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Aquisição de imóveis rurais por empresa nacional com participação estrangeira

Questão ainda polêmica é a análise da legalidade do registro de propriedades rurais por empresas brasileiras com participação estrangeira. A princípio, a matéria é regulamentada pela Lei 5.709/71, que preconiza uma série de limitações às pessoas física ou jurídica estrangeiras que pretendam adquirir imóvel rural no Brasil. Todavia, a lei nasceu sob a égide da Constituição de 1969, que nada dispunha sobre o conceito de empresa brasileira ou sociedade nacional, cabendo ao legislador ordinário estabelecer esses conceitos. Assim surgiu a Lei 5.709/71, que equiparou a pessoa jurídica brasileira com participação estrangeira à própria pessoa jurídica estrangeira, e portanto sujeita às mesmas limitações de aquisição de imóveis rurais. Ocorre que a Constituição de 1988 erigiu à categoria constitucional o conceito de empresa nacional, ao estabelecer no artigo 171 uma diferença entre empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional, dispondo benefícios a esta última. Enquanto vigorava o artigo 171, ora revogado pela Emenda Constitucional 06/95, a AGU (Advocacia-Geral da União) editou o Parecer AGU/LA-04/94, no qual examinou a possibilidade de empresas brasileiras com participação estrangeira adquirirem imóveis rurais. O parecer concluiu pela não-recepção pela Constituição de 1988 do artigo 1º, parágrafo 1º, da Lei 5.709/71, que equipara a empresa brasileira com participação estrangeira à empresa alienígena. A AGU sustentou o parecer nos artigos 171 e 190 da Constituição. Anotou que o artigo 171, inciso I, ao prescrever que é considerada “empresa brasileira a constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no país” afastou a incidência de equiparação da empresa estrangeira à empresa nacional, quando esta, embora com sócios não-brasileiros, seja regularmente constituída sob as leis nacionais. Por sua vez, o artigo 190, que continua vigendo, dispõe que a lei apenas poderá regular e limitar a aquisição de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira, conseqüentemente, não poderá limitar a aquisição de propriedade rural por empresa nacional que apenas detenha participação estrangeira. Revogado o artigo 171 pela Emenda Constitucional 06/95, a AGU foi chamada novamente a se manifestar sobre o assunto, e o fez através do Parecer GQ-181. A conclusão não foi diferente do primeiro parecer, já que a revogação do artigo 171 não alterou a situação, em razão da impossibilidade de repristinação quando não expressamente autorizada. Sobre o assunto, destaco que o instituto da não-recepção é espécie de revogação tácita da lei, já que, em virtude da hierarquia das normas, um determinado dispositivo legal infraconstitucional não pode viger se conflitar com a nova ordem constitucional. Sendo assim, na hipótese de revogação da norma constitucional revogadora, aplica-se o artigo 2º, parágrafo 3º da Lei de Introdução ao Código Civil, que permite unicamente a repristinação expressa. Neste caso, não obstante a Emenda Constitucional 06/95 ter retirado do âmbito constitucional o conceito de empresa nacional, a verdade é que não repristinou o parágrafo 1º do artigo 1º da Lei 5.709/71, antes revogado (não-recepcionado) pelo artigo 171, I, da Constituição, por conflito dos dispositivos. Por outro lado, de fato o artigo 190 apenas oportuniza ao legislador ordinário a limitação de aquisição de imóveis rurais por pessoa física ou jurídica tipicamente estrangeira, e nesse ponto os demais artigos da Lei 5.709/71 atendem à ordem constitucional. Interessante é que, atualmente, o conceito de empresa nacional é outorgado pelo artigo 1.126 do Código Civil, religiosamente o mesmo que era estipulado pelo artigo 171, I, da Constituição. Assim, seja pela tese da não-recepção do parágrafo 1º do artigo 1º da Lei 5.709/71, ou pela revogação deste mesmo artigo pelo Código Civil, já que ambos tratam da mesma matéria e este é posterior àquele, a verdade é que a Lei 5.709/71 não pode ser aplicada para regular a aquisição de imóveis rurais por empresas brasileiras. Nessa linha de raciocínio, embora acompanhado das minhas reservas pessoais quando à aquisição descontrolada de imóveis rurais por empresas brasileiras de propriedade de estrangeiros, em especial na Amazônia Legal, estou convicto de que a Constituição pretendeu igualar as condições entre brasileiros e estrangeiros na aquisição de imóveis rurais, desde que as empresas sejam legitimamente brasileiras. Assim, definitivamente não há qualquer proibição legal para a empresa de sócios estrangeiros, regularmente constituída no Brasil, adquirir e registrar nos respectivos Cartórios de Registro imóveis rurais, independentemente do seu tamanho, já que eventuais restrições somente podem atingir empresas ou pessoas genuinamente estrangeiras. Fonte: Última Instância