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Artigo: Avanços e desafios marcaram o ano do Direito Imobiliário – Por André Abelha

Com o encerramento de 2021, enquanto começamos a superar a pandemia da Covid-19 para voltarmos ao novo normal, chega a hora de olharmos para trás e conferir algumas novidades relevantes para o Direito Imobiliário. Em nome da objetividade, desta vez as novidades estão separadas por temas. Despejos e desocupações O STF, na ADPF 828, suspendeu, até 31/3/2022: 1) a remoção forçada coletiva de imóvel privado ou público que sirva de moradia ou que represente área produtiva, se decorrente de decisão proferida após 20/03/2020; e 2) despejos liminares nas locações, desde que o locatário demonstre, em razão da pandemia, a incapacidade de pagamento sem prejuízo da subsistência familiar. Sublinhe-se que a suspensão dos despejos: 1) somente se aplica às locações residenciais com aluguel de até R$ 600 e às locações não residenciais de até R$ 1,2 mil; e 2) não abrange liminares em locação para temporada, em razão da morte do locatário ou para reparações urgentes determinadas pelo poder público. Isto é, muitos casos estão fora da abrangência da lei e da decisão, sendo necessário analisar cada hipótese, sem generalização. Cláusula resolutiva expressa e reintegração de posse O STJ decidiu ser “possível o manejo de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessário o ajuizamento de ação para resolução do contrato” (REsp 1.789.863-MS). Taxa de manutenção de loteamento A obrigação de contribuir para as despesas de manutenção do loteamento urbano cobrada por associação de moradores, prevista no contrato-padrão registrado no cartório de imóveis, surge somente a partir da aquisição do lote ou da casa, não abrangendo os débitos do anterior proprietário. Além disso, o Ministério Público possui legitimidade para defender grupo de titulares de lotes ou de casas. É o que foi decidido pelo STJ nos REsps 1.585.794-MG e 1.941.005-SP. Sistema de garantias O governo federal lançou o projeto de lei que dispõe sobre o aprimoramento das regras de garantias e outros assuntos. A medida, se aprovada no Congresso, terá impacto sobre o mercado imobiliário, com a flexibilização do uso das garantias e barateamento do crédito. Segundo o Ministério da Economia, as novas regras poderão movimentar até R$ 10 trilhões no crédito imobiliário. O PL prevê, entre outros: 1) a criação do serviço de gestão especializada de garantias, para facilitar o compartilhamento de garantias nas operações de crédito e de financiamento; 2) que as garantias assegurarão todas as operações autorizadas pelo garantidor, e que o inadimplemento de quaisquer das operações possibilitará à gestora de garantia considerar vencidas antecipadamente as demais operações vinculadas às garantias; 3) que um único imóvel poderá ser alienado fiduciariamente mais de uma vez, de modo superveniente, ficando a eficácia da segunda garantia condicionada ao pagamento do primeiro crédito; 4) a execução extrajudicial dos créditos garantidos por hipoteca e da garantia imobiliária em caso de concurso de credores; e 5) a alteração do Código Civil (artigo 853-A) para prever a figura do agente de garantia, designado pelos credores das obrigações garantidas, que terá dever fiduciário e atuará em nome próprio e em benefício dos credores. Locações de curta temporada A 3ª Turma do STJ, no REsp 1.884.483, por unanimidade, seguindo a mesma linha da 4ª Turma (REsp 1.819.075, julgado em abril), decidiu que o condomínio residencial pode proibir, a priori, locações de curta temporada via aplicativos como o AirBnb. O argumento central é que tal modalidade desnaturaria a destinação residencial, com violação ao artigo 1.351 do Código Civil (CC), que exige unanimidade dos condôminos para a alteração. As decisões ainda deixam questões no ar: 1) e se a locação de curta temporada for ajustada sem o uso de plataforma virtual?; 2) se o pano de fundo é o incômodo causado por tais locações, a proibição será lícita mesmo quando o condômino-locador não causar incômodo, insegurança, risco à saúde, nem violar os bons costumes?; 3) se o problema é a violação ao artigo 1.351 do CC (e também à parte inicial do artigo 1.336, IV), por que a proibição dependeria de deliberação de dois terços dos condôminos?; 4) essa possibilidade se aplica a condomínios situados em áreas com vocação turística? Condomínio de casas deve ser visto de forma diferente? E os loteamentos de acesso controlado?; 5) e se tal locação já era costumeira no condomínio?; e 6) quais serão os critérios para se averiguar eventual abuso do direito de proibir (CC, artigo 187)? Registro de imóveis: Saec e tokenização O Sistema Eletrônico de Registro de Imóveis (SREI) tem, entre outros, o objetivo de viabilizar a instituição do sistema de registro eletrônico de imóveis previsto no artigo 37 da Lei 11.977/09, melhorando a segurança da informação, interconectando os cartórios e garantindo a continuidade dos serviços registrais em elevado padrão técnico. O SREI é integrado pelos oficiais de registro de imóveis de cada Estado e do DF; pelo Serviço de Atendimento Eletrônico Compartilhado (Saec), de âmbito nacional; e pelas centrais eletrônicas, todos coordenados pelo ONR, o operador nacional do SREI. Em setembro, mais um passo importantíssimo foi dado: após um trabalho colossal e relevantíssimo dos envolvidos no projeto, o Saec foi oficialmente lançado. Outro fato digno de nota é a edição do Provimento CGJ/TJ-RS nº 038/2021, que regulamenta a lavratura de escrituras públicas de permuta de bens imóveis com contrapartida de tokens ou criptoativos e o respectivo registro imobiliário pelos cartórios do RS, levantando importante discussão sobre a tokenização imobiliária. Imóveis da União O Programa SPU+ tem o objetivo de inovar, modernizar e transformar a gestão e governança do patrimônio imobiliário da União, e para tanto foi dividido em três módulos: (a) alienação: ações para incremento da venda de imóveis, doação, regularização fundiária e remição de foro; (b) racionalização: aplicação da engenharia patrimonial no uso dos imóveis da administração pública (permutas, adequação do espaço, dentre outras ações); e (c) cessão e concessão: ampliação das cessões onerosas e em condições especiais e as cessões de direito real de uso onerosas e gratuitas. Muita coisa boa pode surgir daí, e o mercado imobiliário precisa aproveitar a oportunidade. Mas não nos iludamos com manchetes sensacionalistas caça-cliques. Não haverá “o fim do laudêmio”. Ou então precisamos anunciar “o fim do aluguel” por causa do direito de preferência. Programas de requalificação urbana Para tentar reverter a tendência de degeneração local, a Prefeitura do Rio de Janeiro lançou o Programa Reviver Centro (Lei Complementar nº 229/2021), com o objetivo macro de atrair novos moradores e promover a recuperação urbanística, social e econômica da região. Além de prever incentivos fiscais, o programa estimula a locação social, a construção de novas moradias e a conversão do uso de prédios comerciais para transformá-los, após reforma, em edifícios de uso residencial ou misto. Na mesma linha, o prefeito de São Paulo sancionou a Lei municipal nº 17.577/2021, que trata do Programa Requalifica Centro, que também prevê incentivos a fim de atrair investimentos para a região. Essas leis estimulam projetos de retrofit e conversão de uso dos edifícios, e o desafio será superar, nos condomínios pulverizados, a exigência de unanimidade prevista na legislação civil. Imóveis rurais A Receita Federal do Brasil publicou a IN nº 2.030/2021, que institui o Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB), que integrará o Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter). O CIB, a ser administrado pela Receita Federal, terá como ousada meta centralizar informações cadastrais de todos os imóveis do Brasil, rurais e urbanos. Para os imóveis rurais, o CIB substituirá o Nirf, e até junho de 2022 o CIB poderá, excepcionalmente, ser emitido para áreas sem localização georreferenciada. Se der certo, o CIB, ao lado do SREI, poderá representar mais um passo importantíssimo na revolução cadastral imobiliária em curso no país. Fiador na locação não residencial Está empatado em 4 a 4 o julgamento do RE 1307334, em que se discute a possibilidade de penhora de bem de família do fiador de contrato de locação não residencial. Pela possibilidade de penhora os ministros Alexandre de Moraes, Luis Roberto Barroso, Nunes Marques e Dias Toffoli. Pela proteção do bem de família os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Carmén Lúcia e Ricardo Lewandowski. O mercado acompanha preocupado a conclusão do julgamento, que foi suspenso em agosto. Alienação fiduciária e consumidor O STJ afetou o Tema 1.095 para “definição da tese alusiva à prevalência, ou não, do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de resolução do contrato de compra e venda de bem imóvel com cláusula de alienação fiduciária em garantia”, com determinação de suspensão do processamento de todos os feitos e recursos pendentes que versem sobre idêntica questão, nos termos do artigo 1.037, II, do CPC/2015. Assembleias condominiais virtuais Foram aprovados na CCJ da Câmara dos Deputados o PL 548/2019 e seus apensos. O PL 548 acresce ao Código Civil o artigo 1.353-A para autorizar as assembleias condominiais virtuais “desde que não haja quórum nas convocações presenciais, que tal possibilidade tenha sido aventada quando da convocação da assembleia e que seja garantida participação de todos os condôminos”. Se o atual texto passar pelo plenário, e então pelo Senado, com promulgação sem vetos, será mais um exemplo de lei que vem para dizer o óbvio. Estamos culturalmente condicionados a achar que só podemos fazer o que a lei permite, quando na vida privada é justamente o oposto: temos autonomia e liberdade para fazer tudo o que não viole a legislação em vigor e o direito alheio. Licitações A nova Lei de Licitações (14.133/21), invade, como a anterior, o Direito Imobiliário. Eis o que consta de principal no tocante a bens imóveis: 1) definições de obra, de serviço comum de engenharia, de leilão e de investidura; 2) edital do leilão (descrição); 3) necessidade de licitação, avaliação, justificativa e autorização legislativa (e hipóteses de inexigibilidade, dispensa e direito de preferência) para fins de locação, alienação, doação com encargo e concessão de título de propriedade ou de direito real de uso de imóveis urbanos e rurais; 4) imposição de escritura pública e manutenção em website público para contratos relativos a direitos reais sobre imóveis; 5) impossibilidade de dívidas do contratado onerarem ou restringirem a regularização e o uso das obras e das edificações, inclusive perante o registro de imóveis, salvo nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra; e 6) prazo de garantia e responsabilidade por vícios, defeitos ou incorreções nos casos de construção, reforma, recuperação ou ampliação do imóvel. ITBI O STF aprovou a tese decorrente do Tema 1.124, com repercussão geral, pelo qual o fato gerador do ITBI “somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro”. Superendividamento Entrou em vigor a Lei nº 14.181/2021, que alterou o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso, disciplinando o crédito ao consumidor e dispondo sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento, com aumento da lista de nulidades em contratos firmados com fornecedores. Agora, a concessão de crédito deve ser precedida de exame da condição financeira do consumidor, para não estimular o endividamento imprudente do devedor. Por outro lado, o consumidor tem o dever de não assumir dívidas que comprometam sua capacidade de pagamento. A lei impacta o mercado imobiliário e torna necessária a revisão das minutas dos empreendimentos. APPs urbanas O STJ julgou o Tema Repetitivo 1010, que se aplica a áreas de preservação permanente de cursos d’água em área urbana consolidada, e no qual se decidiu, sem modulação, que na vigência do novo Código Florestal, ou seja, devem ser respeitados os afastamentos de áreas não edificáveis previstos na lei. Isso gerou insegurança jurídica, especialmente para empreendimentos construídos a partir de 2012, quando a lei entrou em vigor, que em tese podem ter suas licenças ameaçadas. Felizmente o Congresso Nacional aprovou o PL 2.510/2019, sem as emendas apresentadas pelo Senado Federal, que inclui no Código Florestal o conceito de áreas urbanas consolidadas, e outorgando aos planos diretores ou lei municipais de uso do solo a definição das APPs de curso d’água conforme critérios locais, mediante estudo socioambiental. Fica ainda autorizada, mediante compensação ambiental, a regularização das construções situadas nas faixas marginais de cursos d’água realizadas até abril. O projeto segue para sanção presidencial. Como se vê, o Direito Imobiliário é um mundo abrangente e dinâmico, em que os fatos se sucedem com velocidade e quantidade impressionantes, exigindo dos profissionais da área um esforço permanente de atualização. O que nos espera em 2022? Quem viver, verá. Fonte: Conjur