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O Casamento Civil entre pessoas do mesmo sexo

Ao abordarmos esta questão em nossa serventia, as opiniões não foram unânimes; ao contrário, o sabor ao debate democrático foi inflamado. Tivemos essa iniciativa, tendo em vista diversos julgados, singulares e colegiados, os quais, num primeiro momento, reconheceram a existência de união estável entre pessoas do mesmo sexo, tendo-se, salvo melhor juízo, como premissa maior, a proteção patrimonial dos conviventes. A Constituição Federal de 1988, estabeleceu, em seu artigo 5º, o princípio da isonomia, editando, "in verbis": Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza... E complementa, no inciso I: homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. Ao tratar do casamento civil, a Carta Magna prescreveu acerca da celebração gratuita, da dissolução da sociedade conjugal e da instituição da união estável entre o homem e a mulher, como entidade familiar. Surgiu a primeira dúvida. Em sede de hermenêutica jurídica gramatical, o texto maior fala da união estável entre o homem e a mulher. Acreditamos, que os julgados reconhecedores da união homossexual foram buscar fundamentação, em sede de hermenêutica teleológica. Pois bem, se nos ativermos à Constituição Federal, bem como ao Código Civil, ambos diplomas legislativos dispuseram acerca da gratuidade da celebração do casamento civil entre o homem e a mulher, especialmente nos artigos 1.512 e 1.514 do diploma substantivo civil. Todavia, o processo de habilitação para o casamento, é um procedimento que antecede a celebração, o que nos remete aos artigos 1.521 e 1.523, que tratam dos impedimentos e das causas suspensivas do casamento civil. Então perguntamos: em qual inciso desses dois importantes artigos, cogentes, existe proibição, para habilitação de pessoas do mesmo sexo ? Não encontramos. Porém, acreditamos haver um óbice, prescrito no artigo 1.535, "in fine" do Código, que é a colocação, pelo juiz celebrante, de que, pela vontade dos nubentes afirmada de receberem-se por marido e mulher, ele, em nome da lei, os declara casados. Mas a habilitação para o casamento tem de estar diretamente ligada à celebração, ou são procedimentos distintos? Com o precedente da gratuidade desta, acreditamos que sim, mesmo porque, aqueles que podem, pagam as custas daquela. Se, a letra da lei estabelece, taxativamente, o reconhecimento da união estável, entre o homem e a mulher como entidade familiar, e alguns julgados as reconhecem entre pessoas do mesmo sexo, inclusive em sede do instituto da adoção, o casamento civil foi elevado a um patamar mais alto, ou seja, somente assim se constitui a família legítima, substantivo execrado pela Constituição de 1988 quanto a quaisquer filhos, e os julgados exatamente visam a proteção patrimonial na entidade familiar homossexual? Entraremos assim, na divergência entre: família e entidade familiar? O que fazer então com o princípio da isonomia, o qual está caracterizado como cláusula pétrea, consoante o artigo 60, parágrafo 4, inciso IV, combinado com o "caput" do artigo 5º da Carta Magna? Uma outra questão relevante que levantamos, é a conversão da união estável em casamento civil. O Estado a protege e imprime mandamento constitucional, no sentido da lei facilitar a conversão em casamento. Então, surge uma outra indagação. Se nós, oficiais, nos depararmos com uma decisão judicial declaratória positiva, reconhecedora de união estável entre pessoas do mesmo sexo, com trânsito em julgado, e os conviventes comparecerem à serventia para converter a mesma em casamento civil, o que faremos? Impedimentos cogentes, como descrito acima, ao que parece, não existem e, frise-se, no estado de São Paulo, as NSCGJ editam que a referida conversão prescinde de celebração. Remeteremos o processo de habilitação e, juntamente com ele, o procedimento de dúvida ao Exmo. Juiz Corregedor? Realmente é uma solução; a nosso ver, única, pois o poder jurisdicional pertence aos magistrados. Não poderemos, sozinhos, nos valer dos artigos 4º e 5º da LICC. Todavia, a respeitável decisão de primeiro grau não surtirá efeitos "erga omnes" e nós, registradores civis, temos, por obrigação, colaborar com a justiça, mormente com o Poder Judiciário; em nossa opinião, o mais próximo e conhecedor dos problemas da sociedade civil. Trata-se de uma hipótese remota? Talvez. Mas as normas jurídicas regulam hipóteses por meio do dever-ser, até que se verifique a subsunção. A questão parece causar polêmica, tanto jurídica como social, e "ad argumentandum tantum", nosso intuito ao escrever este artigo foi justamente incitar o debate democrático, sem nos posicionarmos de imediato, apenas levantando a questão. Entrementes, não podemos nos omitir de que uma realidade fática, pública e notória, como a união homossexual, bem como o casamento civil no mundo inteiro, em nosso país, não deva ser equacionado juridicamente. Esperamos críticas e sugestões, e agrademos a associação pelo espaço a nós permitido. Autores: Amilton Navarro é Oficial de Registro Civil do 38° Subsdistrito da Capital, na Vila Matilde, em São Paulo-SP e Paulo Sérgio de Paiva, Oficial Substituto do 38° Subsdistrito da Capital, na Vila Matilde, em São Paulo-SP Fonte: Arpen-SP