A Constituição de 1988 trouxe grandes mudanças e inovações para o notariado brasileiro, especialmente, no que se refere às diretrizes básicas e aos princípios fundamentais da função notarial. O artigo 236, caput, estabelece que os notários são agentes delegados do Poder Público. A função notarial é de suma importância para a sociedade, uma vez que a preservação da sua memória e da sua história estão diretamente ligadas a um sistema notarial eficiente que relate os atos jurídicos e convênios por ela celebrados. Da mesma forma, podemos citar a segurança jurídica gerada pelos atos notariais. Outro fator importante a observar, é o de que um notariado bem organizado e estruturado tem reflexos em vários segmentos da sociedade, inclusive no que se refere à prevenção de litígios, diminuindo o número de ações que tramitam nos foros judiciais. No decorrer deste trabalho analisaremos a história do direito notarial, desde as civilizações egípcias e romanas, após abordaremos a função notarial, com suas atribuições e, por último a função notarial na prevenção de litígios. 1. HISTÓRICO DO DIREITO NOTARIAL A história do notariado está diretamente ligada á história do Direito e da própria sociedade. Por isso, pode-se afirmar que os notários têm relatado através dos tempos, a evolução do direito e da humanidade. A função notarial surgiu com a necessidade de criar meios para fixar e perpetuar os convênios e de redigir os atos jurídicos que as partes queriam celebrar. Antes de surgir a escrita, os negócios eram memorizados pelos "sacerdotes memoristas", cuja integridade era a única garantia das relações negociais. A referência mais remota de que se tem notícia, da figura do notário, está na civilização egípcia, o denominado escriba. Era ele quem redigia os atos jurídicos para o monarca, assim como anotava todas as atividades privadas. Porém, não tinha fé pública e, portanto, os documentos que redigia precisavam ser homologados por autoridade superior. Era possuidor de uma preparação cultural especial. O povo hebreu também teve seus escribas. Existiam as figuras do escriba da lei, o escriba do povo, o escriba do rei e o escriba do Estado. Cabe frisar, que os escribas hebreus também não tinham fé pública. O escriba do povo era o que mais se assemelhava ao notário de hoje, pois era ele quem redigia os contratos. Na Grécia existiam os "mnemons", que eram oficiais públicos que tinham a função de lavrar os atos e contratos dos particulares, cuja função assemelhava-se à notarial. Já o povo romano conheceu as figuras dos "notarii", "argentarii", "tabularii" e os "tabelliones" (Brandeli,1998). Os "notarii" exerciam função semelhante ao do taquígrafo moderno. Escreviam com notas que consistiam nas iniciais das palavras ou em abreviaturas, de significado difundido na praxe. Os "argentarii" exerciam a função de banqueiros. Os "tabularii" tinham por funções o registro das declarações de nascimento, a contadoria da administração pública, a lavratura de inventários de bens públicos e particulares, dentre outras. Eram escravos do público. Os "tabelliones" foram os antecessores do notário de hoje. Lavravam contratos, testamentos e convênios entre particulares. Tinham também como função o assessoramento às partes e a conservação dos documentos. Eram pessoas livres. Porém, foi Justiniano I, imperador bizantino e unificador do império romano cristão, quem transformou a atividade notarial, até então rudimentar, em profissão regulamentada, fazendo-a adquirir maior dignidade e importância. Justiniano proibiu também aos "tabelliones" de delegarem a sua função a um substituto ou discípulo, exceto aos "tabelliones" de Constantinopla. Determinou também, que os "tabelliones" somente lavrassem seus atos em papel que contivesse a marca do nome "comes sacrarum largitionum" e a época da fabricação, para evitar falsificações. Mais tarde, no século XIII, na Universidade de Bolonha, com a instituição de um curso especial, os autores reconheceram na atividade notarial, o ponto central do ofício de notas do tipo latino. A Escola de Bolonha foi, sem dúvida, um importante marco para a história notarial, passando à partir daí, a aprimorar-se cada vez mais dita atividade. Na época em que ocorreram os descobrimentos da América e do Brasil, o tabelião acompanhava as navegações. Tinha por função o registro dos acontecimentos e, inclusive, do registro das formalidades oficiais de posse das terras descobertas. Pero Vaz de Caminha foi o primeiro tabelião a pisar em solo brasileiro, e que narrou e documentou minuciosamente a descoberta do Brasil e a posse das terras, constituindo-se no único documento oficial da descoberta do Brasil. No tempo do Brasil Colônia, a principal fonte do direito eram as ordenações editadas pelo Rei de Portugal - as denominadas Ordenações Filipinas -que foram aplicadas até o início do século XX. O direito português era simplesmente trasladado para o Brasil e aplicado aqui da mesma forma que em Portugal. O mesmo acontecia com a regulamentação do notariado brasileiro, que era simplesmente trasladado para cá, com todos os seus problemas e defeitos. Nessa época, os tabeliães eram nomeados pelo Rei. A investidura em tais cargos dava-se por meio de doação, onde o donatário era investido de um direito vitalício, ou até por compra e venda ou sucessão "causa mortis". Como não era exigido preparo e aptidão para o exercício da função, muitas vezes eram investidas pessoas que não eram merecedoras. Cabia também ao tabelião registrar a fundação de cidades, os desembarques e as conquistas na Colônia, declarando que o colonizador tomava posse em nome do monarca. As autoridades não tinham consciência da importância dos documentos redigidos pelos tabeliães para o direito internacional, até o momento em que iniciou a disputa pela posse da terra por parte de Portugal, Espanha e até mesmo a França, Holanda e Inglaterra. Com isso, criou-se a necessidade de um maior número de tabeliães nas colônias, surgindo assim no Brasil, os primeiros ofícios, cartórios ou paços dos tabeliães. Em 11 de outubro de 1827 foi editada no Brasil, uma lei regulando o provimento dos Ofícios da Justiça e da Fazenda, que passou a proibir que tais ofícios continuassem a ser transmitidos à título de propriedade, e exigindo que fossem transmitidos a pessoas dotadas de idoneidade para tanto e que servissem pessoalmente aos ofícios. Essa lei contudo, não exigia formação jurídica dos aspirantes ao cargo, nem exigia prática na função. Com o advento do Código Civil, em 1916, os instrumentos públicos passaram a ser obrigatórios para diversos atos. Exemplo dessa regulamentação estava disciplinada no artigo 134, que previa a necessidade da lavratura de escritura pública para a alienação ou oneração de imóveis com valor superior ao que estava fixado no referido artigo e nas escrituras de pacto antenupcial. Diversas leis federais e estaduais, decretos e provimentos posteriores trouxeram novas atribuições e inovações à função notarial. Mas foi a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 236, regulamentado pela Lei Federal 8.935, de 18 de novembro de 1994, que regulamentou a função notarial. O Código Civil em vigor, editado pela Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, estabelece no artigo 108, que a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que se referirem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. O artigo 109, do mesmo diploma legal, estabelece que "no negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato". O artigo 215 prevê que a escritura pública lavrada por tabelião é "documento dotado de fé pública". 2 A FUNÇÃO NOTARIAL As diretrizes básicas para o notariado, bem como os seus princípios fundamentais foram regulamentados pela Lei Federal n° 8.935, de 18/11/1994, que em seu artigo 3°, define a função do notário: Art. 3°. Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro. A Lei 8.935/94 trouxe profundas e importantes inovações para o direito notarial brasileiro. Em primeiro lugar, terminou com a discussão que existia se o notário era ou não funcionário público. Definiu serem o notário, bem como o registrador, agentes delegados do Poder Público. Em sua definição são agentes públicos encarregados de exercerem uma função pública, na condição de particulares que executam serviço público em nome próprio, por sua conta e risco, sendo assim, profissionais do direito. Assim, podemos concluir, que o tabelião é um prestador de serviços à comunidade na condição de delegado do Poder Público. Ao notário ou tabelião cumpre lavrar os instrumentos adequados na concretização das vontades das partes, ou seja, formalizando juridicamente a vontade das mesmas, intervindo nos atos e negócios jurídicos, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos, o que equivale a dizer: lavrar escrituras e procurações públicas, ou ainda, testamentos. No ato do reconhecimento, a função notarial implica em atestar que o autor do ato jurídico pretendido é a pessoa que se declara nessa qualidade. A função do notário resume-se na legalização, instrumentalização e autenticação da vontade das partes. A função da legalização reside no fato de que o notário atua como conselheiro, confidente e assessor jurídico das partes. No exercício de sua função, o tabelião deve manter sigilo sobre as informações que lhe são trazidas ao seu conhecimento. A instrumentalização consiste em passar para as notas aquilo que lhe foi declarado conforme permite a lei, amoldando a vontade das partes às normas de direito. A autenticidade coroa o ato jurídico solenemente, instrumentalizado na forma da lei. A função notarial se resume na autorização do instrumento público, porém, complementada por uma série de atos. Assim, a função do notário consiste em receber ou indagar a vontade das partes; assessorar como técnico as partes e com isso dar forma jurídica à vontade das partes: redigir o escrito que se converterá em instrumento público; autorizar o instrumento público, dando-lhe forma pública e credibilidade; conservar o instrumento autorizado; expedir cópias do instrumento. (Alvarez, 1990, p. 01) Ao notário compete o trabalho de assessoramento daqueles que o procuram para a lavratura de atos. Assim, deve o tabelião ter conhecimentos diversos no que diz respeito à tarefa de orientação e aconselhamento das partes, como também tem a necessidade de saber o Direito Civil, praticamente em sua totalidade, inclusive leis esparsas interligadas, pois é o tabelião que elabora os títulos que terão acesso ao álbum imobiliário. Deve assegurar segurança jurídica aos atos e títulos que elabora. A atividade do tabelião engloba o assessoramento e orientação segura das partes na realização de negócios imobiliários, a orientação em qualquer tipo de contratação que as partes queiram realizar, doações, testamentos, atas notariais, reconhecimentos de firmas. Dessa forma, o tabelião deve ser um intérprete do direito na busca da melhor orientação às partes. O artigo 6°, da Lei Federal 8.935/94, estabelece as atribuições fundamentais do tabelião: Art. 6°. Aos notários compete: I - formalizar juridicamente a vontade das partes; II - intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo; III - autenticar fatos. Ao tabelião cumpre esclarecer as partes sobre os riscos que o negócio pleiteado pode lhes trazer. E, nessa orientação, não lhe cabe cobrar emolumentos. Os emolumentos serão devidos somente se o tabelião lavrar algum ato notarial solicitado pelas partes. O simples assessoramento não pode ser cobrado. Dessa forma, o tabelião exerce uma função social de grande profundidade. O tabelião é o verdadeiro agente da paz social, pois exerce um juízo preventivo. Cabe ainda, ao tabelião ser desinteressado, diligente e perito na sua função. A função do notário é prevenir litígios, pondo em prática o direito, a fim de alcançar a harmonia e a paz social. A função social do tabelião está diretamente ligada à convivência pacífica em sociedade, pois deve assegurar a realização voluntária do direito. O tabelião, no exercício de sua função, deve sempre agir com imparcialidade, atendendo com igualdade e eqüidade as partes, pois, muitas vezes, transforma-se num conselheiro das mesmas, aconselhando-as em seus problemas familiares, econômicos e morais. 3 A FUNÇÃO NOTARIAL NA PREVENÇÃO DE LITÍGIOS A função do tabelião é a de prevenir e precaver os riscos futuros que a incerteza jurídica possa trazer. Deve agir com prudência, combatendo incertezas e prevenindo os seus clientes de riscos. Deve proteger as partes com igualdade, alertando-as e livrando-as com imparcialidade dos enganos. É flagrante a importância da atuação ativa e consecutiva da instituição notarial na realização do Direito, a ponto de ousarmos dizer que não pode uma sociedade evoluída e bem organizada abrir mão desta instituição, sob pena de um ônus social demasiado. E esta intervenção do notariado na realização do Direito se dá pelo exercício típico e regular de seu ministério. (Brandelli, 1990, p. 75) As atribuições dos tabeliães de notas estão elencadas no artigo 7°, da Lei Federal 8.935/94: Art. 7°. Aos tabeliães de notas compete com exclusividade: I - lavrar escrituras e procurações públicas; II - lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados; III - lavrar atas notariais; IV - reconhecer firmas; V - autenticar cópias. Parágrafo único. É facultado aos tabeliães de notas realizar todas as gestões e diligências necessárias ou convenientes ao preparo dos atos notariais, requerendo o que couber, sem ônus maiores que os emolumentos devidos pelo ato. É mister que no desempenho de sua função, o tabelião conheça os institutos jurídicos e os modos de realização do direito para a perfeita instrumentalização dos atos. Os atos que o tabelião pratica devem estar revestidos de segurança jurídica, a fim de que produzam eficácia no mundo jurídico, alcançando, com isso, o interesse e a satisfação das partes. Em conseqüência, as partes deixam de recorrer a outras medidas para resguardar os seus direitos subjetivos privados, podendo-se, entre elas citar os processos judiciais. Poder-se-ia, com isso dizer que o tabelião exerce uma magistratura precautória, livremente escolhida pelas partes. CONSIDERAÇÕES FINAIS Podemos concluir diante do que foi estudado, que a função do tabelião não se resume a de ser um simples instrumentalizador e autenticador de documentos. No exercício de sua função, o tabelião é um orientador, assessor, conselheiro e, acima de tudo, um profissional do direito que presta um serviço de relevante importância social para o mundo jurídico, uma vez que após captar a real vontade das partes, deve elaborar os documentos de acordo com o ordenamento jurídico. Além disso, o tabelião assume a responsabilidade por todos os defeitos formais que o documento elaborado por ele possa ter. A importância da função notarial reflete-se nos demais ramos do direito, especialmente na esfera judicial, onde o tabelião exerce um importante papel no auxílio da redução das demandas judiciais. Não resta dúvida, de que o tabelião no exercício de sua função, quer seja como orientador, conselheiro, mediador ou na elaboração dos documentos, segundo o ordenamento jurídico, contribui na busca da harmonia e da paz social. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ÁLVAREZ, Pedro Ávila. Derecho notarial. 7. ed. Barcelona: Bosch, 1990. BRANDELLI, Leonardo. Teoria geral do direito notarial. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1998. CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e dos registradores comentada (lei n° 8.935, de 18-11-1994). São Paulo: Saraiva, 1996. COMASSETTO, Míriam Saccol. A função notarial como forma de prevenção de litígios. Porto Alegre: Norton, 2002.