No último dia 27 de dezembro foi publicada a Medida Provisória nº 1.085, que alterou, entre outros dispositivos legais, o artigo 54 da Lei nº 13.097/15 (Lei da Concentração dos Atos na Matrícula). De acordo com o artigo 16 da MP, o artigo 54 da Lei da Concentração dos Atos na Matrícula passou a ter o seguinte texto: “Artigo 54 — (…) II — averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, de que a execução foi admitida pelo juiz ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos da previstos no art. 828 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 — Código de Processo Civil; (…) IV — averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do disposto no inciso IV do caput do art. 792 da Lei nº 13.105, de 2015 – Código de Processo Civil. §1º. Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no registro de imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos art. 129 e art. 130 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel. §2º. Não serão exigidos, para a validade ou eficácia dos negócios jurídicos a que se refere o caput ou para a caracterização da boa-fé do terceiro adquirente de imóvel ou beneficiário de direito real: I — a obtenção prévia de quaisquer documentos ou certidões além daqueles requeridos nos termos do disposto no § 2º do art. 1º da Lei nº 7.433, de 18 de dezembro de 1985; e II — a apresentação de certidões forenses ou de distribuidores judiciais”. É possível que em uma primeira leitura menos atenta possa ser dada uma interpretação errônea de que a alteração realizada pela MP tenha restringido ou diminuído a amplitude do escopo de uma auditoria imobiliária, limitando-a à análise do “documento comprobatório do pagamento do Imposto de Transmissão intervivos, as certidões fiscais e as certidões de propriedade e de ônus reais”, listados no §2º do artigo 1º da Lei nº 7.433/85, conforme redação do artigo 16 da MP 1.085/21. Em que pese a MP ter limitado o rol de documentos exigidos legalmente, não quer dizer que a auditoria imobiliária se limita à análise desses poucos documentos. Todos os negócios imobiliários, sem exceção, devem ser precedidos de uma auditoria imobiliária que também tem como finalidade verificar a existência de irregularidades na aquisição/oneração do imóvel que possam implicar na ineficácia do negócio jurídico celebrado em razão de eventual decretação de fraude. Nesse ponto, a MP de fato delimitou os documentos que necessariamente precisam ser analisados para fins de demonstração da boa-fé do adquirente, para mitigar ou afastar a possibilidade de configuração de fraude na aquisição ou oneração do imóvel (em que pese ainda não resolver de uma vez por todas os impasses e divergências relacionados ao tema). Contudo, uma auditoria imobiliária não possui apenas a finalidade de afastar ou mitigar o risco de uma ineficácia em razão do reconhecimento de fraude. Pelo contrário, existem inúmeras outras finalidades que justificam a realização de uma auditoria criteriosa. Quanto a esses outros aspectos analisados numa auditoria, nada foi tratado pela MP (e nem poderia). A amplitude, profundidade e os critérios de análise de uma auditoria imobiliária são estabelecidos pelo adquirente do imóvel ou credor da obrigação a que pretende garantir com o imóvel. Especialmente em razão da disponibilidade e interesse desses agentes econômicos de se exporem a riscos envolvendo a operação imobiliária. Apenas como exemplo, sem pretender esgotar a lista dos possíveis objetivos de uma auditoria imobiliária, podem ser citadas: 1) A verificação da regularidade relativa ao desenvolvimento das atividades no imóvel pela empresa proprietária. Faz-se essa averiguação a partir da análise criteriosa das licenças do imóvel. A ausência de licenças, a depender do município em que se localize o imóvel, pode acarretar penalidades que vão desde multas a interrupção das atividades no imóvel; 2) A verificação dos documentos urbanísticos como zoneamento e uso e ocupação do solo, visando a identificar se existe alguma limitação de uso/destinação do imóvel e se há adequação às necessidades do adquirente, especialmente pessoa jurídica ou pessoa física que pretende desenvolver alguma atividade empresária no imóvel. Isso porque, antes de adquirir o imóvel para desenvolver alguma atividade, precisa-se verificar a possibilidade de realizar a atividade pretendida naquela determinada localidade; 3) A verificação da existência de obrigações propter rem e da regularidade das construções, que podem ter desdobramentos outros que não a ineficácia do negócio jurídico e que também dependem do estudo de documentos específicos; 4) Inclusive também pode ser objeto da auditoria a avaliação de questões reputacionais do vendedor que possam eventualmente esbarrar em políticas de compliance do adquirente e podem ser foco da auditoria e impedir o prosseguimento do negócio. Em resumo, a delimitação feita pela MP em relação aos documentos que necessariamente precisam ser analisados para demonstração da boa-fé do adquirente e, eventualmente, a declaração de ineficácia do negócio jurídico em relação ao credor prejudicado, não diminuiu a importância da realização de uma auditoria imobiliária ampla e detalhada, nem reduziu a lista de documentos que devem ser analisados previamente. Muito pelo contrário, aliás. As alterações realizadas na Lei nº 13.097/15 pela MP nº 1.085/21 apenas reafirmaram a necessidade e importância da análise de determinados documentos para garantir a segurança jurídica do negócio e afastar possíveis riscos de alegação de fraudes. Quanto aos demais aspectos que devem ser analisados em uma auditoria imobiliária, nada mudou com a MP. Aliás, as alterações implementadas, de uma certa forma, possibilitam que o risco de fraude seja mitigado em “menos tempo”, por se tratar de análise a ser realizada em rol de documentos mais enxuto, o que possibilita a dedicação de mais tempo para os demais pontos de atenção existentes em uma auditoria imobiliária. Fonte: Consultor Jurídico (ConJur)