Background

Artigo - Filiação Socioafetiva e seus efeitos no Direito Sucessório - Por Carlos Eduardo Lopes Chierici e Tauã Lima Verdan Rangel

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente trabalho vem explanar um dos temas de suma importância nos últimos debates jurídicos. Como decorrência da posse do estado de filiação, vem se modificando diversos posicionamentos sobre o reconhecimento jurídico da paternidade socioafetiva, e a jurisprudência moderna se curva a esta nova realidade que ora se apresenta (OLIVEIRA; SALLES, 2015).

O direito ao reconhecimento da filiação sempre recebeu proteção do ordenamento jurídico, desde o Código Civil de 1916 até este momento, algumas restrições foram impostas. No entanto, na companhia da promulgação da Constituição Federal de 1988, novos princípios adequaram de conduta a fim de que o legislador infraconstitucional melhor combinasse o Direito às tendências sociais. Tornou-se desse modo, o afeto valorizado como critério das relações familiares, que é fundamental nos relacionamentos humanos, por afetar diretamente a formação do indivíduo e de sua dignidade, mais precisamente na relação paterno-filial e na definição de paternidade (VENOSA, 2010).

Contudo atuaremos, aqui sobre a evolução histórica e social do direito de família, da filiação, assim como suas espécies previstas, incluindo também a filiação socioafetiva, e por fim, explanar a comparação da filiação socioafetiva frente a filiação biológica, buscando sempre o melhor interesse da criança e do adolescente, que é aqui a grande questão desse trabalho (AZEVEDO; SILVA, 2015).

MATERIAL E MÉTODOS

Para a presente pesquisa, foi levado em consideração a leitura de alguns artigos científicos, sites na internet e livros de doutrinadores para seleção de assuntos relevantes e legislação pertinente ao objeto, como a Constituição Federal de 1988. Com a análise desses seguimentos, foi possível esclarecer pontos interessantes e assim dar início ao desenvolvimento.

DESENVOLVIMENTO

Preliminarmente, distingue-se os conceitos de paternidade e filiação não se confundem. Refere-se de vínculos distintos. A filiação é conhecida como sendo a “relação jurídica que liga o filho a seus pais”, posto isto, é a relação vista sob a ótica do filho, entretanto que a paternidade é a relação familiar vista sob a perspectiva dos pais (GONÇALVES, 2008). Nesse contexto, com os novos elos afetivos que se formam nos grupos familiares, com o crescimento da família, surgiu o fenômeno jurídico do reconhecimento de uma paternidade socioafetiva, alheia à presença de laços sanguíneos entre os pais e os filhos (NOGUEIRA, 2001).

Seguindo esta linha de ideias, a verdade é que o Direito de Família Brasileiro revela, atualmente, uma tendência atual de prestigiar, não mais, exclusivamente, a origem genética na determinação da paternidade, notadamente quando, para se atribuir o estado de filiação a uma pessoa, seja ele consanguíneo ou não, impõe-se averiguar sobre um complexo de direitos e deveres. Nessa planura, Lôbo (2006) ensina que toda paternidade é, necessariamente, socioafetiva, sendo capaz de ter origem biológica ou não, isto é, a paternidade socioafetiva é gênero do qual são espécies a paternidade biológica e a não biológica.

De acordo com Madaleno (2008), a ciente percepção doutrinária e jurisprudencial passou a discorrer acerca da posse de estado, da qual, instituição tem dado incentivos para o acolhimento da filiação sustentada exclusivamente na relação de existência de vida em comum valorizando as relações de afeto e não mais o mecânico elo biológico. No passado sempre prestigiou a lei brasileira ao reconhecer como pai o procriador, invés daquele que criou, educou e amou um filho de outrem como se realmente fosse seu.

Notadamente, a filiação socioafetiva, visto que é dever do Estado, da sociedade e da família assegurar ao menor uma convivência saudável ao seu desenvolvimento moral, físico e psíquico. Isto é, assegurar uma família estruturada e harmoniosa é prioridade, mesmo que seja construída tão somente com base no afeto (AZEVEDO; SILVA, 2015).

Conforme Carbonera & Silva (2009), nesse desenvolvimento importância do pai social, é conferida àquele que protege, cuida, educa, oferece amor, e, em razão disso, cria um laço afetivo com o menor. É nesse sentido que o papel do pai é mais amplo, ele é mais farto em detalhes do que o papel do genitor, uma vez que a verdadeira paternidade decorre mais de amar.

Por oportuno, necessário se faz registrar que o reconhecimento de um filho serve de prova para evidenciar um fato. Sendo assim, apesar de serem tidos como filho, ao ficar evidenciada a “posse de estado de filho”, os direitos decorrentes do reconhecimento da filiação só podem ser exercidos após declaração judicial; tornando-se o filho detentor de todos os direitos atribuídos aos filhos consanguíneos (OLIVEIRA; SANTANA, 2017).

Feitas essas observações, surge uma questão a ser respondida: o filho que herda do falecido pai socioafetivo terá direito também à sucessão de seu pai biológico? Em um primeiro momento, a questão pode parecer confusa e de resposta indeterminada, mas a solução é bem simples. Tencionando a prevalência da afetividade, os interesses patrimoniais ficam em segundo plano, ou seja, não havendo vínculo afetivo com o pai biológico, o patrimônio deste não se transmite ao filho que não tenha vínculos sentimentais com ele, por estar os interesses patrimoniais em segundo plano, herdando o patrimônio, respeitadas as regras de sucessão hereditária com a correta interpretação, do pai socioafetivo na qual mantinha uma relação de afeto num primeiro plano e, por consequência, os direitos patrimoniais (SCOTT JUNIOR, 2010).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O doutrinado Perlingeri (2002), a respeito da paternidade socioafetiva, entende que, sangue e o afeto são razões autônomas de justificação para o momento constitutivo da família, mas o perfil consensual e afetivo constante e espontânea exercem cada vez mais o papel de denominador comum de qualquer núcleo familiar.

Para que haja o reconhecimento da filiação socioafetiva, há a necessidade do reconhecimento perante o Estado, que pode ser judicial ou extrajudicial. A maneira mais adequada para o reconhecimento da filiação, quer seja socioafetiva ou não, é mediante a inscrição no registro de nascimento da criança (FEITOSA, 2018). Os laços de afetividade são imprescindíveis à caracterização da paternidade socioafetiva, diante disso, a não comprovação destes gera a impossibilidade do reconhecimento da paternidade socioafetiva. Assim conforme entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

Ementa: Apelação. Negatória de paternidade. Anulação de reconhecimento de filho. Vício de vontade não comprovado. Irrevogabilidade. Paternidade socioafetiva configurada. 1. O reconhecimento voluntário de paternidade é irrevogável e irretratável, e não cede diante da inexistência de vínculo biológico. A ausência da origem genética, por si só, não basta para desconstituir o vínculo voluntariamente assumido. 2. A relação jurídica de filiação é construída também a partir de laços afetivos e de solidariedade entre pessoas geneticamente estranhas que estabelecem vínculos que em tudo se equiparam àqueles existentes entre pais e filhos ligados por laços de sangue. Inteligência do art. 1.593 do Código Civil. 3. O reconhecimento voluntário de paternidade, com ou sem dúvida por parte do reconhecente, é irrevogável e irretratável (arts. 1609 e 1610 do Código Civil), somente podendo ser desconstituído mediante prova de que se deu mediante erro, dolo ou coação, vícios aptos a nulificar os atos jurídicos em geral. Considerando que a instrução não trouxe qualquer elemento que corroborasse a tese de erro, ou outro vício qualquer de vontade, prevalece a irrevogabilidade do reconhecimento voluntário de paternidade. (TJ-RS - AC: 70041923061 RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Data de Julgamento: 28/07/2011, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 03/08/2011).

No julgado colacionado acima, o Tribunal de Justiça Gaúcho entendeu quanto à importância dos laços afetivos para a configuração da paternidade socioafetiva. Portanto, comprovados os laços, possível se fez o reconhecimento da paternidade socioafetiva entre pessoas geneticamente estranhas.

De acordo com Scott Júnior (2010), vale ressaltar que o instituto da paternidade socioafetiva tem sido uma partida à boa realização da justiça, já que é compreendida como uma relação jurídica de afeto, marcadamente nos casos em que, sem nenhum vínculo biológico, os pais criam uma criança por escolha própria. Assim, ao reconhecer a presença dos elementos caracterizadores da posse do estado de filho e a plena igualdade entre a filiação, mostra-se a inexistência de razões que impeçam a declaração da paternidade socioafetiva e, consequentemente, todos os seus efeitos sucessórios e obrigacionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente trabalho, vale destacar as principais mudanças das famílias no nosso meio social, pois nem sempre família entende que é expressamente aquela biológica, mas também a de origem socioafetiva, possibilitando ao filho receber, amor, proteção e cuidado que, provavelmente, não receberia do pai biológico, onde se presumia ser filho aquele nascido na constância do casamento. Nota-se, que ainda não basta a simples existência de afeto com o intuito de, que seja configurada a filiação, torna-se fundamental, ainda, a realidade da posse de estado de filho através de relações cotidianas e sociais e o modo que se apresentam no ambiente familiar.

Desse modo, o filho socioafetivo é um descendente, não tendo que, ser favorecido por meio de um testamento para evidenciar a sua filiação com proposito de ser reconhecido como herdeiro; visto que, iria contra o diz no do Art. 227, § 6°, da Constituição Federal da República. Com isso, buscando a igualdade de ambas as paternidades (sociológica e biológica), melhor seria, em respeito aos princípios da dignidade humana e igualdade, o reconhecimento simultâneo de ambas; tendo em conta, ser direito do filho socioafetivo os mesmos efeitos, resultantes da filiação biológica.

Conclui-se que o fundamento simplesmente biológico, deve ceder lugar ao perfil do amor e do afeto, proporcionando o reconhecimento de ambas as paternidades juntamente, com todos os seus efeitos legais, para que os princípios constitucionais supracitados sejam, de fato, observados.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Máira Braga; SILVA, Cristiane Afonso Soares. Filiação socioafetiva e seus efeitos no ordenamento jurídico brasileiro. In: Revista Científica dos Discentes da FENORD, Minas Gerais, 2015. Disponível em: . Acesso em: 05 mar. 2020.

CARBONERA, Silvana Maria; SILVA, Marcos Alves da. Os filhos da democracia: uma reflexão acerca das transformações da filiação a partir da Constituição federal de 1988. Curitiba: Juruá, 2009.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias.10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

FEITOSA, Morgana Karoline Cardoso. Reconhecimento extrajudicial e judicial da filiação socioafetiva e seus reflexos no direito das sucessões. 61f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito), Universidade Federal da Paraíba, Santa Rita, 2018. Disponível em: . Acesso em 01 abr. 2020.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. v. 6. São Paulo: Saraiva, 2008

LÔBO, Paulo Luiz Netto. A paternidade socioafetiva e a verdade real. In: Revista CEJ, n. 34. jul.-set. 2006. Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/723/903>. Acesso em: 08 mar. 2020.

MADALENO, Rolf. Filiação sucessória. In: Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2008.

NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras Nogueira. A filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica, 2001. Disponível em: < https://www.martinsfontespaulista.com.br/filiacao-que-se-constroi-o-reconhecimento-do-afeto-como-valor-juridico-a-176914.aspx/p>. Acesso em 01 abr. 2020.

OLIVEIRA, Eliana Maria Pavan de; SANTANA, Ana Cristina Teixeira de Castro. Paternidade socioafetiva e seus efeitos no direito sucessório. In: Revista Jurídica Uniaraxá, Araxá, v. 21, n. 20, p.87-115, ago. 2017. Disponível em: . Acesso em 01 abr. 2020.

OLIVEIRA, Sônia Karoline Amaral; SALLES, Lucivânia Guimarães. Paternidade socioafetiva e os reflexos no direito sucessório, 2015. Trabalho de conclusão de curso de direito- Universidade Tiradentes, Aracaju. 21p.

PERLINGERI, Pietro. Perfis do direito civil. 2. ed. Trad. Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

SANTOS, Luiz Felipe Brasil. STJ negatória de paternidade, anulação de reconhecimento de filho, vício de vontade não comprovado, irrevogabilidade, paternidade socioafetiva configurada. In: Jusbrasil, portal eletrônico de informações, 2012. Disponível em: <https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19776812/apelacao-civel-ac-70040743338-rs>. Acesso em: 04 mar. 2020.

SCOTT JUNIOR, Valmôr. Efeitos sucessórios da paternidade socioafetiva. In: Revista Sociais e Humanas, Santa Maria, v. 23, n. 2, p. 35-46, 2010. Disponível em: . Acesso em 01 abr. 2020.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil Direito das Sucessões. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2010.

Autores:

*Carlos Eduardo Lopes Chierici, Graduando do 9° período do curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana. E-mail: kadulopes90@gmail.com

*Tauã Lima Verdan Rangel, Professor Orientador. Pós-Doutor em Sociologia Política pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (2019-2020; 2020-2021). Doutor e Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Coordenador do Grupo de Pesquisa “Faces e Interfaces do Direito: Sociedade, Cultura e Interdisciplinaridade no Direito” – FAMESC – Bom Jesus do Itabapoana-RJ. E-mail: taua_verdan2@hotmail.com

Fonte: Jornal Jurid