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Artigo – Regra que permite que tabeliães atuem como árbitros traz vantagens e riscos – Por José Higídio

O Marco Legal das Garantias, sancionado em outubro do ano passado, trouxe uma inovação para os tabeliães de notas: autorizou que tais profissionais atuem como árbitros, mediadores ou conciliadores. Parte dos especialistas no assunto ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico acredita que isso pode democratizar a arbitragem, normalmente usada para grandes contratos, com altos valores. Já outra corrente enxerga lacunas que podem causar desvirtuamento e outros efeitos negativos.

A norma de 2023 estabeleceu novas regras sobre execuções, penhora, hipoteca e transferência de imóveis para pagamento de dívidas, e também alterou trechos da Lei 8.935/1994, que regulamenta os serviços notariais e de registro.

Os tabeliães ou notários são pessoas que recebem delegação do poder público para lavrar escrituras, procurações e testamentos públicos, reconhecer firma (autoria de assinaturas) e autenticar cópias de documentos. Agora, poderão também atuar em procedimentos de resolução de disputas.

A redação original da lei de 1994 estabelecia que a atividade dos notários é incompatível com a advocacia, com a intermediação de seus serviços e com qualquer cargo, função ou emprego público.

De acordo com o advogado Gustavo Mizrahi, sócio do escritório Vieites Mizrahi Rei Advogados, o Marco das Garantias esclareceu que “a atuação como árbitro não se enquadra nos impedimentos e incompatibilidades” previstos na norma original.

Arbitragem para todos
Professor e procurador do estado de São Paulo que também atua como árbitro, Olavo Alves Ferreira diz que o impacto da nova regra é positivo, “na medida em que viabiliza oportunidade de acesso à arbitragem com um custo mais baixo e visando a causas de valores menores”.

Como a atuação é nova, Ferreira ressalta que os tabeliães precisarão adotar algumas cautelas quanto às causas de impedimento e suspeição. Mesmo assim, ele vê o cenário como “muito positivo”.

Para Mizrahi, a medida é “salutar”, pois “estimula a ampliação do objeto das arbitragens para áreas do Direito que normalmente acabam não sendo submetidas, como o Direito Imobiliário, Direito Registral e questões correlatas, em função da vocação dos tabeliães a esses temas”.

“Disposições que viabilizam novas possibilidades de aplicação de qualquer instituto jurídico ajudam na sua democratização”, avalia Evelyn Barreto de Souza, professora do Mackenzie e árbitra.

Ela lembra que o Brasil vem buscando um “sistema multiportas para o manejo de conflitos” — ou seja, uma estrutura com diferentes métodos para resolução de disputas.

Saindo pela culatra
Apesar desse ponto positivo, Evelyn destaca que há chances de desvirtuamento da arbitragem ao ser aplicada em uma nova área ou atividade.

Um risco, por exemplo, é “virar uma mera homologação administrativa, perdendo-se o espírito da arbitragem”.

A especialista ainda tem dúvidas sobre como os tabeliães vão se preparar para a nova atuação, e se haverá, de fato, interesse desses profissionais em oferecer essa possibilidade.

Já Maúra Guerra Polidoro, advogada da equipe de arbitragem do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados, encara a mudança legislativa como desnecessária e até prejudicial.

Ela ressalta que, conforme a Lei de Arbitragem, os únicos requisitos para que uma pessoa possa atuar como árbitro são a capacidade civil e a confiança das partes.

“Inexistindo qualquer outra disposição legal que impedisse os tabeliães de atuarem como tal, a previsão já contida na Lei de Arbitragem se mostrava suficiente.”

Para Maúra, a inclusão de um dispositivo relativo a apenas uma categoria profissional “pode gerar também uma percepção de preferência ou incentivo à indicação dos tabeliães de notas como árbitros”.

Segundo a advogada, “a individualização no tratamento de uma única classe, além de desprestigiar todas as demais, afasta o Brasil do consenso internacional em torno de boas práticas de arbitragem, uma vez que inexiste outra legislação com previsão semelhante”.

Por fim, ela admite que a nova regra pode incentivar o cidadão “a assinar um contrato que contenha cláusula compromissória”. Mas, na sua visão, esse incentivo não vem necessariamente acompanhado de um esclarecimento quanto ao método de solução de disputas com o qual se consente.

Maúra acredita que isso pode induzir as pessoas a erro. “O entendimento do cidadão comum sobre o método de solução de litígios ao qual está se submetendo é crucial.”

Nessa lógica, a ciência sobre os custos associados à arbitragem é um dos pontos mais essenciais. Por isso, a advogada entende que esse método é “mais apropriado para contratos complexos e de alto valor”.

Fonte: Consultor Jurídico (ConJur)