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Garantia prestada por terceiro em Cédula de Crédito Rural

Registrador de Imóveis de Campinas do Sul-RS Sumário: 1. Introdução - 2. Gênese do problema: Recurso especial 599.545-SP - 3. Reflexo do problema na concessão de crédito rural - 4. Críticas ao Recurso Especial 599.545-SP - 4.1. Não observância dos objetivos específicos do crédito rural – 4.2. Interpretação restrita – 4.3. Restrição ao direito fundamental de propriedade: inalienabilidade (tratamento diferenciado frente aos demais créditos) - 5. Argumentos favoráveis à prestação de garantia por terceiro em cédula de crédito rural – 5.1. Autorização legislativa específica – 5.2. Interpretação sistemática – 5.3. Efeito relativo da decisão – 5.4. Técnica legislativa vigente ao tempo da publicação da Lei nº 6.754/79 – 6. Outra interpretação possível - 7. Conclusão 1. Introdução Esta breve exposição tem a intenção de analisar criticamente o Recurso Especial 599.545-SP, por impor a nulidade de garantia prestada por terceiro em cédulas de crédito rural, previstas no Decreto-lei nº 167/67, o que tem dificultado a obtenção desta relevante modalidade de crédito. Este recente aresto, decidido por maioria (3 votos contra 2), tem servido de fundamento para inúmeras decisões administrativas em processos de dúvida registral (arts. 198 e segs. da Lei nº 6.015/73), principalmente no Estado de São Paulo, o que tem gerado mais preocupação e tormento para os produtores rurais. 2. Gênese do Problema: Recurso especial 599.545-SP O caso em questão teve origem quando terceiros garantidores de emitente de cédula de crédito rural, cônscios de que estavam prestando uma garantia a favor deste, se insurgiram contra a execução da dívida alegando a nulidade da garantia ofertada por eles mesmos ao credor e, infelizmente, lograram êxito na demanda. Na ocasião, discutiu-se, em suma, se o §3º, do art. 60, do Decreto-lei nº 167/67 se referiu ao caput do artigo, no qual à alusão às cédulas de crédito, ou ao §2º do mesmo, que trata das notas promissórias e duplicatas rurais. Esta era a antinomia a ser resolvida. Observe-se, por extrema relevância, que os parágrafos do art. 60 foram inseridos pela Lei nº 6.754, de 1979, muito antes da edição da moderna legislação definidora de que os parágrafos devem ser interpretados de acordo com o caput de um artigo de lei (art. 11, inciso III, da Lei Complementar nº 95/98). O art 60 e os parágrafos em discussão assim preveem:

Art 60. Aplicam-se à cédula de crédito rural, à nota promissória rural e à duplicata rural, no que forem cabíveis, as normas de direito cambial, inclusive quanto a aval, dispensado porém o protesto para assegurar o direito de regresso contra endossantes e seus avalistas. ... § 2º É nulo o aval dado em Nota Promissória Rural ou Duplicata Rural, salvo quando dado pelas pessoas físicas participantes da empresa emitente ou por outras pessoas jurídicas. (Incluído pela Lei nº 6.754, de 17.12.1979) § 3º Também são nulas quaisquer outras garantias, reais ou pessoais, salvo quando prestadas pelas pessoas físicas participantes da empresa emitente, por esta ou por outras pessoas jurídicas. (Incluído pela Lei nº 6.754, de 17.12.1979)

Os Ministros que tiveram seus votos vencidos investigaram a origem do problema, realizando, portanto, uma interpretação histórica. Verificou-se que na época da publicação da Lei nº 6.754/79 estava ocorrendo o seguinte: O produtor rural trabalhava na terra e colhia a safra; depois, vendia-a e recebia da compradora, no caso, empresa comercializadora de grãos, título de crédito (nota promissória e duplicata rurais) com vencimento futuro; precisando de dinheiro para se capitalizar, para continuar trabalhando na terra, o produtor rural descontava o título no banco, oportunidade em que lhe era exigido que avalizasse a empresa emitente do título, sob pena de não conseguir descontá-lo antecipadamente. Ocorreu que se tornou freqüente, na ocasião, a falência de muitas das empresas comercializadoras de grãos. Consequentemente, o produtor rural, além de já ter entregue a safra, ficava obrigado a saldar o aval. Isto gerou revolta dos produtores, fazendo com que fosse publicada a Lei nº 6.754/79. Assim concluíram o Ministro Ari Pargendler e o saudoso Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que o motivo da criação da Lei nº 6.754/79 foi acabar com a garantia pessoal (no caso, o aval) prestada pelo próprio produtor rural na nota promissória e na duplicata rurais emitidas pelas empresas comercializadoras. De consequência, a nulidade prevista no §3º do art. 60 deveria se referir aos títulos de crédito previstos no §2º do mesmo dispositivo legal, ou seja, apenas à nota promissória e à duplicata rurais. Em contrapartida, os demais Ministros Humberto Gomes de Barros, Nancy Andrighi e Castro Filho entenderam de forma diversa. Sem analisar o Decreto-lei nº 167/67 em seu todo, isto é, sistematicamente, como recomenda a boa hermenêutica jurídica, decidiram os respeitosos Ministros pela aplicação da técnica de interpretação do parágrafo de acordo com o caput, como preve o art. 11, inciso III, da Lei Complementar nº 95/98, esquecendo eles que o legislador da época da publicação da Lei nº 6.754/79 não tinha esta preocupação, o que se demonstrará adiante. Com isso, o Recurso Especial 599.545-SP foi decidido pela restrição de terceiro ser garantidor de emitente em cédula de crédito rural, através da ementa que segue:

PROCESSO CIVIL - AUSÊNCIA DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC - PREQUESTIONAMENTO - INOCORRÊNCIA - CÉDULA RURAL HIPOTECÁRIA - EMITENTE PESSOA FÍSICA - NULIDADE DA GARANTIA DE TERCEIRO. - Não há ofensa ao Art. 535 do CPC se, embora rejeitando os embargos de declaração, o acórdão recorrido examinou todas as questões pertinentes. - Falta prequestionamento quando o dispositivo legal supostamente violado não foi discutido na formação do acórdão recorrido. - São nulas as garantias, reais ou pessoais, prestadas por terceiros em cédula rural hipotecária sacada por pessoa física (DL 167/67; Art. 60, § 3º).

3. Reflexo do problema na concessão de crédito rural Em virtude desta tormentosa decisão, que vem se disseminando em órgãos com jurisdição para decidir processos de dúvida registral, os produtores rurais tem enfrentado dificuldades para obter financiamento rural, especialmente aqueles que estão iniciando esta atividade profissional e econômica. Esta consequência foi prevista pela Ministra Nancy Andrighi. Por exemplo, o filho de um produtor rural, que também tem interesse em trabalhar na terra e de não contribuir para o êxodo rural e que ainda não dispõe de patrimônio próprio suficiente para dar em garantia em financiamento rural, via de regra necessita de um terceiro garantidor, que poderia ser seu pai ou qualquer outra pessoa disposta a assumir tal responsabilidade, confiante este no trabalho que seria executado pelo jovem produtor. Entretanto, tal conduta não vem sendo admitida porque as instituições financeiras estão com receio de aceitar tal garantia se ela pode vir a ficar comprometida por causa da vergastada decisão. Neste sentido, é necessária uma séria reflexão sobre as conseqüências deste aresto a fim de investigar se ele atenta, ou não, contra os princípios e os objetivos específicos do crédito rural. 4. Críticas ao Recurso Especial 599.545-SP 4.1. Não observância dos princípios e dos objetivos específicos do crédito rural Conceituando o que se entende por princípio, FREITAS informa que

Por princípio ou objetivo fundamental, entende-se o critério ou a diretriz basilar de um sistema jurídico, que se traduz numa disposição hierarquicamente superior, do ponto de vista axiológico, em relação às normas e aos próprios valores, sendo linhas mestras de acordo com as quais se deverá guiar o intérprete quando se defrontar com antinomias jurídicas (FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. Malheiros Editores Ltda. São Paulo: 1995, p. 41).

Logo, os princípios devem servir de bússola para orientar o exegeta da lei. Interpretar uma norma é interpretar o sistema inteiro: qualquer exegese comete, direta ou obliquamente, uma aplicação da totalidade do Direito (FREITAS, 47). Ainda sobre a interpretação de leis, MAXIMILIANO ensina que

Toda lei é obra humana e aplicada por homens; portanto imperfeita na forma e no fundo, e dará duvidosos resultados práticos, se não verificarem com esmero, o sentido e o alcance de suas prescrições. Incumbe ao intérprete aquela difícil tarefa. Procede à análise e também à reconstrução ou síntese. Examina o texto em si, o seu sentido, o significado de cada vocábulo. Faz depois obra de conjunto (...) Interpretar uma expressão do Direito não é simplesmente tornar claro o respectivo dizer, abstratamente falando; é sobretudo, revelar o sentido apropriado para a vida real, e conducente a uma decisão reta (...) incumbe ao intérprete descobrir e a aproximar da vida concreta, não só as condições implícitas do texto, como também a solução que este liga às mesmas (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 9-10).

Aqui, o prestigiado autor esclarece que a interpretação do Direito deve se dar levando em consideração o contexto no qual está inserido o caso real. Com efeito, é possível afirmar que os princípios que regem o crédito rural são os seguintes: Função social da propriedade, prevalência do interesse coletivo sobre o particular, reformulação da estrutura fundiária e progresso econômico e social. Ademais, é o art. 3º da Lei nº 4.829/65 que contempla os objetivos específicos do crédito rural. São eles:

I - estimular o incremento ordenado dos investimentos rurais, inclusive para armazenamento, beneficiamento e industrialização dos produtos agropecuários, quando efetuado por cooperativas ou pelo produtor na sua propriedade rural; II - favorecer o custeio oportuno e adequado da produção e a comercialização de produtos agropecuários; III - possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais, notadamente pequenos e médios; IV - incentivar a introdução de métodos racionais de produção, visando ao aumento da produtividade e à melhoria do padrão de vida das populações rurais, e à adequada defesa do solo.

Hoje o direito positivo depende, no interesse de sua continuidade, de um tal processo de diferenciação e de uma “aderência à vida" como solução (ESSER, Josef. Precomprensione e scelta del método nel processo di individuazione del diritto. Fondamenti di razionalità nella prassi decisionale del giudice. Napoli, Edizioni Scientifiche Italiane, 1983, p. 12). Entretanto, pelo que se pode inferir, o citado acórdão vai de encontro aos princípios que regem o crédito rural, uma vez que impede, por exemplo, que se de uma destinação econômica à propriedade, impossibilitando o progresso econômico e social e impedindo que ela cumpra sua função social. Da análise atenta do Recurso Especial 599.545-SP, constata-se que o mesmo não oportuniza que se alcancem os objetivos acima elencados. Ao contrário, a inibição de que terceiros prestem garantia para o emitente em cédula de crédito rural desestimula, desfavorece e impossibilita o desenvolvimento econômico no meio rural, porque restringe o acesso ao crédito rural e dificulta tornar produtiva a coisa (arts. 5º, XXIII, 186 e 187, I, da Constituição Federal; e, Lei nº 8.171/91). Com isso, todos perdem: O produtor rural, que não consegue recursos para produzir; as instituições financeiras, que não fazem circular o capital; o Estado, que deixa de arrecadar com a movimentação da economia; e, a sociedade em geral, que vê afetado e comprometido o mercado de produtos rurais. É de se ressaltar, ainda, que o art. 26 da Lei nº 4.829/65, na parte que trata das garantias do crédito rural, não impossibilita que terceiros possam garantir o crédito rural concedido ao produtor, mas, pelo contrário, remete à aplicação da legislação própria de cada tipo de crédito rural. E, como será visto em seguida, há autorização no próprio Decreto-lei nº 167/67 para que terceiros prestem garantia ao emitente de cédula de crédito rural. 4.2. Interpretação restrita O Recurso Especial em comento, na tentativa de aplicar a técnica moderna de interpretação de lei prevista na Lei Complementar nº 95/98, sequer vislumbrada no final da década de 70 quando da alteração do Decreto-lei nº 167/67 pela Lei nº 6.754/79, realizou interpretação restrita dos parágrafos segundo e terceiro do art. 60. Os três Ministros que fundamentaram o voto vencedor não se preocuparam com a técnica de hermenêutica jurídica, que recomenda ao intérprete a realização de uma exegese sistemática, levando em consideração o microsistema em questão, qual seja, o crédito rural. Se tivessem os renomados Ministros aplicado dita interpretação ao caso, provavelmente a decisão teria sido benéfica ao produtor rural, e não o contrário. Concluiriam que o próprio Decreto-lei nº 167/67, nos seus arts. 11, 17, 68 e 69, autoriza a concessão de garantia por terceiro ao emitente de cédula rural. Mas, infelizmente, a interpretação literal prevaleceu no caso, prejudicando quem precisa deste crédito especial. Por oportuno, é de se considerar que o Decreto-lei nº 167/67 apresenta outras imprecisões técnicas de elaboração, o que não pode ser causa de restrição do crédito rural. Por exemplo, o parágrafo único do art. 30, que também trata da nota de crédito rural, refere-se à alínea “d” do referido artigo, e não ao caput. Com efeito, constata-se que a técnica do legislador da época da publicação da Lei nº 6.754/79 não condiz com a técnica de interpretação do parágrafo relacionado ao caput de um artigo e, consequentemente, não se adapta para a aplicação do Decreto-lei nº 167/67. 4.3. Restrição ao direito fundamental de propriedade: inalienabilidade (tratamento diferenciado frente aos demais créditos) O efeito da decisão criticada é a possibilidade de alguém garantir terceiro em qualquer espécie de crédito (industrial, comercial, à exportação, imobiliário, bancário etc.), salvo no crédito rural. Exemplificativamente, o proprietário de um imóvel pode hipotecá-lo para garantir um crédito industrial, mas não pode para garantir um crédito rural. Diante do exposto, é possível indagar qual a razão deste tratamento diferenciado que vilipendia o crédito rural? Salvo melhor juízo, não há. Ao contrário, com fundamento no princípio constitucional da igualdade, dever-se-ia elevar o crédito rural, pela relevante função que tem para o desenvolvimento de uma sociedade e, principalmente, para o sustento da vida desta própria sociedade, ao mesmo patamar dos demais créditos, ou até além. Outrossim, isto não foi levado em consideração pelo Recurso Especial 599.545-SP. Ter-se-ía, então, uma espécie de inalienabilidade (só é possível onerar o que é possível alienar, conforme art. 1.420 do Código Civil) de um imóvel apenas para o crédito rural? Isso é um absurdo, porque toda inalienabilidade deve decorrer da lei e não há lei neste sentido na concessão de crédito rural. Ao revés, como citado anteriormente, há autorização legislativa no próprio Decreto-lei nº 167/67. Por oportuno, entende-se que, em todos os casos que o Poder Judiciário decide de forma contrária a um texto legal que não afronta hierarquicamente norma superior, age em desrespeito ao princípio federativo. 5. Argumentos favoráveis à prestação de garantia por terceiro em cédula de crédito rural 5.1. Autorização legislativa específica Conforme indicação supra, os arts. 11, 17, 68 e 69 do Decreto-lei nº 167/67 autorizam que terceiro seja garantidor de emitente de cédula de crédito rural. Os referidos dispositivos assim prescrevem:

Art. 11. Importa vencimento de cédula de crédito rural independentemente de aviso ou interpelação judicial ou extrajudicial, a inadimplência de qualquer obrigação convencional ou legal do emitente do título ou, sendo o caso, do terceiro prestante da garantia real. Art. 17. Os bens apenhados continuam na posse imediata do emitente ou do terceiro prestante da garantia real, que responde por sua guarda e conservação como fiel depositário, seja pessoa física ou jurídica. Cuidando-se do penhor constituído por terceiro, o emitente da cédula responderá solidariamente com o empennhador pela guarda e conservação dos bens apenhados. Art. 68. Se os bens vinculados em penhor ou em hipoteca à cédula de crédito rural pertencerem a terceiros, êstes subscreverão também o título, para que se constitua a garantia. Art. 69. Os bens objeto de penhor ou de hipoteca constituídos pela cédula de crédito rural não serão penhorados, arrestados ou seqüestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro empenhador ou hipotecante, cumprindo ao emitente ou ao terceiro empenhador ou hipotecante denunciar a existência da cédula às autoridades incumbidas da diligência ou a quem a determinou, sob pena de responderem pelos prejuízos resultantes de sua omissão.

Ainda, como norma geral que autoriza tal pretensão, cita-se o art. 1.427 do Código Civil dispõe que

Salvo cláusula expressa, o terceiro que presta garantia real por dívida alheia não fica obrigado a substituí-la, ou reforçá-la, quando, sem culpa sua, se perca, deteriore, ou desvalorize.

5.2. Interpretações histórica e sistemática Em que pese a brilhante pesquisa histórica dos motivos que fundamentaram a publicação da Lei nº 6.754/79, que introduziu parágrafos no art. 60 do Decreto-lei nº 167/67, realizada pelo Ministro Ari Pargendler, acompanhado pelo saudoso Ministro Carlos Alberto Menezes Direitos, demonstrando que a vedação da concessão de garantia por terceiro se aplica apenas à nota promissória e à duplicata rurais, logo, vinculando o §3º ao §2º do art. 60 do Decreto-lei nº 167/67, a decisão dos demais Ministros, Humberto Gomes de Barros, Nancy Andrighi e Castro Filho, foi pela nulidade da garantia prestada por terceiros nas cédulas de crédito rural. Pela interpretação histórica, constata-se que a lei que criou os parágrafos do art. 60 do Decreto-lei nº 167/67 teve por fundamento problemas enfrentados pela emissão de nota promissória e de duplicata rurais, e não de cédulas rurais. Assim, o §3º se refere, efetivamente, ao §2º do art. 60, e não ao caput (posição vencida no criticado Recurso Especial, pois dois Ministros votaram desta forma). Ainda, pela interpretação sistemática, outros dispositivos legais do Decreto-lei 167/67, já examinados, autorizam a garantia prestada por terceiros. Observa-se que tal faculdade está prevista em todas as espécies de cédulas. 5.3. Efeito relativo da decisão A decisão do Recurso Especial 599.545-SP, por não ser caso em que tenha sido reconhecida a repercussão geral (art. 543-C do CPC), embora de grande relevância para a discussão do Direito, gera efeitos apenas entre as partes envolvidas no processo, isto é, tem efeito relativo, não repercutindo na esfera jurídica de terceiros. Logo, ela serve apenas como fundamentação em outros processos, embora contra ele se levantem fartos argumentos. Estes sim, num futuro caso em que venha a ser reconhecida a repercussão geral, espera-se que prevaleçam. 5.4. Técnica legislativa vigente ao tempo da publicação da Lei nº 6.754/79 Observa-se que o Decreto-lei nº 167 é de 1967. Ele tem 42 anos e, na época da sua publicação, bem como na época da publicação da Lei nº 6.754, em 1979, que criou os parágrafos em discussão, não se vislumbrava a técnica moderna de interpretação dos parágrafos em relação ao caput. Assim, a Lei Complementar nº 98/98 não se aplica para a interpretação dos parágrafos do art. 60 do Decreto-lei nº 167/67, pois publicada quase duas décadas depois da norma em exame. A aplicação da técnica moderna de interpretação criada pela referida Lei Complementar não deve valer para todos os casos anteriores a ela. 6. Outra interpretação possível Relembra-se, por oportuno, o teor do parágrafo terceiro do art. 60 do Decreto-lei nº 167/67, cuja redação segue:

§ 3º Também são nulas quaisquer outras garantias, reais ou pessoais, salvo quando prestadas pelas pessoas físicas participantes da empresa emitente, por esta ou por outras pessoas jurídicas. (Incluído pela Lei nº 6.754, de 17.12.1979)

Prevalecendo a interpretação literal e restritiva, que ela seja para todo o dispositivo. Logo, somente quando houver mais de uma garantia é que se poderá alegar nulidade. Assim, uma alternativa para evitar a nulidade é que se evite a emissão de Cédulas Rurais Pignoratícias e Hipotecárias, ou Cédulas Rurais Pignoratícia ou Hipotecária junto com aval ou fiança, ou com qualquer outra garantia. 7. Conclusão Considerando que o Recurso Especial 599.545-SP tem sido fonte de problemas para o meio rural, não só pelo caráter econômico, mas pela fundamentação jurídica adotada pelos três Ministros com votos vencedores, é curial que a matéria seja rediscutida no âmbito dos tribunais e, principalmente, no próprio Superior Tribunal de Justiça, preferencialmente em caso que envolva repercussão geral, a fim de que se alcance nova decisão que prestigie os princípios que regem o crédito rural e à própria legislação rural, de modo a se reconhecer, com segurança, que terceiros possam ser garantidores de emitente de cédula de crédito rural, em qualquer de suas modalidades. Também, espera-se que os argumentos articulados sirvam de base aos Registradores Imobiliários para que continuem registrando cédulas com garantias prestadas por terceiros. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. BARROS, Wellington Pacheco. O contrato e os títulos de crédito rural. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. 2. ESSER, Josef. Precomprensione e scelta del método nel processo di individuazione del diritto. Fondamenti di razionalità nella prassi decisionale del giudice. Napoli, Edizioni Scientifiche Italiane, 1983. 3. FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. Malheiros Editores Ltda. São Paulo: 1995. 4. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro, Forense, 1984. 5. RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas: de acordo com a Lei nº 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2003.