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Adoção – Efeitos das Alterações Introduzidas pela Lei nº 12.010, de 3 de agosto de 2009

Registrador e Tabelião de Protesto do Ofício de Registros Públicos de Sapucaia do Sul-RS. As disposições da recente Lei nº 12.010, de 3 de agosto de 2009, produziram muitas alterações na legislação que disciplina a adoção no Brasil, procurando adequar a matéria à evolução da jurisprudência dos Tribunais, resolver dúvidas e serenar polêmicas existentes. Como na legislação anterior, essa nova lei preferiu a manutenção da criança no seio da família natural a retirá-la abruptamente para uma família substituta (art.19 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – Lei n° 8.069/1990). Logo, o sistema jurídico continua entendendo a adoção como uma medida drástica (artigo 1°, parágrafos 1° e 2°; art. 19, parágrafo 3°; art. 28, parágrafos 1°e 3°; art. 39, parágrafo 1° da Lei n° 8.069/1990), que vem em prejuízo às garantias asseguradas à criança, tais como o direito à saúde, à liberdade, à educação, dentre outros previstos pelo Direito Pátrio. Assim, a legislação sobre a adoção investe demasiadamente na recuperação física e psíquica das mães, a fim de impedir ou reduzir os infanticídios, o número de menores expostos ou abandonados e a colocação de crianças em lares substitutos, de tal sorte que o artigo 8° do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece o dever de o Poder Público proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós-natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as conseqüências do estado puerperal e também o acompanhamento das gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção. O apoio e acompanhamento psicológico das mães que sinalizem a vontade de deixar seus filhos para adoção, segundo a nova redação do artigo 13, parágrafo único, deve ser feito de forma a garantir a liberdade de escolha da genitora em entregar -ou não- à adoção o recém-nascido ou o nascituro (sem pressões ou ameaças por parte dos familiares, principalmente). Outra mudança significativa trazida pela Lei nº 12.010/2009 foi no procedimento de adoção. A opinião da criança deve ser considerada e examinada não somente pelo magistrado, mas por uma equipe interprofissional. A única limitação na oitiva da criança refere-se ao seu próprio estágio de desenvolvimento, que espelha sua capacidade de compreensão acerca das reais implicações da medida. A lei também manteve o impedimento da adoção por procuração e reforçou a necessidade do estágio de convivência e a sua judicialização (artigo 47, “caput” do ECA). A dispensa do estágio ficou restrita aos casos de tutela ou guarda legal, quando seja possível avaliar o benefício da continuação do vínculo. Portanto, foi excluída a possibilidade de ser eximido o estágio em razão da idade do adotando. Ademais, as disposições do ECA foram atualizadas e harmonizadas com as disposições do Código Civil. Consta no artigo 3° da Lei nº 12.010/2009 a obrigatoriedade da substituição da expressão “pátrio poder” pela expressão “poder familiar”:

“A expressão “pátrio poder” contida nos arts. 21, 23, 24, no parágrafo único do art. 36, no § 1º do art. 45, no art. 49, no inciso X do caput do art. 129, nas alíneas “b” e “d” do parágrafo único do art. 148, nos arts. 155, 157, 163, 166, 169, no inciso III do caput do art. 201 e no art. 249, todos da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, bem como na Seção II do Capítulo III do Título VI da Parte Especial do mesmo Diploma Legal, fica substituída pela expressão “poder familiar”.

E como não poderia deixar de ser, a idade mínima para adotar-se passou para 18 anos, independentemente do estado civil. A concessão de guarda compartilhada (art. 1.584 do CC) nos casos de separação, divórcio ou dissolução da união estável, quando demonstrado inequívoco benefício ao adotando foi contemplada. Pode-se destacar igualmente, a criação de dispositivos específicos para adoção de crianças indígenas (incisos de I a III do parágrafo 6° do artigo 28) e do programa de “acolhimento temporário”, no qual as famílias cadastradas recebem temporariamente crianças e adolescentes que procuram uma família substituta. Com relação ao procedimento registral, perseverou, nas alterações legislativas procedidas, a convicção de que o vínculo da adoção é constituído por mandado judicial, o qual deve ser apresentado ao competente Registro Civil de Pessoas Naturais para que o Oficial proceda ao cancelamento do registro original do adotando. Contudo, não é mais obrigatória a abertura do novo registro de nascimento no domicílio do adotante. Os adotantes poderão exercer a opção de efetuar o novo registro de nascimento do adotando naquele Município em que já havia o registro anterior ou no domicílio de sua nova família (§ 3º do art. 47 do ECA). Outra novidade no campo do Direito Registral é a questão do sigilo das informações e as expedições das certidões nesses casos. Continua-se respeitando a disposição constitucional que veda qualquer forma de discriminação entre os filhos naturais ou adotados (artigo 227, parágrafo 5° da CF). Logo, permanece vedada a expedição de certidão de inteiro teor, salvo se houver mandado judicial a autorizá-la (artigo 47, parágrafo 3º do ECA). Neste passo, um dispositivo que poderá criar alguma polêmica ou confundir a população brasileira é justamente aquele que assegura o direito do adotado de conhecer sua origem biológica, bem como o direito dele obter acesso irrestrito ao processo de adoção, após completar 18 anos (artigo 48 do ECA). Por isso, desde já é oportuno alertar que o acesso àquelas informações deverá ser realizado sob a guarida do Poder Judiciário. Assim, o juiz competente, diante da petição inicial fundamentada no artigo 48, caput, do ECA, deverá expedir um mandado judicial para que o cidadão tenha livre acesso aos arquivos judiciais e extrajudiciais (artigo 47, parágrafo 8º do ECA). E tal entendimento é corroborado com o parágrafo único do mesmo dispositivo que assim preleciona:

“Parágrafo único. O acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica.”

Quanto à adoção conjunta (artigo 42 do ECA), inovou também a Lei nº 12.010/2009 ao dar nova redação ao artigo 1.618 e revogar o artigo 1.622 do Código Civil. Exige-se, agora, a maioridade civil de ambos os adotantes, não de apenas um deles, como era admitido pelo Código Civil. Manteve-se, no entanto, a regra de os adotantes terem uma diferença de 16 anos do adotando (artigo 42, parágrafo 3° do ECA). Aliás, destaca-se aqui que aqueles que adquiriram a capacidade civil plena por outro meio que não tenha sido o implemento da idade exigida pela lei civil (v.g. casamento, emancipação) não poderão adotar até que a idade mínima exigida seja alcançada. A Lei nº 12.010/2009 asseverou a importância da afinidade e afetividade do menor com aquele que não detém a guarda, nos casos de separação judicial ou de afastamento dos ex-companheiros. Ademais, foram revogados o inciso III do artigo 10 e os artigos 1.620 a 1.629 do Código Civil. Dessa forma, a adoção de crianças e adolescentes passa a ser somente regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (lei especial, portanto), conforme estabeleceu a nova redação do artigo 1.618 do Código Civil:

“Art. 1.618. A adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma prevista pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.”

Logo, todas as adoções, nesses casos, resultarão o cancelamento do registro primitivo e abertura de um novo, nos termos do artigo 47, parágrafo 2º. Mas as novidades não param por aí, a Lei nº 12.010/2009 também tornou imperativa a realização de tais atos registrais quando o adotando for maior de 18 anos, pois a Lei nº 10.406/2002 nada fala sobre os procedimentos registrais nessas hipóteses e a LRP encontra-se defasada nesse aspecto. Prevalece, portanto, a aplicação subsidiária do ECA, conforme prevê a nova redação dada ao artigo 1.619 do Código Civil:

“Art. 1.619. A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.”

Por esses fundamentos, fui forçado a reconhecer que, no plano legal, houve uma tentativa de terminar com a polêmica até então existente acerca do que cabia proceder na praxe registral, tal seja, se o cancelamento do registro original de nascimento do adotando ou se a averbação, junto ao assento original, do mandado judicial de adoção. Num primeiro momento sou levado a inclinar-me no sentido de rever a minha posição quanto ao procedimento registral da adoção, pois da leitura das novas regras impostas pela Lei nº 12.010/2009, resta ao registrador simplesmente cancelar o registro primitivo e abrir um novo registro, ainda que o adotando seja maior de 18 anos de idade ou conte com pelo menos 12 anos de idade e, de acordo com a lei, tenha sido instado a manifestar sua concordância quanto à pretensão de alguém em adotá-lo, restando, a prova de seu consentimento, de acordo com o ECA, restrita aos autos do processo judicial. Contudo, urge fazer algumas observações atinentes a esse tema de singular importância entre os temas registrais. A uniformidade do procedimento registral em decorrência da alteração do ECA e do Código Civil não extinguiu os percalços que justificaram minha adesão ao proceder que propugna pela averbação da sentença de adoção ao registro original de nascimento daqueles maiores de 12 anos de idade – e não o simples cancelamento do registro primitivo – porque, não observado esse proceder, persiste a dúvida de como o Registrador Civil e o Ministério Público irão realizar o controle quanto aos impedimentos matrimoniais previstos no artigo 1.521 do Código Civil. A meu juízo, em todos os casos a sentença de adoção deveria ser averbada no registro original. O cancelamento do registro primitivo, adotado pelo ECA, sempre teve como principal argumento “evitar que os adotados obtivessem conhecimento de sua situação”, de acordo com o artigo 1.596 do Código Civil e o artigo 227, § 6º, da Constituição Federal. Esse argumento, hoje, é até mesmo uma razão de desprestígio para a classe dos registradores civis de pessoas naturais, pois, como profissionais, sabemos que a resolução dessa questão está ligada tão-somente à adequada organização técnica e à diligência do órgão registral, como guardião do sigilo dessas informações. Assim, se não há uma confiabilidade, no âmbito do sistema jurídico em relação a nós, de modo a que fique no ar a sugestão de que a organização extrajudicial, da forma como está, não é capaz de garantir o sigilo necessário às informações de que é depositária, teremos de admitir que, derradeiramente, todo o nosso esforço no sentido de estruturar o sistema e de instrumentalizar os profissionais que nele atuam, tem sido em vão e, no limiar da sociedade da informação, em pleno século XXI, não terá um futuro promissor. Podemos constatar que, hoje, há um predomínio de razões de ordem biológica a envolver a questão da adoção e, assim, a recomendar a averbação ao registro original e as razões são inúmeras, indo desde a necessidade de o adotado conhecer suas origens (o que foi determinado pela própria reforma legal), passa pelo controle sobre os impedimentos matrimoniais e termina nas possibilidades de prevenção e tratamento de doenças hereditárias, com perspectivas de cura decorrentes do significativo desenvolvimento das pesquisas com células-tronco e outros avanços da ciência. Diante da necessidade da anuência dos maiores de 12 anos em relação à adoção e do direito dos maiores de 18 anos e menores devidamente amparados por assistência judiciária e psicológica de conhecerem sua origem biológica (artigo 48 do ECA), o cancelamento do registro primitivo não mais se justifica. Apesar da alteração legislativa promovida com o advento da Lei nº 12.010/2009, ainda propugno pela averbação, em razão do disposto nos artigos 41 e 47 do ECA, pois é desnecessário o cancelamento do registro primitivo quando a adoção é unilateral (realizada por um dos cônjuges ou companheiros, relativamente ao filho biológico do consorte). Afinal, nesse caso, não houve a alteração dos dois genitores. Soma-se a tudo isso, que as Escrituras lavradas anteriormente a 11 de janeiro de 2003, por não ser aplicável o ECA, com a atual redação dada a seus dispositivos, deverão ser averbadas no assento original. Para a adequada compreensão de todos, uma vez adotado o sistema de averbação do mandado judicial (que traz ao órgão registral o conteúdo da sentença) junto ao termo de nascimento correspondente, o Oficial passará a expedir as novas certidões consignando as informações que se contêm na averbação procedida, tomando por base o nome completo do adotado, a data e local do nascimento, sua nova filiação e os nomes dos avós paternos e maternos, dando cumprimento ao que dispõem o art. 227, § 6º da Constituição e o art. 1.596 do Código Civil. Finalmente, adotada essa praxe, ficará possibilitado ao Registrador Civil e ao Ministério Público o pleno controle sobre a situação dos impedimentos matrimoniais eventualmente existentes para o casamento (não esqueçamos que ambos estão envolvidos com o processo de habilitação para o casamento), assim como as informações relativas ao perfil hereditário do adotado (doenças herdadas, células tronco, etc.) informações essas que restariam com seu acesso significativamente prejudicado se procedido ao cancelamento do termo original.