Tabelião de Notas de Canela - RS Quando o proprietário aliena tão somente a nua-propriedade, por venda ou doação, ocorre o que a doutrina costuma chamar usufruto deducto. Dedução, do latim deductione, significa "ação de reduzir; subtração; diminuição; abatimento. O que resulta de um raciocínio; conseqüência lógica; inferência; conclusão". Logo, usufruto deducto, ou deduto, como se queira grafar, outra coisa não é que o usufruto reservado, ainda que não explicitada a reserva, pois ela se deduz. Se, por exemplo, A faz doação ou venda a B da nua-propriedade do imóvel, mesmo que não se faça menção no título, deduz-se a reserva do usufruto, pois sendo transmitida unicamente a nua-propriedade, continua o outorgante como titular da posse direta e do domínio útil, qual seja o uso e a fruição da coisa, posto que alienou mero domínio direto, disposição, posse indireta. Tira-se desse fato, como conseqüência de raciocínio lógico, por dedução, que a propriedade, quando transmitida como nuda, fica diminuída ou subtraída, pelo abatimento, de um dos atributos que lhe são inerentes, qual seja o jus utendi et fruendi, ou em outras palavras, o direito de usar e fruir (usufruto), e o efeito disso é haver transferência apenas de uma das parcelas do domínio, destacado que fica da propriedade, correspondente ao jus abutendi, ou à disposição, além do domínio direto. Desse modo, ainda que silente a escritura quanto à reserva em favor do alienante, está implícita a dedução (deductio), quando do instrumento consta que se trata alienação da nua-propriedade. Assim sendo, transmitindo-se a nua-propriedade, compreende-se que foi alienada meramente a disposição, o domínio direto, significando que algo ficou retido, deduzido, reservado em poder do outorgante. Deducto, portanto. E a esse algo que ficou retido se chama usufruto, que é o direito real de usar e fruir de coisa alheia. Por tal motivo não se pode confundir, como é comum ocorrer, inclusive em algumas das mais renomadas doutrinas e mesmo em decisões jurisprudenciais, reserva e instituição de usufruto, pois embora o instituto seja único, seus efeitos são diversos. O usufruto deducto unicamente pode existir nas situações de reserva, e jamais na instituição, ou constituição. No primeiro caso, não é ele transferido, ficando reservado, como remanescente da propriedade transmitida por bi-partição do domínio, enquanto que na segunda hipótese, diferentemente, o objeto da alienação é o próprio usufruto. Por isso, uma vez que estava a propriedade registrada em nome de A, diga-se, para o exemplo, no R-1 da respectiva matrícula imobiliária, está implícito nesse registro que A detinha o domínio pleno do imóvel, composto de uso, gozo e disposição. Infere-se daí que o uso e o gozo correspondem ao usufruto, além da disposição, e estão contidos no conceito de propriedade, isto é, se o proprietário tem uso e gozo, tem usufruto, que por seu turno se acha constituído, registrado no R-1, como parte integrante e indissolúvel da coisa, mesmo que dela podendo ser temporariamente destacado. Aliás, assume o nome usufruto justamente quando destacado por certo tempo, pois uma vez extinto o usufruto, por qualquer das formas de extinção, a propriedade torna a consolidar-se. Pode alguém transmitir ou reservar o que não possui? Ora, se o outorgante reserva usufruto, é porque usufruto possui, compreendido na propriedade, antes plena, agora bi-partida. Feita a abstração, conclui-se que em caso de alienação da nua-propriedade, não deve haver, como é praxe no sistema brasileiro, novo registro para o usufruto que ficou retido, pena de redundância, bis in idem, duplicidade de registro, não incidindo nesse caso a regra do art. 1.391 do Código Civil brasileiro, ao dispor que o usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constitui-se mediante registro. O código trata, portanto, de instituição em favor de terceiro, não de reserva pelo proprietário. Assim, o uso e a percepção dos frutos produzidos, antes exercidos sobre bem próprio, passam a ser agora exercidos não mais na condição de dono, mas de usufrutuário, então sobre coisa alheia. Ao ingressar no registro predial escritura de alienação da nua-propriedade, resta evidente que deve ser registrado tão somente o que foi efetivamente objeto de transmissão: a nua-propriedade. E nada além disso, pois se nada mais foi transmitido, nada mais pode ser registrado. Para facilitar a compreensão: se, inversamente, A institui usufruto em favor de B (veja-se: instituição, não mais reserva), permanecendo A como nu-proprietário, passando B a ser usufrutuário, o que teria registro senão unicamente o usufruto instituído? Ou se faria um novo registro para a nua-propriedade que ficou com A? É patente que não. A nua-propriedade, no exemplo dado, permanece registrada no R-1. Assim como no R-1 está registrado o usufruto deducto. Pode-se dizer, contraditando, que este não é o entendimento na doutrina predominante, e nem mesmo jurisprudencial. Cita-se jurisprudência do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo (ApCiv 99.458-0/9, j. 27.02.2003. DOE SP 14.05.2003): "Ementa Oficial: O usufruto sempre depende, por sua instituição, do registro, ainda que se tratando de simples reserva. Interpretação do art. 1.391 do novo CC. O imóvel deve ser tido como gravado por uma limitação, um ônus correspondente ao usufruto, uma servidão pessoal, e, para ser constituído e produzir toda sua eficácia, precisa ser inscrito". Vê-se, desde logo, que a decisão contraria o entendimento antes formulado de que não se pode confundir, pelos diferentes significados que possuem, as expressões instituição e reserva. E mais, entendendo (e disso modestamente discordamos) que usufruto somente possa haver por instituição, ainda que oriundo de reserva. Doutrina prevalente e jurisprudência, porém, não devem ser tidos como dogmas, como verdades insofismáveis que não possam estar equivocadas ou sofrer contestações. O operador do direito deve ter as suas próprias convicções, e guardado o necessário respeito, manifestar e praticar segundo elas. Usufruto, por suas nuances, é sem dúvida tema dos mais intrincados e apaixonantes, merecedor de um ou mais tratados de direito. A proposta do estudo desenvolvido, porém, buscou objetividade e concisão, motivos pelos quais não foram feitos maiores esclarecimentos ou apresentadas outras fundamentações doutrinárias e jurisprudenciais a lhe dar suporte, sendo fruto exclusivo de entendimento próprio, lançado na intenção única da meditação por parte de todos os que operam ou se defrontam com o instituto.