Os bens imóveis, segundo os artigos 79 a 81 do Código Civil, são o solo circunscrito à delimitação física da área e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente, além dos direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram, bem como o direito à sucessão aberta. E para garantir o direito à moradia, o Judiciário é protagonista.
A propriedade é uma garantia fundamental prevista no artigo 5º, caput da Constituição Federal, além do Código Civil e de legislações correlatas, contudo, precisa ser utilizada de forma racional, proporcional e adequada, precipuamente respeitando a legislação ambiental. O meio ambiente, até mesmo por uma questão fática e jurídica, está correlacionado geralmente a um imóvel físico e legal, registrado em dada circunscrição de registro de imóveis, se for particular, ou perante a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), se for de tal ente federado.
O imóvel deve guardar estreita relação com o cumprimento da função social da propriedade, conforme a Constituição Federal e o Código Civil, que diz em seu artigo 2.035, parágrafo único: "nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos". Não se admite mais, ao contrário do que ocorria sob a égide do Código de 1916, o uso patrimonialista, irracional e inadequado de propriedades imobiliárias urbanas ou rurais, dado que o real descumprimento da função social da propriedade poderá levar a graves sanções, tais como a majoração de impostos reais ou até mesmo a desapropriação para reforma agrária (área rural) ou urbana (Estatuto da Cidade).
O registrador de imóveis é um verdadeiro fiscal da lei quanto à seara imobiliária, devendo observar estritamente as normas constitucionais, legais e de consolidações normativas das Corregedorias dos Tribunais de Justiça e do Conselho Nacional de Justiça, que buscam preservar o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável. No momento em que título ingressa na serventia de registro de imóveis será objeto de qualificação pelo registrador, devendo observar os princípios e aplicá-los ao caso concreto.
Os empreendimentos imobiliários, loteamentos, incorporações, desapropriações, tombamentos, regularizações fundiárias urbanas, obras públicas e construções particulares, conquanto tenham um elevado filtro efetivado pelos órgãos fiscalizatórios ambientais e pelas municipalidades, também receberão análise rigorosa do titular do registro de imóveis, que também é por rigor um fiscal da ordem jurídica.
A Reurb é um procedimento complexo e indispensável à regularização da situação jurídica, ambiental e urbanística de imóveis construídos irregularmente, inclusive em áreas de risco, garantindo a dignidade dos moradores de maneira a se concretizar, de maneira integral, o direito fundamental à moradia digna (CALIL; MARTINS; MARTINS, 2022).
A segurança jurídica é a finalidade suprema de toda atividade notarial e registral, sendo um megaprincípio, pois todos os demais convergem para isso. Ela é a luz que ilumina os demais princípios e não poderá ser confrontada por eles, caso ocorra algum conflito aparente entre os princípios. Havendo o registro de um loteamento pela Lei 6.766/76, deve o registro de imóveis observar se tais lotes se encontram em faixas não edificáveis ao longo das águas correntes e dormentes, com obrigatoriedade de reserva de uma faixa não edificável para cada trecho de margem, indicada em diagnóstico socioambiental elaborado pelo município.
A observância da faixa de domínio também em rodovias (cinco metros) e ferrovias (15 metros) é essencial para a efetividade do princípio da legalidade, bem como do equilíbrio do meio ambiente, além da segurança viária e ferroviária, além dos cidadãos que ali perpassam. Ademais, se necessária, a reserva de faixa não edificável vinculada a dutovias será exigida no âmbito do respectivo licenciamento ambiental, observados critérios e parâmetros que garantam a segurança da população e a proteção do meio ambiente, conforme estabelecido nas normas técnicas pertinentes.
Conforme os artigos 99 a 102 do Código Civil, são públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem. De outro giro, os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar, enquanto os dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei. Por fim, os bens públicos não estão sujeitos à usucapião.
O exercício das prerrogativas inerentes à propriedade imobiliária integra o direito fundamental à moradia digna, de maneira que a própria lei da regularização fundiária urbana determina a obediência ao princípio da sustentabilidade econômica, social e ambiental, à ordenação do território e da ocupação eficiente e funcional do solo (CALIL; MARTINS; MARTINS, 2022). Por sua vez, no Incidente de Assunção de Competência (IAC) nº 13, o Superior Tribunal de Justiça consagrou o direito à informação ambiental e a possibilidade no registro de imóveis acerca de tais informações, assumindo, o registro de imóveis, em conjunto com o Ministério Público, papel vital para a sustentabilidade.
A possibilidade de exercício dessas faculdades jurídicas relacionadas ao imóvel, inclusive sua disposição a qualquer título, é indispensável para que a estrutura urbana siga seu curso usual de maneira sustentável, tendo em vista que o exercício das prerrogativas inerentes à propriedade imobiliária torna-se parte integrante do direito fundamental à moradia digna. A própria lei da regularização fundiária urbana determina, expressamente, a obediência ao princípio da sustentabilidade econômica, social e ambiental, à ordenação do território e da ocupação eficiente e funcional do solo, fatores que corroboram todos os principais aspectos do desenvolvimento sustentável, aplicando-os ao urbanismo (CALIL; MARTINS; MARTINS, 2022).
O projeto de regularização fundiária urbana (Reurb) conterá, dentre outros, estudo preliminar das desconformidades e da situação jurídica, urbanística e ambiental, proposta de soluções para questões ambientais, urbanísticas e de reassentamento dos ocupantes, quando for o caso, e estudo técnico ambiental.
Portanto, a regularização fundiária não alcançará a totalidade de seu potencial organizador se os referidos procedimentos não forem efetivamente caracterizados pela participação dos indivíduos e das comunidades, voltada à concretização do direito fundamental à moradia digna e, consequentemente, da ideia de cidade sustentável (CALIL; MARTINS; MARTINS, 2022). Controlando efetivamente a legalidade dos atos e negócios jurídicos registráveis e averbáveis, a manutenção do controle rígido da lei e da aplicação de normas ambientais e da função social da propriedade, em conjunto precipuamente com o Ministério Público Federal ou Estadual, haverá um grande favorecimento do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
O registro de imóveis, em conjunto com outros órgãos públicos, precipuamente o tabelionato de notas e o Poder Judiciário, tornou-se vital para o controle e manutenção da sustentabilidade ambiental do Brasil, eis que possui seguramente os dados necessários dos imóveis rurais e urbanos, tornando-se um verdadeiro fiscal da lei para fins de qualidade de vida da sociedade e das futuras gerações.
O registro imobiliário, após o advento da Lei nº 13465/2017, traduziu um efeito de regularização da propriedade, ainda que irregular. Isso porque o direito material brasileiro reconhece formas de aquisição de propriedade sobre bens imóveis que independem de registro, diferentemente daquelas que resultam da celebração de negócio jurídico (artigo 1.245 do Código Civil) (KÜMPEL; FERRARI, 2020).
Tanto para a magistratura quanto para os serviços extrajudiciais há imposição constitucional para que os candidatos sejam bacharéis em Direito em aprovados nas provas objetiva, escrita e prática, prova de títulos, documentos e prova oral, como forma republicana de acesso aos cargos e funções públicas. Além da isonomia e impessoalidade, a competição social ganha uma dimensão estratégica interessante: "a vitória não é conquistada quando nos sobressaímos sobre os concorrentes, mas sim quando nós convencemos um público incumbido do julgamento" (o que traz o verdadeiro interesse em uma situação, como a do concurso público).
O Judiciário, assim como a sociedade, passou por inúmeras transformações nas últimas décadas. Antes coadjuvante, passou a ser um dos protagonistas do sistema constitucional brasileiro. Tal protagonismo foi ainda alavancado por peculiaridades como a intensa presença midiática do Supremo Tribunal Federal e por um papel cada vez mais proeminente dos tribunais em âmbitos que eram antes em geral reservados à política (SILVA, 2021). O Poder Judiciário tem a precípua função de aplicar a lei e garantir a justiça e, por intermédio dos tribunais e juízes, atua na solução de conflitos que envolvem direitos e deveres dos cidadãos, desde questões simples, como disputas entre particulares, como um acidente de trânsito, até casos complexos, como declaração de inconstitucionalidade de leis ou em situações criminais graves.
Para que o Judiciário possa resolver os conflitos de forma justa e eficaz é importante que os cidadãos tenham acesso ao sistema judiciário e aos seus direitos, e que os juízes sejam imparciais e independentes em suas decisões, sendo fundamental que a sociedade como um todo participe ativamente do processo judicial, buscando compreender as suas responsabilidades e direitos, contribuindo para a construção de um sistema de justiça mais justo e eficiente. Neste fulcro, aliando o controle efetivo que o registro de imóveis possui sobre toda a malha fundiária do município, bem como com a efetividade do controle das execuções fiscais em trâmite perante o Poder Judiciário, constatando a desconexão entre a titularidade formal e a fática, poderá existir uma conjunção de fatores para solucionar a irregularidade fundiária, com a junção de tais órgãos.
A palavra final em qualquer processo será sempre do Poder Judiciário, ou seja, ele poderá, durante a dialógica processual, ouvir as partes, produzir as provas necessárias e proferir o julgamento adequado ao caso concreto, portanto, torna-se um poder importantíssimo justamente para os mais carentes, aqueles que necessitam, no caso, do acesso ao direito à moradia. Tal julgamento não seria possível sem outros atores, como os municípios, as Procuradorias da Fazenda, os servidores do Poder Judiciário, do Ministério Público, da advocacia, da Defensoria Pública e, precipuamente, do registro de imóveis, o qual detém o fólio real de toda cadeia dominial existente sobre a área em litígio.
Aplicar leis e fazer justiça são conceitos que não se confundem. O Direito [Lex] é um instrumento de harmonização/dominação social e a Justiça [Jus] realmente não existe aqui. "Só existe no Paraíso! As leis do nosso tempo estão aí unicamente para assegurar ordem, segurança e paz. Em especial segurança em que os interesses dos mais fortes prevaleçam" (GRAU, 2021, p. 167).
O Judiciário e o registro de imóveis devem observar o princípio da segurança jurídica, defluindo paz social, eis que este decorre da própria dicção constitucional, já que a CF/88, em seu artigo 5º, inciso XXXVI, assevera que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
O descompasso entre o registrado/averbado no registro de imóveis e o cadastro imobiliário do município, além da realidade da ocupação urbana, evidencia a cidade informal oriunda desde a fundação do país, demonstrando um descalabro que pode ser resolvido, muitas vezes, somente pelo Poder Judiciário, exatamente no ponto nevrálgico delineado em execuções fiscais inexitosas, já que estas demonstram, em geral, que algo está errado no fólio do registrador de imóveis e a realidade vivenciada.
Em eventuais ações de execução fiscal em que exista êxito e efetiva adjudicação de imóveis nas execuções ao ente federado, importante asseverar que o município, caso constate eventual ocupação irregular consolidada até 22 de dezembro de 2016, deverá efetivar a regularização fundiária urbana, pacificando a sociedade e trazendo justiça social para todas as famílias envolvidas.
Este claro descompasso cartorial e administrativo das prefeituras, em verdade, traduz verdadeira injustiça social, pois se de um lado causa prejuízo ao próprio erário ao não ter como auferir o IPTU anual oriundo de tal área urbana, de expansão urbana ou urbanizável, deixando de aplicar verbas em saúde, educação e segurança pública, evidencia que seres humanos estão expostos a uma vida indigna, com moradias irregulares, muitas vezes em condições precárias e que precisam, a todo custo, do auxílio das autoridades competentes para consolidar um direito fundamental.
A atuação registral, mas principalmente o Poder Judiciário efetivamente salva vidas, histórias e a dignidade, na medida em que o direito à moradia é um conceito extremamente complexo, que não demanda apenas uma proteção contra o clima ou um local no espaço que sirva de ponto de referência ao ser humano, tendo em vista que a regularidade imobiliária a integra de forma inexorável, tornando a Reurb um instrumento essencial à própria dignidade da pessoa humana, vista como um mínimo existencial (CALIL; MARTINS; MARTINS, 2022).
O Poder Judiciário tem um papel central na proteção do direito à moradia como um direito humano fundamental, previsto no artigo 6º, caput da CF/88, uma vez que é responsável por interpretar e aplicar as leis, e garantir o cumprimento dos direitos previstos na Constituição e em outras normas legais, ainda que de forma contra majoritária.
O direito à moradia adequada é um conceito amplo que inclui não apenas a proteção contra as condições climáticas adversas, mas também o acesso a serviços básicos, como água potável, saneamento, eletricidade e transporte público, bem como o acesso a empregos, escolas, segurança pública e serviços de saúde.
A proteção do direito à moradia adequada, através da Reurb, é um desafio complexo e multidimensional, que envolve a atuação conjunta de diversos setores e instituições, precipuamente o Poder Judiciário, para garantir que todos tenham acesso a um ambiente habitável e seguro, que possibilite uma vida digna e saudável.
Fonte: Consultor Jurídico (ConJur)