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Artigo - O marco digital dos cartórios e o sistema eletrônico de registros públicos - Por Luis Felipe Salomão e Daniela Pereira Madeira

A proposta de Diretriz Estratégica nº 1 da Corregedoria Nacional de Justiça, aprovada durante o XVI Encontro Nacional do Poder Judiciário, consiste em “assegurar a implementação do Sistema Eletrônico de Registros Públicos (Serp) em todas as unidades do território nacional, objetivando a interoperabilidade e a interconexão entre os diversos sistemas já existentes nas serventias extrajudiciais, atentando-se para as determinações e prazos previstos na Lei 14.382/2022”.

Essa diretriz está intimamente relacionada com o marco digital dos cartórios. É que ela revela o atual momento de modificação digital estrutural experimentada no âmbito dos cartórios, onde o serviço extrajudicial passa a ser visto efetivamente de modo mais ampliado e focado no cidadão, aproveitando a transformação digital provocada pela pandemia da Covid-19.

Dentro deste contexto, verifica-se que a regulação e disciplina das atividades notariais e registrais possui enorme impacto na sociedade. É a partir daí que fazemos nossos registros de nascimento, passando por negócios jurídicos complexos, transações imobiliárias, indo até o óbito, quando então é assegurada a legitimidade da sucessão e seus reflexos, num ciclo organizativo fundamental para que tenhamos segurança jurídica.

Nesta perspectiva, os cartórios exercem importante papel na organização do Estado brasileiro e na vida dos cidadãos, estando presente no dia a dia, sempre em momentos marcantes, desde o nascimento até a morte, passando pela aquisição do primeiro carro, casa, casamento, um eventual divórcio, partilha, doação, inventário e tantos outros atos da vida civil. Nesse aspecto, as serventias de notas e de registro são essenciais para garantir a segurança e a autenticidade dos atos e relações jurídicas, além do exercício da cidadania.

Existe no Brasil uma legislação notarial e registral em constante aprimoramento, que vem contribuindo sobremaneira para aprimorar a prestação do serviço delegado do poder público, bem como desonerar o Judiciário de atividades que prescindem da atuação dos magistrados. Exemplo disso são leis como a 11.441/07, que possibilita a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa; a 12.100/09, que trata da correção ortográfica de registro civil; a 12.133/09, que dispensa homologação por juiz da habilitação para casamento; a 11.790/08, que permite o registro de nascimento fora do prazo legal diretamente nas serventias extrajudiciais.

Em linha com os avanços tecnológicos produzidos durante a pandemia [1], em 27 de junho do ano passado foi criado o Serp, pela Lei nº 14.382, que tem como principais objetivos a implementação de um sistema público eletrônico de atos e negócios jurídicos; a interconexão das serventias dos registros públicos; a interoperabilidade das bases de dados entre as serventias e destas com o Serp; o atendimento remoto dos usuários de todas as serventias por meio de acesso à internet; a recepção e o envio de documentos e títulos, bem como a expedição de certidões e de informações em formato eletrônico, inclusive de forma centralizada, para intercâmbio com as serventias competentes, com o poder público e com os usuários do sistema.

De fato, para concretizar os objetivos traçados pela Lei nº 14.382 será necessária uma ampla sinergia entre os diferentes segmentos das serventias extrajudiciais, tudo sob a coordenação da Corregedoria Nacional de Justiça, permitindo que, ao final, todos sejam beneficiados: cartórios, poder público, agentes de mercado e, principalmente, o cidadão brasileiro.

No tocante aos cartórios, o Serp trará benefícios que vão desde a redução de custos — a exemplo do menor gasto com pessoal, equipamentos e materiais de expediente — e, principalmente, a melhoria da qualidade do atendimento aos usuários dos serviços. Com relação ao poder público, permitirá um maior intercâmbio e compartilhamento de dados, desde atendidos os comandos da Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) e do Provimento nº 134/2022 da Corregedoria Nacional, mediante o fornecimento de acesso a informações específicas adequadas, necessárias e proporcionais ao atendimento das finalidades perseguidas pelo órgão. Permitirá, ainda, uma melhor fiscalização da atividade extrajudicial pelo Poder Judiciário, com o acompanhamento remoto e em tempo real, por meio de relatórios e dos módulos de correição online.

Quanto aos agentes de mercado, o Serp contribuirá para o aprimoramento do ambiente de negócios no país, por intermédio da modernização dos registros públicos, desburocratização e, com consequente redução de custos e prazos, maior facilidade para a consulta de informações registrais e envio de documentação para registro.

Em relação ao cidadão, significará menos burocracia, menor tempo de tramitação e espera, maior acessibilidade dos serviços e redução de custos.

Vale destacar, ainda, o potencial de diminuição do impacto ambiental causado pela supressão do uso do papel e outros insumos relacionados, além da menor circulação de pessoas nas serventias. Ou seja, quando implementado, o Serp representará um salto de qualidade na relação entre os cartórios e a sociedade, permitindo que serviços antes solicitados unicamente no balcão de forma presencial estejam acessíveis por meio da internet.

Isso representará uma nova experiência do usuário com os cartórios, na qual as filas, a demora no atendimento e o excesso de papel farão parte do passado, dando espaço a uma relação digital, mantendo-se, contudo, a expertise e a fé pública dos notários e registradores, necessárias à segurança dos atos e negócios jurídicos.

Em virtude da importância do tema e, sobretudo, pelas profundas transformações estruturais e tecnológicas no âmbito dos serviços extrajudiciais foi instituído o programa “Cartório Digital” da Corregedoria Nacional de Justiça, que integra o plano de trabalho para o Biênio 2022-2024, contemplando o projeto “Regulamentação do Serp”.

É dentro desse projeto voltado à busca de soluções que garantam aos cidadãos brasileiros atendimento público tecnológico rápido, seguro e eficiente às suas necessidades, que será realizada a audiência pública pela Corregedoria Nacional de Justiça, no próximo dia 31 de janeiro [2].

A ideação dessa audiência é ampliar as reflexões colaborativas entre os segmentos de serventias judiciais, extrajudiciais e dos principais setores que envolvem a atividade cartorária.

Ademais, tem por finalidade tornar pública a minuta de ato normativo proposta pelo Grupo de Trabalho instituído pela Portaria Corregedoria Nacional nº 90, de 31 de outubro de 2022, com o objetivo de coletar críticas e sugestões que possam aprimorar a regulamentação proposta para o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp), o Operador Nacional do Sistema de Registros Públicos (Onserp), o Fundo para a Implementação e Custeio do Sistema Eletrônico de Registros Públicos (FIC-Onserp), o Fundo para a Implementação e Custeio do Sistema Eletrônico do Registro Civil de Pessoas Naturais (FIC-RCPN), o Fundo para a Implementação e Custeio do Sistema Eletrônico do Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas (FIC-RTDPJ), o Operador Nacional do Registro Civil de Pessoas Naturais (ON-RCPN) e o Operador Nacional do Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas (ON-RTDPJ).

Trata-se do primeiro passo para que a hermenêutica que será construída por essa ampla rede dialógica e cooperativa fique como legado para as próximas gerações. É fundamental, nesta linha de pensamento, a participação da sociedade civil na construção dos futuros atos normativos, de modo a desenvolver premissas e meios para que o serviço extrajudicial alcance os cidadãos de forma eficiente, tal qual determina o artigo 37, da Constituição Federal de 1988.

Vale lembrar uma frase do grande Martin Luther King: “A verdadeira medida de um homem não é como ele se comporta em momentos de conforto e conveniência, mas como ele se mantém em tempos de controvérsia e desafio”.

A proposta é para construirmos juntos este novo e desafiador caminho.

[1] A necessidade de implantação de ferramentas tecnológicas para a prestação dos serviços extrajudiciais se intensificou no período da pandemia Covid-19, na medida em que a orientação das autoridades de saúde e sanitárias era no sentido do isolamento social, impondo à Corregedoria Nacional de Justiça, reguladora da atividade extrajudicial brasileira, a necessidade de editar atos normativos que conciliassem o funcionamento das serventias e a necessidade do isolamento social para a prevenção da Covid-19 dentre eles o Provimento nº 100/ 2020, o Provimento nº 97/2020 e o Provimento 103/2020.

Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ)