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Família, Homosexualidade e Adoção de Menores: Um Tino Epistemológico

1. INTRODUÇÃO O Direito é Ciência Jurídica que perscruta o "mover social", sendo este movimento evidenciado pela evolução, extinção ou retrocesso de valores, costumes, regras e tratados instituídos pela cultura, política, filosofia e religião presentes em uma determinada sociedade humana. Assim dá-se o conhecimento dos fatos sociais pelo Direito e, consequentemente, sua regulamentação transformando-os em atos jurídicos sancionados e que produzem efeitos declarativos, extintivos ou constitutivos de direito, seja pelos princípios, pela lei ou pela jurisprudência. Com essas breves considerações aborda-se neste artigo a questão da "adoção homoafetiva". O estudo em torno do assunto perpassa obviamente pelos polêmicos temas da homossexualidade e das novas entidades familiares, além de breve estudo do próprio instituto da adoção; sendo este requerido pelo casal ou indivíduo homossexual, as prerrogativas da cidadania deduzida dos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da liberdade permitirão o exercício pleno do direito? As controvérsias de âmbito social, jurídico e religioso realmente se espelham todas na discriminação e no preconceito? Será nesse sentido que se percorrerá a presente pesquisa em busca de respostas por um viés epistemológico, onde se encontra a interseção do conhecimento através dos vínculos avaliativos de cada área explorada. 2. A FAMÍLIA - BREVE HISTORICIDADE O ser humano não é gerado ao acaso, não surge aleatoriamente do nada e mesmo por processos de fecundação por inseminação artificial, tão desenvolvidos pela ciência pós-moderna, ou por possível clonagem, não é simplesmente copiado ou produzido em pequena ou grande escala em laboratórios ou indústrias. À mulher cabe a função biológica de genitora, como ser sexuado e, para a procriação, dependente do sexo oposto: o homem. Não necessariamente devendo ter relações sexuais, afetivas ou jurídica com esse genitor. Ao nascer, o homem vê-se inicialmente no seio de uma família, mesmo que seja unicamente com sua genitora, sem colaterais, sem afins e sem ascendentes e por um período mínimo que seja de tempo caso aquela venha a falecer ou abandoná-lo após o parto. Numa concepção de família formada pelos laços sangüíneos, tanto hoje como na mais remota sociedade da civilização humana existiu o fator procriação, dependendo-se de ambos os sexos para a constituição de uma nova família, quer seja esta reconhecida ou não de acordo com os costumes, cultura e, caso possuam, normas jurídicas de uma sociedade. Entretanto, procriar era crucial desde o início da humanidade para perpetuar não somente a espécie como também o poder, a honra, os costumes e conhecimento, e primordialmente o patrimônio da família sob a égide do patriarca. Por este sistema os laços sanguíneos eram identificados pela figura do pai. O afeto era elemento mínimo de aproximação na relação entre os homens, assim como nos animais. O afeto não era elemento essencial para a constituição da família. No século XX o movimento feminista tomou ímpeto em todo o mundo, principalmente após a revolução russa de 1917 que garantiu à mulher o direito de voto. Em seguida, com o fim da 2ª grande guerra mundial e a promulgação da Declaração Universal dos Direito Humanos de 1948, acentuaram-se as garantias e direitos individuais e coletivos atingindo o seio familiar, sendo o casamento estabelecido em paralelo com a igualdade formal entre o homem e a mulher como único ato gerador da instituição família, como se depreende do artigo XVI, in verbis: Artigo XVI 1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução. Em análise profícua de Ana Carolina Brochado Teixeira[2] "a família sofreu grandes modificações no decorrer dos tempos. Ela era marcadamente patriarcal, nuclear, heterossexual, dominada pela figura do pai, que lhe dava o nome, era seu chefe e gerente, representante do grupo familiar, cujos interesses sempre prevaleciam sobre as aspirações dos membros que a compunham". A sociedade brasileira se moldou aos novos valores e conceitos do mundo ocidental. Em resumo, fatos de extrema relevância que colaboraram para essas mudanças, tais como: fim da ditadura militar nos anos 80 com ensejo às eleições diretas, abertura econômica e sócio-cultural como reflexo da ideologia da globalização em expansão, declínio do patriarcalismo, expansão do mercado de trabalho e inserção da força de trabalho feminina, e, por fim, o estabelecimento de um sistema político-jurídico constituindo-se a República em Estado Democrático de Direito com a promulgação da Constituição Federal de 1988. A CF/88 em seus artigos 226 e 227, apesar de sustentar o matrimônio pelo ato do casamento, trouxe à tona em seu texto os novos paradigmas desenhados pelas mudanças sociais, dentre eles o reconhecimento da união estável, da família monoparental, igualdade de direitos e deveres na sociedade conjugal entre o homem e a mulher, e igualdade entre os filhos havidos ou não da relação do casamento, como é o caso daqueles que são adotados. Destarte, preleciona a ilustre mestra Thaís Câmara Maia Fernandes Coelho[3] sobre os novos modelos de entidades familiares: "a família passou a existir em função de seus indivíduos que se relacionam pela valorização da afetividade, reconhecida juridicamente, passando a um tipo aberto, e não mais concentrado pelo poder do patriarca (pátrio poder) e pelos fatores econômicos ou de reprodução". As entidades familiares passaram a se configurar por três características: afetividade, como elo da relação familiar; estabilidade, na comunhão sem meros relacionamentos casuais; ostensibilidade, que caracteriza a exposição pública da relação como uma família. Conquanto, a CF/88 não pontuou e não esclareceu relações conjugais que já se apresentavam como entidades familiares à época, como foi a questão da relação homoafetiva e da família anaparental. Sobre esses dois modelos preleciona Dias (2007, p. 46): "O conceito atual de família não se restringe mais ao conceito de casamento. Também não se pode afirmar que é necessária a diversidade de sexo para gerar efeitos no âmbito do direito das famílias. Igualmente, a diferença de gerações não pode servir de parâmetro. (...) A convivência entre parentes ou entre pessoas, ainda que não parentes, dentro de uma estruturação com identidade de propósito, impõe o reconhecimento (...) de entidade familiar (...) com o nome de família anaparental". Importante registrar o projeto de Lei nº. 2.285/2007, de autoria do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família - e protocolizado no Congresso Nacional pelo deputado federal Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA), que tem como principal objetivo a atualização legislativa com a realidade das novas configurações das famílias no Brasil. Essa lei cria o "Estatuto das Famílias" que traz consigo, além dos princípios e normas constitucionais, uma legislação que alcança a atual realidade social do país, preenchendo lacunas do atual Código Civil, e contemplando em si um procedimento jurisdicional exclusivo para o processo, de forma a atender as lides familiares pelo Judiciário com um tratamento específico, ágil e menos formal. Destaca-se nessa lei um novo conceito formador da união estável a partir do estado civil de "convivente" (art. 63 do PL) e não mais do "homem e a mulher", abrangendo, assim, relações familiares diversas como as uniões homoafetivas, aplicando-se a estas todos os efeitos jurídicos pertinentes tais como: regime de bens, sucessão, adoção, e outros. 3. HOMOSSEXUALIDADE - ENTIDADES FAMILIARES HOMOAFETIVAS 3.1 Enfoque pelo Direito Em análise profícua de Alexandre de Moraes (apud BAHIA, 2006, p. 48): "(...) a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos". O princípio da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República, como disposto no artigo 1º e inciso III da CF/88 que rege, também, pelo inciso II, o direito à cidadania. As garantias individuais da liberdade, privacidade, intimidade e vida são concedidas amplamente pela Constituição, provenientes do princípio da dignidade da pessoa humana. Não há referências quanto à orientação da afetividade sexual do indivíduo e muito menos correlação com qualquer restrição a direitos e garantias, ou desmedida quanto aos deveres e obrigações no que se refere à pessoa do homossexual. Dispõe o art. 5º caput, X, da CF/88, que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza", sendo "invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas". Daí se insurge a proteção jurídica contra qualquer ato discriminatório ou preconceituoso de qualquer natureza [moral, política, religiosa, social] que venha atingir tanto a pessoa do heterossexual quanto do homossexual. Salientamos a pessoa humana, indiferente a sua orientação sexual. Esta orientação se refere à individualidade da pessoa em sua identidade sexual, não ao desejo sexual em si. De outra forma, atos libidinosos relacionados à Parafilia[4] se incluiriam nessa proteção jurídica contrariando leis penais que incriminam, por exemplo, a prática da pedofilia. Outro fundamento da República, a cidadania, garante o pleno exercício dos direitos civis e políticos de um Estado ao indivíduo, indiferente à sua orientação sexual. A cidadania não se choca com os princípios da personalidade e da individualidade, apenas exige requisitos de capacidade civil da pessoa natural para que esta exerça de forma plena o gozo de seus direitos civis e políticos. Silva Júnior (2007, p. 76) em brilhante monografia disserta: "Apesar de se poder, frente ao moderno Direito de Família e ao espírito Jurídico-protetor da Constituição Federal de 1988, considerar a união afetiva entre homossexuais como entidade familiar, o Brasil figura entre as nações cujo ordenamento simplesmente impede a criminalização, não articulando, no entanto, qualquer medida protetiva eficaz aos direitos fundamentais dos homossexuais. As tentativas, pela via legislativa, infelizmente, encontram-se frustradas, pela razão, em especial, de pontuais atrofias intelectuais e religioso-doutrinárias preconceituosas, (...) que têm impedido uma atuação do Poder Legislativo". Polêmica maior se estende quando se trata da união civil entre pessoas de mesmo sexo. Da mesma forma há ausência no texto constitucional e de uma lei infraconstitucional que especificamente declare e constitua a união homoafetiva como uma entidade familiar, o que serviria para clarear ou mesmo extinguir a necessidade de se aplicar uma hermenêutica que não colidisse dubiamente com o numerus clausus existente no art. 226 da CF/88. As conseqüências são diversas e, quando da pretensão de adoção por casais homossexuais, mais ainda se acentua a dificuldade que enfrenta o Judiciário ao lidar com a questão. O Estado, a quem compete exclusivamente "dizer o direito", não pode se eximir de estabelecer o que é justo para cada um [art. 5º XXXV da CF/88], mesmo na ausência de lei. Para isto deve valer-se da exegese, dos princípios gerais do direito, dos costumes, da doutrina e da jurisprudência, conforme elencado no art. 4º da LICC [Lei de Introdução ao Código Civil]. Desta forma, os doutrinadores, juristas e operadores do Direito se divergem quanto à aplicação análoga da união estável à união homoafetiva. O disposto no § 3º do art. 226: "Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar", é incisivo em seus termos, mesmo que contrarie o entendimento de alguns. Outro dispositivo normativo em que se ampara parte da doutrina favorável à união homoafetiva é o conceito de família abstraído da Lei Maria da Penha [Lei 11.340/06]. Consideramos "abstraído", pois não está claro e objetivo a definição de um modelo familiar homoafetivo, além de que a lei trata especificamente dos meios para se coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Diz o seu art. 2º, in verbis: Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. [Grifo nosso]. Ora, nítida é a interpretação pela simples leitura do dispositivo supra que se emoldura por um viés dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da liberdade, que garantem a não-discriminação de qualquer natureza tanto ao homem quanto à mulher. A orientação sexual da mulher está inserida no direito da liberdade em sua intimidade e vida privada. O direito à intimidade integra a categoria dos direitos da personalidade, e sobre este disserta Bahia (2006, p. 53): "Decorrência congênita da recognição jurídica da dignidade da pessoa humana é a proteção dos direitos da personalidade, uma vez que, estes, conforme nos ensina Elimar Szaniawski, representam o conjunto de caracteres do próprio indivíduo; consistem na parte intrínseca da pessoa humana, tornando-se, assim, o conteúdo mínimo imprescindível da esfera jurídica de cada pessoa, tendo relação com a vida, saúde, integridade física, honra, liberdades física e psicológica, nome, imagem e reserva sobre a privacidade e intimidade". Portanto, apenas pelo fato do texto legal em comento enumerar distintas qualidades inerentes a uma pessoa incluídas nos direitos fundamentais, não há que se falar em que uma delas, a orientação sexual, seja a geradora de uma nova concepção de entidade familiar estabelecida pela referida lei. Caberia como pressuposto a uma interpretação analógica pelos fatos no caso concreto, mas não a um entendimento absoluto e constitutivo legal da união homoafetiva como uma entidade familiar. A existência social da família homoafetiva é fato, mas não ainda a sua existência perante o ordenamento jurídico, como já demonstrado pelas entidades familiares reconhecidas pela CF/88. Por outro lado, importante registrar exemplo jurisprudencial que evidencia a mudança de pensamento corrente nos tribunais seguindo o clamor social. Na Apelação Cível 70.003.016.136, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o revisor do acórdão, Des. Rui Portanova, reconhecendo ausência de legislação pátria específica sobre a vinculação da relação homossexual à união estável, fundamentou que "(...) a solução para a hipótese de união homossexual seguirá, pela via analógica, as mesmas conseqüências das previsões legais a respeito das uniões estáveis (...). A semelhança relevante de ambos os casos é o afeto informal (...). Os amantes, que hoje vivem em união estável, também sofreram as agruras e as discriminações que hoje sofrem as famílias homossexuais. Esta é a semelhança histórica relevante que, por igual, faz aproximar algo que hoje está regulado (a união estável), com algo que ainda aguarda regulação legislativa". Apesar de pleiteados os direitos com fundamento no vínculo afetivo a união homossexual é considerada pela maioria dos Tribunais como "sociedade de fato", ocasionando a ruptura desta com o Direito de Família e a inserindo no Direito Obrigacional, por conseguinte, aprecia-se a relação econômica e não a relação afetiva. 3.2 Enfoque pela Psicologia e Psiquiatria Dissertando sobre a homossexualidade, de acordo com BAHIA (2006, p.96) no campo da psicologia foi vista, inicialmente, como uma perturbação mental para, depois, nas obras do médico Dr. Sigmund Freud, ser encarada como obra do acaso, sem que existisse um planejamento ou que fosse uma opção a ser eleita, razão pela qual a postura freudiana ganhou relevância por externar uma tolerância ao tema. Atualmente o Homossexualismo, segundo os especialistas, é considerado uma "alteração" da orientação sexual. Primeiramente, "alteração" não pode ser considerada uma doença, não é um mal físico. Como salienta Dias (2007, p. 182) "por muitos anos a Medicina pesquisou o sistema nervoso central, os hormônios, o funcionamento do aparelho genital e nada encontrou de diferente entre homo e heterossexuais". Em segundo, "da orientação" significa se a pessoa está com sua sexualidade orientada para o sexo oposto ou para o mesmo sexo. Neste sentido discorre o psicólogo Dr. Araújo[5]: "Para a Psicologia ou para a Psiquiatria resta conhecer da afirmação consciente do indivíduo em sua identidade sexual, se este não convive com um transtorno emocional proveniente da incerteza ou do convívio social desestruturado pelo preconceito, pela discriminação ou pela rejeição". Apesar de muito se falar na desconsideração do homossexualismo como uma doença e consequentemente a retirada definitiva do termo na lista dos distúrbios mentais e emocionais do CID-10 em sua revisão de 1995 substituindo-se o sufixo "ismo" [doença] pelo sufixo "dade" [modo de ser], como ponderam Silva Júnior (2007, p.63) e Dias (2007, p. 182), ainda se identificam no CID-10 estabelecido pela OMS - Organização Mundial de Saúde - três manifestações de transtornos psicológicos e comportamentais associados ao desenvolvimento sexual e à sua orientação[6]. Dentre elas o código F66.1 - orientação sexual egodistônica. Deste código extraímos o texto "... pode buscar tratamento para alterá-la." Ora, o termo "tratamento" na concepção medicinal refere-se a uma necessidade de se curar, ajustar, medicar, tendo em vista uma causa danosa biológica ou psíquica que aflige o ser humano. Para este caso tanto pode ocorrer com o indivíduo homo, hetero ou bissexual. O que não se pode é omitir a homossexualidade desse fato. Ressaltamos a nota de que "a orientação sexual por si não deve ser vista como um transtorno". 3.2.1 Opção ou orientação sexual? Neste sentido, Ferraz (2008) esclarece que a criança ao nascer terá sua identidade sexual reconhecida pelos caracteres sexuais primários. Se irá confirmar ou não sua identidade sexual, dependerá da complementação de caracteres secundários: os testículos nos meninos e ovário nas meninas e também de um processo mais complexo: o sexo psicológico, que se desenvolverá com o passar dos anos. Se no fisiológico, as pessoas podem ter sua identidade sexual definida a partir da presença de órgãos sexuais próprios de cada gênero, o mesmo não ocorre com o sexo psicológico. Assim, a sexualidade vai de uma escala variante de um comportamento extremamente feminino numa mulher, passando por pouco femininas, masculinizadas e até homossexuais femininas; da mesma forma nos homens pouco masculinos, homens feminilizados e homossexuais masculinos. O termo orientação sexual é considerado mais apropriado do que opção sexual ou preferência sexual. Mas por quê? Estudos recentes realizados dentro da sexualidade mostram que ainda na infância, a tendência sexual começa a se desenhar - motivo este o termo opção sexual é inadequado, uma vez que a tendência sexual começa a se manifestar mais ou menos aos sete anos de idade. Neste período a criança ainda não possui uma capacidade avaliativa e que possamos chamar de "escolha". Assim, a orientação sexual indica o gênero que uma pessoa se sente preferencialmente atraída física e/ou emocionalmente. Essa orientação pode ser: assexual [indiferença à prática sexual], bissexual, heterossexual, homossexual ou pansexual [atração estética, amor e o desejo sexual por qualquer um, incluindo pessoas que não se encaixam no gênero macho/fêmea implicado pela atração bissexual]. 3.3 Enfoque pela Religião Para consecução deste enfoque deve-se delinear o sistema religioso majoritário do povo de nosso país, haja vista o Brasil ser um Estado laico e que não laicizou o seu povo, não retirou seus traços culturais e religiosos herdados pelo catolicismo português, o candomblé[7] dos escravos negros, o protestantismo holandês, e nem mesmo o animismo[8] dos indígenas de nossa terra. Destarte, apenas no Preâmbulo da CF/88 há a referência ao nome de Deus. Sabe-se que o Preâmbulo é a parte preliminar solene da Lei Constitucional, é a sua promulgação pelo povo representado de forma legítima pelo Poder Constituinte Originário. Eis o texto, Ipsis literis: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (BRASIL. Constituição. 1988) O jurista Alexandre de Moraes (MORAES, 2005, p.15) define o Preâmbulo como documento de intenções do diploma, e consiste em uma "certidão de origem e legitimidade" do novo texto e uma proclamação de princípios. O Preâmbulo não é juridicamente irrelevante, uma vez que deve ser observado como "elemento de interpretação e integração dos diversos artigos que lhe seguem". Desta forma, o Estado, sendo instituído pelo povo não adota na lei nenhuma religião oficial, ou mesmo crenças e costumes culturalmente enraizados nesta nação, por isso se diz laico. Entretanto, o Estado suplica antes mesmo da Lei, a proteção de Deus, e não de um "deus" qualquer entre vários deuses, pois o vocábulo é enunciado na sua forma maiúscula, como um substantivo próprio, um nome próprio, o Deus do Cristianismo: Jesus Cristo. Essa conclusão não é mera conjectura ou um proselitismo[9]. Antes de se adentrar em matéria de estudo científico-teológico sobre essa proposição, faz-se necessário a exposição de dados factuais constantes de estatísticas do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O censo demográfico[10] 1991/2000 aponta o povo brasileiro em sua quase totalidade religiosamente firmado na fé cristã. Por seus dados estatísticos infere-se que, em aproximadamente dez (10) anos -1991 a 2000, assim se apresentava a população quanto à religião cristã, nesta ordem: maioria católica com razoável decréscimo - 83,0 % em 1991 e 73,6 % em 2000 -, e minoria evangélica com considerável ascensão - 9,0 % em 1991 e 15,4 % em 2000. As demais profissões de fé como: os espíritas, umbandistas e caboclos, outras religiosidades [islamismo, budismo, gnósticos, etc.], além daqueles que se declararam "sem religião", não se compreendem no contexto do Cristianismo, apesar de reconhecerem Jesus Cristo como um grande profeta, filósofo, anjo, manifestação divina, ou qualquer outra concepção, não o aceitam como Deus único para lhe prestar culto e seguir exclusivamente seus ensinamentos. Pressupostos necessários à fé cristã, como será demonstrado adiante. Ora, pela análise dos dados conclui-se que 92 % da população brasileira [católicos e evangélicos] se declarava cristã no ano de 1991, pouco tempo após a promulgação da Constituição Federal em 5 de outubro de 1988 e vigente até a presente data. O que leva a deduzir, com desconsiderável pequena margem de erro, que o povo brasileiro cristão era maioria próxima ou superior aos 90% quando instituiu o novo modelo constitucional do Estado Brasileiro em 1988, e ainda o é majoritariamente entre 80% e 90% da população atualmente. Para compreensão da magnitude dessas considerações quanto ao enfoque religioso para a homossexualidade, deve-se tecer alguns entendimentos sobre o Cristianismo. O Cristianismo firmou-se como uma religião de origem divina. Seu fundador foi o próprio Filho de Deus, enviado como Salvador e construtor da história, junto com o homem. Ser cristão, portanto, é engajar-se na obra redentora de Jesus Cristo, tendo como base a fé em seus ensinamentos. À vista disso o Novo Dicionário da Língua Portuguesa de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira conceitua "Cristianismo" como sendo o conjunto das religiões cristãs baseadas nos ensinamentos, na pessoa e na vida de Jesus Cristo: o catolicismo, o protestantismo, e religiões ortodoxas orientais. Portanto, o povo cristão brasileiro (católicos e evangélicos) segue os preceitos e dogmas de sua fé oriundos dos ensinamentos de Cristo registrados na Bíblia Sagrada[11]. O art. 5º incisos IV, VI e VIII da CF/88 dispõe ser "livre a manifestação do pensamento", ser "inviolável a liberdade de consciência e de crença", além de garantir que "ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa". Assim posto, por esses fundamentos pode-se partir para uma análise religiosa cristã da homossexualidade, inclusive com base no posicionamento de caráter público de duas eminentes e respeitáveis autoridades religiosas: uma representativa da Igreja Católica Apostólica Romana[12] e outra das Igrejas Evangélicas[13]. O que diz a Bíblia Sagrada a respeito da homossexualidade? Deus condena a prática do homossexualismo, incluída, dentre outras, no rol de uniões abomináveis à natureza humana original criada por Ele. A Lei Divina instrui estabelecendo normas de convivência entre os homens que se corromperam pela conduta ilícita que infringe a ética cristã[14]: o pecado. Neste sentido encontramos no texto bíblico em Levítico (18,22) "Não te deitarás com um homem, como se fosse mulher: isso é uma abominação." E o mesmo livro de Levítico (20, 13) reitera "Quando também um homem se deitar com outro homem, como com mulher, ambos fizeram abominação; certamente morrerão; o seu sangue será sobre eles.". Da mesma forma verificamos o repúdio Divino no Novo Testamento no livro de Romanos (1, 26-27): "Pelo que Deus os abandonou às paixões infames, porque até as suas mulheres mudaram as relações naturais em relações contra a natureza. Do mesmo modo também os homens, deixando o uso natural da mulher, arderam em desejos uns para com os outros, cometendo homens com homens a torpeza, e recebendo, em si mesmos, a merecida punição do seu erro." Pelo texto "(...) a merecida punição do seu erro." se traduz que o objeto da ilicitude é a prática do pecado, o ato libidinoso, e não o seu autor. A Bíblia condena o pecado do homem e não o homem do pecado, no entendimento de que todos os homens tendem ao pecado por nascerem com ele [princípio do pecado original], mas pode ou não cometê-lo pelo livre arbítrio de se obedecer ou não às Leis do Criador. Assim como "o direito penal do fato que está construído sobre o fato-do-agente e não sobre o agente-do-fato (direito penal do autor)" (TOLEDO, 1994, p. 235), ou seja, pune-se em nosso sistema jurídico o agente pelo que faz e não pelo que é decorrente de seu modo de ser ou seu passado voltado para a prática delituosa. A cominação da pena ao tipo penal na Bíblia no caso da homossexualidade, ou seja, o que é imposto como sanção às relações sexuais abomináveis pela ética cristã está prescrito no livro de Romanos (6, 23): "Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor." De fato, a morte era a pena física e espiritual prevista para aqueles que praticavam o homossexualismo, como já vimos na citação supra dos textos bíblicos no livro de Levítico. Entretanto, a partir do Cristianismo, pelos ensinamentos de amor, fé e obediência às Leis Divinas apregoados por Jesus Cristo, a pena imposta à prática do pecado passou a ser apenas a morte espiritual - a exclusão do pecador do acesso ao Reino de Deus. Mas ao que se arrepende e segue a Cristo, segundo sua doutrina, Deus concede gratuitamente a vida eterna. A ilação desses argumentos é a da não aceitação óbvia, sob o enfoque religioso, da homossexualidade e, consequentemente, a da não aprovação da adoção para os homossexuais. A religião [cristã] respeita o indivíduo homossexual, porque Deus o ama e o quer salvo e liberto do pecado tanto quanto toda a humanidade, mas é contrária à prática e vivência no homossexualismo. Este posicionamento é contraposto às alegações dos ativistas GLBT e simpatizantes de que a religião é uma dentre outras ideologias que incentiva a "Homofobia" - o medo, aversão ou ódio irracional aos homossexuais - e consequentemente causando a discriminação e a violência contra gays, lésbicas, travestis e transexuais. A Homofobia produziria então um retrocesso na evolução de valores morais sociais o que afetaria o reconhecimento de direitos fundamentais, igualitários aos homossexuais, dentre eles os da legalização das uniões homoafetivas e do direito de adoção pelos casais dessas uniões. Nota-se, como já visto neste estudo e sob o enfoque jurídico, que essas alegações são improcedentes, não passam de meros subterfúgios para pressionar a sociedade e o Legislativo na elaboração de leis como o PL 122/06 - projeto de lei que caracteriza como crime toda forma de exclusão, discriminação, violência e crítica à manifestação de afetividade dos homossexuais e à própria pessoa do homossexual. Cria-se, assim, uma casta exclusiva na sociedade, já que a CF/88 garante a todos sem distinção de qualquer natureza a igualdade perante a lei. A Homofobia é fato? Sim, mas deve ser combatida de acordo com os casos concretos e sob o feixe de normas e princípios jurídicos inerentes à dignidade da pessoa humana que a todos, uniformemente, é de direito. Do exposto, contraria-se, data máxima vênia, as argumentações de ilustres autores que tratam da questão da homossexualidade e a religião de forma anêmica e desprendida de um estudo adequado, minucioso e, por fim, que dedique o devido respeito e atenção à imensa maioria da nação brasileira cristã que conclamou a Deus para proteger as leis supremas da CF/88. Não se deve pressupor genericamente que a religião trata a questão da homossexualidade relegando-a a promiscuidade e imoralidade, dispensando ao homossexual o preconceito ou discriminação social, ou condenando-o à justiça divina. Ora, se a religião quase totalitária no país é a cristã, sabe-se, como já demonstrado, que o Deus a que se venera em adoração não é outro senão o Cristo das escrituras sagradas: a Bíblia, e esta indaga ao povo que clamou pela proteção de Deus no preâmbulo de suas leis soberanas e democráticas: "Não sabeis vós que a quem vos apresentardes por servos para lhe obedecer, sois servos daquele a quem obedeceis, ou do pecado para a morte, ou da obediência para a justiça?" (ROMANOS. 6, 16) 4. ADOÇÃO 4.1 Conceito A adoção é um ato de amor e solidariedade. Acima de tudo de amor, pois recompensa o vazio existencial da psique humana, a fatalidade da vida na ausência de um filho que se perdeu e a incapacidade biológica da procriação. Vai além, alcança a benevolência, própria do que ama, pela consciência no bem-estar do próximo e não somente pela satisfação de interesses e necessidades pessoais. É amor excelso que ultrapassa as barreiras culturais, étnicas, sociais e econômicas, tecendo um novo fio em vínculo de afeto e carinho à parentela por consangüinidade e às relações por afinidade, transformando, assim, o arranjo familiar pela adição de mais um, mais dois, mais três... De acordo com Pereira (2004, p. 392) a adoção é "o ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outro como filho, independentemente de existir entre eles qualquer relação de parentesco consangüíneo ou afinidade". 4.2 A tutela normativa da adoção O instituto da adoção é amplamente tutelado pelo ordenamento jurídico e isso se deve à sua função social e pelo conteúdo a que se destina, sendo um dos principais mecanismos que envolvem a família, a sociedade e o Estado para assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-la a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Esse tratamento prioritário, a proteção integral, previsão do art. 227 da CF/88, deve-se à condição de pessoas em desenvolvimento, cujo melhor interesse deve ser preservado a qualquer custo. É a manifesta ratificação e adesão do Brasil ao Princípio do Melhor Interesse da Criança, instituído pela Declaração dos Direitos da Criança proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1959. O seu princípio 7º dita: "Os melhores interesses da criança serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais". Na CF/88 destaca-se o instituto da adoção nos §§ 5º e 6º do art. 227. No § 5º vê-se que as regras do processo de adoção são atualmente impostas e assistidas pelo Poder Público e não mais como outrora em seu caráter contratualista entre o adotante e o adotado, no entender de Gonçalves (2005, p. 329). No § 6º revelam-se também outros dois princípios do Direito de Família: da Afetividade e da Igualdade. Os filhos adotados passaram à mesma condição de igualdade de direitos e deveres que os filhos biológicos, desaparecendo definitivamente as variações adotivas que discriminavam o menor pela valoração negativa do afeto ante a prole por consangüinidade. Assim, "a adoção é irrevogável", como dispõe o art. 48 caput do ECA. Quanto à sistematização do instituto da adoção no texto infraconstitucional está preceituada nos artigos 1618 ao 1629 do Código Civil de 2002 - lei geral que cuida da adoção do nascitura e dos maiores de dezoito anos, sendo que não revogou as disposições da lei especial: o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, que trata de adoção para os menores de dezoito anos - artigos 39 ao 52. 4.3 Adoção e a realidade social A causa que levou à aplicação do mecanismo da adoção advém de fatores provenientes da realidade social e que demandam ações imediatas de políticas públicas do Estado, de forma a minimizar substancialmente as mazelas que corroem os valores humanos, éticos, religiosos, solidários, que ainda sustentam a dignidade de uma grande população relegada à miséria por um modelo histórico-econômico concentrador de riquezas, injusto e desumano. A realidade social do nosso país é "o outro lado da moeda" e que precede à adoção que é meio para reintegrar a criança ao seu processo de socialização[15] primária nos moldes de uma família. A intervenção do Estado na vida do menor, no caso da adoção, se dá através de aplicação de medidas específicas de proteção elencadas no art. 101 do ECA; dentre elas o abrigo em entidade merece atenção por ser, conforme o parágrafo único desse artigo, "medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em família substituta", colocação esta que se dará pelos institutos da guarda, tutela ou adoção. O abrigo é entidade que se presta à política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente. Está qualificado pelo ECA no art.90 e inciso IV, sendo que suas atribuições estão relacionadas no artigos 92 e 93. Dentre elas as constantes dos incisos I e II do art. 92 merecem destaque para este estudo, pois trata dos princípios prioritários na execução de seu programa, sendo em primeiro lugar a "preservação dos vínculos familiares" e "integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família de origem". Desta forma, a reintegração da criança sob sua guarda à família de origem preserva os vínculos afetivos entre os pais e seus filhos. Esse projeto se fundamenta na valorização da família como base da sociedade, preceito constitucional. Contudo, a adoção nem sempre é a medida imediata cabível para salvaguardar o futuro familiar de uma criança, pois a maioria delas que se encontra nos abrigos de todo o país possui um vínculo familiar do qual não foi destituída legalmente para ser habilitada a um processo de adoção, haja vista a Lei [ECA art. 19] estabelecer que "toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta". Através de dados recentes Mendonça (2008), em artigo [Revista Época] sobre a adoção no Brasil, assinala: "[...] milhares de crianças brasileiras. De cerca de 80 mil que vivem em abrigos do país, cerca de 87 % não estão ali por ser órfãos. São meninos e meninas que têm referências familiares e, por isso, não estão disponíveis para a adoção. Vivem na fronteira entre duas possibilidades que anulam uma à outra e transformam não só o seu futuro, mas também seu dia-a-dia em incerteza". No mesmo sentido a assistente social Glória destaca que o seu trabalho é a reintegração familiar. "O retorno à família é muito mais importante que a adoção em si. Não são todas as crianças que estão aqui para serem adotadas"[16]. Com as atenções voltadas para a questão o Congresso Nacional, através do Projeto de Lei 6222/05[17] do Senado que define novas regras para a adoção de crianças e adolescentes alterando normas respectivas da Lei 8.069/90 [ECA], pretende limitar em dois anos o prazo de permanência de crianças em "instituição de acolhimento" [nova nomenclatura para abrigo definida pelo projeto] e sem estarem inscritas no cadastro nacional de adoção, que está sendo implantado pelo Conselho Nacional de Justiça. O tempo alto de permanência da criança na instituição torna crítico o seu processo de adoção, pois "o descompasso entre a quantidade de pessoas interessadas em adotar e o cadastro de crianças disponíveis deve-se ao perfil preferido pelos adotantes: recém-nascidas, brancas e meninas"[18], destaca o eminente juiz da Vara da Infância e da Adolescência do Distrito Federal Renato Rodovalho. 5. ADOÇÃO HOMOAFETIVA Delicada é a figura do instituto da adoção quando relacionado à questão da homoafetividade. Para tanto, deve-se ater a um olhar crítico, porém respeitoso, livre de preconceitos e discriminações tanto alardeados pelos defensores da possibilidade jurídica da adoção por casais homossexuais. Diga-se "casais" sem a valoração do termo como natureza de cônjuges ou companheiros por união estável, haja vista o ordenamento jurídico atual não comportar a união estável ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo. 5.1 Adoção unilateral Para o Direito não há que se falar em impedimentos quanto à orientação sexual, seja qual for, do adotante que irá adotar individualmente, desde que atenda aos preceitos legais dos artigos 39 ao 52 e 165 do Estatuto da Criança e do Adolescente e dos artigos 1618 ao 1629 do Código Civil de 2002. Ressalte-se, o disposto no art. 29 do ECA que exige, para a colocação em família substituta, que o adotante não possua incompatibilidade com a natureza da medida, ou seja, esteja em conformidade com as normas formais citadas; além disso, oferecer ambiente familiar adequado, avaliado por equipe técnica do Juizado e Ministério Público. 5.2 Adoção por casais homossexuais 5.2.1 Aspecto normativo O atual Código Civil vigente (2002) traz a seguinte disposição ao tratar sobre a adoção em seu artigo 1622: "ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou se viverem em união estável". De forma precisa e incisiva a lei infraconstitucional regulamenta a possibilidade de adoção por duas pessoas somente se elas forem casadas ou se viverem em união estável. A interpretação literal da lei se apresenta de forma clara e expressa no art. 226 § 3º da CF/88 e no art. 1723 do Código Civil ditando que "É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família". A lei, como dito anteriormente, não impede a adoção unilateral pelo adotante homossexual. Contudo, para a efetivação do direito de adoção por um casal homossexual o relacionamento do par deveria ser considerado pela lei como uma união estável, o que de fato não o é, mesmo se caracterizando como uma entidade familiar nos moldes dos princípios atuais do Direito de Família. O casamento seria outro meio para qualificar o casal homossexual, mas igualmente é oposto pela lei que expressamente atribui ao homem e à mulher como par heterossexual habilitado ao casamento, conforme disposição dos artigos 1514 e 1565 do CC/2002. O Projeto de Lei 6222/2005, tornava explícita a permissão para adoção por casal homoafetivo exigindo a comprovação da estabilidade da convivência da mesma forma que se exige dos casais heterossexuais em união estável. Entretanto, sofreu emenda que ao ser aprovada [em 20/08/2008] no Plenário da Câmara dos Deputados eliminou o texto com menção à adoção por casais homossexuais. O argumento para retirar a possibilidade de adoção por parte de pares homossexuais foi o de que a legislação nacional não reconhece a união civil entre pessoas do mesmo sexo[19]. 5.2.2 Aspecto jurisprudencial Os Tribunais, não se furtando à sua função jurisdicional e atendendo aos anseios populares, em desarmonia produzem julgados diversos, fundamentados, ora nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da isonomia, da igualdade e da individualidade, ora nos costumes, ou exclusivamente na disposição da lei de acordo com o caso concreto envolvendo a heterossexualidade na relação afetiva. Quando essa relação homoafetiva pleiteia exercício de direito subjetivo de adoção em conjunto pelo casal encontra barreiras no ordenamento jurídico, como já demonstrado, e na opinião popular. No entanto, originando-se no Tribunal do Rio Grande Sul, as jurisprudências favoráveis à adoção por casal homoafetivo têm se alastrado por todo o país. Pela importância de julgado recente faz-se merecer menção de parte da matéria veiculada pelo IBDFAM[20] em que o Juizado da Infância e da Juventude de Recife-PE deu sentença favorável ao pedido de adoção de duas irmãs - de cinco e de sete anos - feito por um casal homossexual masculino que vive em Natal (RN). O juiz Élio Braz Mendes, responsável pelo julgamento do caso esclarece que não há lei que proíba a adoção por pessoas do mesmo sexo e que a Constituição veda qualquer discriminação de sexo, cor, raça, religião e outros. Para ele, o importante é que os adotantes sejam capazes de cuidar das crianças, independente do gênero e da opção sexual. "Minha decisão, nesse caso, surgiu como certeza de que isso era o melhor para as crianças", diz. "Não estou reconhecendo a união civil dessas duas pessoas, estou dizendo que elas constituem uma família afetiva capaz de exercer o poder familiar, dar guarda, sustento e educação." As meninas foram abandonadas pela família biológica e, atualmente, viviam em um abrigo. A partir de então, caberá a esses novos detentores do poder familiar em sua idoneidade de caráter proporcionar o desenvolvimento psicossocial dessas crianças como pessoas em desenvolvimento, livre de toda forma de influência propensa à heterossexualidade ou à homossexualidade, além das demais e habituais resignações da natureza humana propensas à má índole. Em síntese, cumprir o que determina o art. 22 do ECA como pais que agora são: Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. [Grifo nosso] 6. CONCLUSÃO Por tudo exposto sabe-se que a adoção pelos casais homossexuais é fato que repercute em todos os seguimentos da sociedade brasileira. Torna-se evidente a cada nova decisão procedente nos Tribunais em todo o país e, também, ganhando força sobre jurisprudência alicerçada no reconhecimento da união estável se amoldando à relação afetiva entre o casal homossexual. Contudo para a segurança jurídica e absoluto reconhecimento dessa união como uma nova entidade familiar, não carecendo apenas do trato do Judiciário, deve-se legislar a respeito. E a produção dessa lei deverá auferir respeitosamente todas as fontes de valor moral, social, cultural, religioso e político existente na sociedade brasileira, de forma a não ferir qualquer delas. Assim, será de direito subjetivo a adoção por casais homossexuais nas mesmas condições que o é para qualquer casal heterossexual habilitado legalmente para tal. Todavia, ponderamos que o Estado não pode criar uma nova casta privilegiada na sociedade. Conhecemos da supremacia da lei em nosso sistema jurídico e que, até então, a Constituição é soberana e não diferencia em igualdade de direitos fundamentais o homem e a mulher, exceto pela condição destes em fases da vida humana como a infância e a adolescência [ECA], a velhice [Estatuto do Idoso] e o período de gestação da mulher, em que a lei expressamente assegura-lhes garantias específicas. Mesmo a Lei Maria da Penha [citada neste artigo] tão argüida por alguns como inconstitucional, não cria uma linhagem ou classe exclusiva de mulheres, mas atua com rigor penal para coibir a violência, haja vista a fragilidade física da mulher. No mais, toda forma de expressão humana que não viole os preceitos legais são protegidos contra todo tipo de violação e discriminação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAHIA, Cláudio José Amaral. Proteção constitucional à homossexualidade. Leme: Mizuno, 2006. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. - 4 ed. Atual. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. VI. São Paulo: Saraiva, 2005. MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 1º ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19º ed. São Paulo: Atlas, 2005. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Direito de Família. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais. 3 ed. Curitiba: Juruá, 2007. TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade parental. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994. SCHIAVO, Marcio. Manual de Orientação Sexual. São Paulo: O Nome da Rosa, 2004. BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: contendo o Velho e o Novo Testamento. Almeida revista e corrigida. Brasília-DF: Sociedade Bíblica do Brasil, 1995. BÍBLIA. Português. A Bíblia Sagrada: contendo o Velho e o Novo Testamento. tradução ecumênica. São Paulo: Paulinas, 2002. CACP - Centro Apologético Cristão de Pesquisas. A Ética Cristã. Disponível em: Acesso: em 06 set. 2008. FERRAZ, Ana Luiza. Opção ou orientação sexual? Disponível em: Acesso em: 23 ago. 2008. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Distribuição percentual da população residente, por religião - Brasil - 1991/2000. Disponível em: Acesso em: 29 ago. 2008. IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família. Justiça autoriza casal homoafetivo a adotar irmãs em Recife. Disponível em: Acesso em: 12 out. 2008. MENDONÇA, Marta. Adoção, os meninos que ninguém pode adotar. Revista Época, nº. 523. São Paulo, 28 de julho de 2008. GLBT. Guia de Direitos Humanos GLBT. 2ª ed. Belo Horizonte, MG, 2008. 60 p. __________ [1] Graduando do 6º período do curso de Direito das Faculdades Promove - BH. [2] Artigo: Novas entidades familiares. Revista trimestral de Direito Civil. Dez.2003. [3] Thais Câmara Maia Fernandes Coelho. Docente da Cadeira do Curso de Direito de Família - 6º período, Faculdade de Direito Promove, aula ministrada em 06/08/2008. [4] PARAFILIA In: AURÉLIO. Dic. Cada um de um grupo de distúrbios psicossexuais em que o indivíduo sente necessidade imediata, repetida e imperiosa de ter atividades sexuais, em que se incluem, por vezes, fantasias com objeto não humano, auto-sofrimento ou auto-humilhação, ou sofrimento ou humilhação, consentidos ou não, de parceiro. [Deste grupo fazem parte o exibicionismo, o fetichismo, a necrofilia, a pedofilia, o masoquismo sexual, o sadismo sexual e o voyeurismo.] [5] Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada no Bairro Lourdes em 19/08/2008. [6] Disponível em: Acesso em: 24 ago. 2008. Ao acessar a página deve-se selecionar a opção de pesquisa pelo browser e em seguida no campo index verificar o código F66. [7] CANDOMBLÉ In: AURÉLIO, Dic. Religião introduzida no Brasil com escravos, principalmente de regiões dos atuais estados da Nigéria e do Benim, na qual crentes novos e ancestrais, reais ou míticos, eram divinizados em cultos públicos ou secretos. [8] (Antropologia. Filosofia) Modo de pensamento ou sistema de crenças em que se atribui a seres vivos, objetos inanimados e fenômenos naturais um princípio vital pessoal, isto é, uma alma. [9] PROSELITISMO In: AURÉLIO, Dic. Atividade diligente em fazer prosélitos; prosélito: indivíduo convertido a uma doutrina, idéia ou sistema; sectário, adepto, partidário. [10] Disponível em: Acesso em: 29 ago. 2008. [11] Conjunto dos livros sagrados do Antigo e do Novo Testamento de caráter fundamental para o Cristianismo. A maioria das religiões tem um livro ou conjunto de livros que trazem seus dogmas, regras, costumes, que regem sua ideologia. Como exemplo o "Alcorão" - livro sagrado do Islamismo; "Tri-Pitakas"- livro sagrado do Budismo; "Bhagavad-Gita" - livro autoritativo do Hinduísmo; e outros. [12] Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales - Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro. A Igreja e o homossexualismo. Disponível em: Acesso em 30 ago. 2008. [13] Pastor Silas Malafaia - Psicólogo, Vice-Presidente do Conselho Interdenominacional de Ministros Evangélicos do Brasil. Editorial sobre o homossexualismo. Disponível em: Acesso em: 30 ago. 2008. [14] A ética cristã é o conjunto de valores morais total e unicamente baseado nas Escrituras Sagradas, pelo qual o homem deve regular sua conduta neste mundo, diante de Deus, do próximo e de si mesmo. Não é um conjunto de regras pelas quais os homens poderão chegar a Deus - mas é a norma de conduta pela qual poderá agradar a Deus que já o redimiu. Por ser baseada na revelação divina, acredita em valores morais absolutos, que são à vontade de Deus para todos os homens, de todas as culturas e em todas as épocas. (CACP- Centro Apologético Cristão de Pesquisas) [15] "A socialização é um processo de aprendizagem de condutas, valores e princípios que tem como referência a família, iniciando-se com o nascimento e com o propósito de preparar o indivíduo para fazer parte de uma sociedade determinada." (Márcia Gardênia. Docente da Cadeira de Sociologia da Faculdade de Direito Promove, aula ministrada em 08/02/2006). [16] Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada no Bairro Pompéia -BH em 18/09/2008. [17] Projeto de Lei 6222/05 recém aprovado em 20/08/2008 pela Câmara dos Deputados, seguindo para análise do Senado. Disponível em Acesso em: 23 ago. 2008. [18] De acordo com dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), 4.106 pretendentes à adoção já estão registrados, e há 469 crianças aptas a serem adotadas. BRASIL. Portal da Câmara dos Deputados Acesso em: 23 ago. 2008. [19] BRASIL. Portal Câmara dos Deputados. Entidades de direitos humanos apóiam regras para adoção. Disponível em: Acesso: 22 ago. 2008. [20] IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família. Justiça autoriza casal homoafetivo a adotar irmãs em Recife. Disponível em: Acesso em: 12 out. 2008. Wellington Fonseca dos Santos é graduando do 6º período do curso de Direito das Faculdades Promove - BH Fonte; IBDFam