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Artigo – “Lei” de Georreferenciamento Urbano: A partir de agora o registrador de imóveis deve exigir o geo em todos os trabalhos técnicos? – Por Jean Mallmann

Introdução1

Recentemente foi editada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) a NBR 17047:2022, publicada em 30/06/2022, a qual regulamentou o padrão dos trabalhos técnicos e o procedimento para o levantamento cadastral territorial para registros públicos. O escopo da norma integra tanto os trabalhos técnicos referentes à imóveis urbanos como também imóveis rurais. Não obstante, é certo que a NBR tem especial relevância por determinar o georreferenciamento de imóveis urbanos para fins de regularização no Registro de Imóveis, vez que, em relação aos imóveis rurais, já existiam normas exigindo a realização do geo.

ABNT é instituição privada declarada de utilidade pública, que exerce uma função delegada pelo Estado brasileiro como entidade responsável pela normalização técnica no Brasil.2 Compete a essa instituição a expedição de Normas Brasileiras (NBRs) para determinar a padronização das características desejáveis de produtos e serviços.

Ademais, a ABNT é reconhecida como organismo de certificação de produtos e de sistemas acreditado pelo Sinmetro, Conmetro e Inmetro.3

NBR é a abreviação de “Norma Brasileira”. Trata-se de um conjunto de normas e diretrizes de caráter técnico que tem como função padronizar processos para a elaboração de produtos e serviços no Brasil.

As NBRs são atos normativos homologados por uma entidade privada, e não pelo Estado. Daí vem a pergunta: As NBRs emitidas pela ABNT têm caráter cogente?

A pergunta é importante exatamente porque a Constituição Federal estabelece expressamente que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, inc. II, da CF).

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 1990) estabelece que consumidor é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” (art. 2º). De sua vez, considera-se fornecedor “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção […] ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” (art. 3º).

Os profissionais técnicos habilitados à realização de georreferenciamento sem dúvida se enquadram como fornecedores, haja vista que prestam serviços por meio de atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração (art. 3º, § 2º), e entregam produtos que constituem bens móveis materiais, a exemplo de plantas, memoriais descritivos e relatórios técnicos (art. 3º, § 1º). Aqueles que contratam seus serviços são, portanto, consumidores.

Então, o CDC é devidamente aplicável às atividades de geomensura.

Sobre o tema, é de se ressaltar que o CDC prevê a seguinte regra:

Art. 39, CDC. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: […]

VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);

Portanto, as normas da ABNT são de observância obrigatória quando não há regulamentações legais específicas acerca de determinado produto ou serviço, no âmbito da relação de consumo. Em outras palavras, por tratar-se a realização do georreferenciamento de uma relação consumerista, deve-se observar compulsoriamente as normas da ABNT, conforme expressamente determina o CDC.4

A NBR não é lei, mas, por força de lei, tem caráter cogente no âmbito consumerista!

A NBR 17047:2022 estabelece que os vértices dos imóveis (urbanos e rurais) devem ser registrados com coordenadas geodésicas, utilizando como referencial o Sistema Geodésico de Referência vigente no Brasil. Desse modo, tratando-se naturalmente de relação de consumo, a referida NBR deve ser aplicada aos profissionais técnicos que realizem georreferenciamento, sendo, pois, objeto de qualificação pelo Oficial de Registro de Imóveis.

Por se tratar de normativa técnica que regulamenta a obrigatoriedade do geo, notadamente em relação aos imóveis urbanos, a normativa tem sido informalmente chamada de “Lei do Gerreferenciamento Urbano”.

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1 Artigo publicado originalmente na Revista de Direito Imobiliário da RT, IRIB, volume 94, Ano 2023. Citação bibliográfica: MALLMANN, Jean. “Lei” de georreferenciamento urbano: a partir de agora o registrado de imóveis deve exigir o geo em todos os trabalhos técnicos? In Revista de Direito Imobiliário (RDI). Coord. Ivan Jacopetti do Lago. Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB). Ano 46, v. 94. São Paulo: Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, jan.-jun. 2023, p. 247-274.

2 A ABNT foi fundada em 1940. Em 1962, por meio da lei 4.150, foi declarada de utilidade pública, e em 1992, a Resolução 07 do Conmetro, reconheceu como único “Fórum Nacional de Normalização”, ou seja, entidade com poder de regulamentação de serviços e produtos. Esta resolução tornou público o Termo de Compromisso assinado entre o governo brasileiro e a ABNT, que atribui à ABNT a missão de coordenar, orientar e supervisionar o processo de elaboração de normas brasileiras. Assim, a ABNT adquiriu o status jurídico de agente do Estado e agência de normalização brasileira.

3 O Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. O Instituto atua como Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro), colegiado interministerial, que é o órgão normativo do Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Sinmetro). Objetivando integrar uma estrutura sistêmica articulada, o Sinmetro, o Conmetro e o Inmetro foram criados pela lei 5.966, de 11 de dezembro de 1973, cabendo a este último substituir o então Instituto Nacional de Pesos e Medidas (INPM) e ampliar significativamente o seu raio de atuação a serviço da sociedade brasileira.

4 Na legislação brasileira, outras normas estabelecem a observância obrigatória das normas da ABNT, a exemplo da lei 14.133/2021 – Lei de Licitações (Art. 42. A prova de qualidade de produto apresentado pelos proponentes como similar ao das marcas eventualmente indicadas no edital será admitida por qualquer um dos seguintes meios: I – comprovação de que o produto está de acordo com as normas técnicas determinadas pelos órgãos oficiais competentes, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT ou por outra entidade credenciada pelo Inmetro) e da lei 10.098/2000 – Lei de Acessibilidade (Art. 6º. Os banheiros de uso público existentes ou a construir em parques, praças, jardins e espaços livres públicos deverão ser acessíveis e dispor, pelo menos, de um sanitário e um lavatório que atendam às especificações das normas técnicas da ABNT).

Fonte: Migalhas