por exclusão, não vale nada. Em toda a lista dos títulos, constante nos atos expedidos pelo CNJ e pelo TJ/RS, só meu tempo de serviço como registrador titular é que conta pontos. Aqueles que foram meus alunos contam pontos pelos cursos que fizeram; eu não conto ponto pelas aulas que ministrei. Tenho amigos que, quando surgiu pela primeira vez uma lista de títulos para concursos, muito acertadamente direcionaram seus esforços para conseguir o maior número possível deles. A maioria desses amigos também participou das entidades de classe, ajudaram e continuam ajudando nas lutas das entidades, mas também souberam formar seu "estoque de pontos". Eu não, nem pensava nisso, imaginava que estava construindo uma vida que seria levada em consideração quando viesse a ser avaliado por uma comissão de qualquer natureza. Ledo engano, tola ingenuidade! Minha vida não vale nada para estes senhores. Eu não soube construir a vida dentro das novas "regras dos concursos públicos" e estou pagando por isso. Azar de quem não se preparou para o jogo, mas confesso que é doloroso este momento em que, revendo tantas águas passadas, chegar à triste conclusão de que, pelas novas regras, só valho por velho! Mario Pazutti Mezzari Registrador de Imóveis do 1º RI da Comarca de Pelotas-RS Presidente do Colégio Registral RS (biênio 2010/2011) Presidente da ANOREG/RS ano 2010