A regularização imobiliária é um problema sério no Brasil. Percebe-se não apenas no dia a dia, conversando com pessoas e analisando as demandas recebidas em tabelionatos de notas, escritórios de corretores imobiliários e de advocacia, como também em estudos relevantes, tal qual o relatório do Banco Mundial denominado “Doing Business: subnacional Brasil 2021”. Os esforços para mudar o cenário vêm ocorrendo, como se verifica na regulamentação do procedimento de usucapião extrajudicial, a partir do Código de Processo Civil (2015) e do Provimento 65/2017 do Conselho Nacional de Justiça, que estabelece diretrizes para o procedimento da usucapião extrajudicial nos serviços notariais e de registro de imóveis, bem como na Lei 13.465/2017, que dispõe sobre regularização fundiária rural e urbana. Talvez o mais importante dos últimos anos tenha sido a regulamentação do procedimento de usucapião extrajudicial, realizado perante o ofício de registro de imóveis, conforme o citado Provimento 65/2017 do CNJ, que abrange mais hipóteses de regularização que outros institutos, e cria alternativa ao processo judicial para o reconhecimento da aquisição da propriedade por usucapião. Mais recentemente, uma decisão do Supremo Tribunal Federal trouxe novo avanço para melhoria da situação fundiária no país. Trata-se da decisão sobre o Tema 1.124 das teses de repercussão geral da suprema corte. O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento, de observância obrigatória para os demais tribunais de justiça, de que o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e direitos a eles relativos (ITBI) somente é devido com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro no cartório de imóveis. O caso julgado pelo Supremo Tribunal Federal tratou especificamente como delimitado pelo ministro Luiz Fux, relator do recurso analisado, sobre a possibilidade de incidência do ITBI em cessão de direitos de compra e venda, mesmo sem a transferência de propriedade pelo registro imobiliário. Apesar da delimitação às situações de cessão de direitos de compra e venda, a decisão é de relevante utilidade para a regularização fundiária, já que no Brasil existe uma prática de realização de sucessivos negócios imobiliários sem o devido registro no ofício de registro de imóveis competente. Certamente o exemplo mais comum é o do comprador que adquire o imóvel da proprietária, pessoa física ou jurídica indicada no registro do cartório de imóveis, não efetua o registro do título de aquisição no cartório de imóveis e, posteriormente, realiza sua venda para terceiro. E essa é justamente a situação julgada pelo Supremo Tribunal Federal sob o Tema 1.124 das teses de repercussão geral. Os municípios, talvez a sua maioria, exigiam o pagamento do ITBI em razão das duas transações. O primeiro ITBI, da proprietária para o comprador; e o segundo, do comprador para o terceiro adquirente. Mesmo que os títulos das transações não fossem registrados, exigia-se o pagamento do ITBI. Se, em algum momento, as partes necessitassem regularizar a propriedade imobiliária, com a formalização das transferências pelos instrumentos adequados e seus respectivos registros, os impostos de cada transferência seriam exigidos pelo ente público e, inclusive, pelos tabelionatos de notas e ofícios de registro de imóveis, em decorrência do dever de fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que praticam. Portanto, a decisão do Supremo Tribunal Federal diz aos municípios, competentes que são para instituir o ITBI, que podem exigir o ITBI apenas na transferência do imóvel, que se dá mediante o registro da escritura pública (ou contrato particular, em algumas situações específicas) no ofício de registro de imóveis. Ou seja, o ITBI será devido para a transferência “definitiva”, assim denominada a transferência realizada junto ao ofício de registro de imóveis. Se forem realizadas três transações imobiliárias, da pessoa proprietária para o primeiro adquirente, do primeiro adquirente para o segundo, do segundo para o terceiro adquirente, sendo que o terceiro adquirente pretende transferir a propriedade do imóvel para si (ou seja, mediante o registro do título translativo no registro de imóveis), o ITBI exigido será apenas para esta última transação. As cessões anteriores não são suportes para a incidência de ITBI, cessões de direitos de promissários compradores, já que não há transferência da propriedade, pois a propriedade permanece sendo daquela pessoa indicada no registro do cartório de imóveis. Assim, atenta à decisão do Supremo Tribunal Federal, e a fim de conferir segurança jurídica, maior celeridade, eficiência e economicidade aos atos praticados pelos notários e registradores, a Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco editou o Provimento 10/2021, publicado no Diário de Justiça do Estado em 16 de junho deste ano. O Provimento 10/2021 da CGJ-TJPE altera o Código de Normas das Serventias Notariais e de Registros do Estado de Pernambuco (CNSNR/PE), regulamentando os procedimentos a serem observados quando não estiver registrada a promessa de compra e venda e for do interesse das partes a manutenção dos negócios jurídicos preliminares de promessa e cessão de direitos no âmbito do direito obrigacional. Logo no primeiro inciso do novo artigo 1.081, cuja redação foi reformada com o Provimento 10/2021, percebe-se a melhoria do ambiente para a regularização da propriedade imobiliária. O inciso I do artigo 1.081 do CNSNR/PE estabelece que o título definitivo a ser registrado, celebrado em cumprimento de negócios jurídicos obrigacionais anteriores, deve ser outorgado pelo titular do domínio diretamente ao último cessionário, independentemente da anuência dos cedentes no título. O inciso II tem semelhante finalidade, contudo, tratando da situação específica da ação de adjudicação compulsória. Estabelece que, em se tratando de carta de sentença da ação de adjudicação compulsória, ajuizada diretamente contra o titular do domínio pelo último cessionário dos direitos de promissário comprador, para o seu registro não será exigível a presença dos cedentes como litisconsortes. Os dois primeiros incisos do novo artigo 1.081 do CNSNR/PE deixam claro que a participação dos cessionários intermediários deixou de ser obrigatória nos títulos, judicial e extrajudicial, que serão levados a registro com a celebração do negócio definitivo, para efetiva transferência da propriedade. Anteriormente, as partes interessadas na regularização do imóvel com a efetiva transferência da propriedade teriam de buscar todos os cedentes e cessionários para assinar a escritura pública definitiva, ou teriam de incluí-los em ação de adjudicação compulsória ou fornecer todos os seus documentos para o ofício de registro de imóveis no momento do registro. Essa obrigatória participação dos cedentes e cessionários intermediários dificultava a regularização imobiliária. Muitas vezes, inclusive, inviabilizando-a, pois as pessoas intermediárias haviam falecido, estavam em local totalmente desconhecido, ou, até mesmo, entendiam que não possuíam qualquer responsabilidade ou obrigação com o negócio realizado. O caminho estabelecido com o Provimento 10/2021 da CGJ-TJPE, em conformidade com o recente entendimento do Supremo Tribunal Federal manifestado sob repercussão geral, exige apenas dos principais interessados, proprietário e adquirente “definitivo”. O proprietário deve ter total interesse na regularização imobiliária porque as obrigações tributárias e ambientais são vinculadas ao imóvel e, por isso, pode sofrer com cobranças de tributos como o IPTU e o ITR, ou de taxas condominiais, dentre outras possíveis responsabilidades. O adquirente deve ter interesse na regularização para se tornar proprietário do bem imóvel. Só é dono (proprietário) quem registra. Essa é a máxima quando se trata de bens imóveis no Brasil. Ademais, não transferir a propriedade traz ao adquirente o risco de perdê-la em situações como a dupla venda, em caso de má-fé dos anteriores titulares dos direitos, bem como o risco de perder o imóvel por dívidas do proprietário. Já o inciso III, artigo 1.081, do CNSNR/PE trata da parte registral, estabelecendo que os negócios intermediários de promessa de compra e venda e cessão de direitos, denominados títulos preliminares obrigacionais no Provimento 10/2021 da CGJ-TJPE, quando indicados na escritura pública ou na carta de adjudicação, serão averbados na matrícula do imóvel, sem necessidade de apresentação dos originais dos títulos obrigacionais mencionados. Portanto, nas escrituras públicas e na carta de adjudicação, as partes e seus auxiliares jurídicos deverão observar se constam as informações obrigatórias para que o ofício de registro de imóveis averbe a existência de títulos preliminares obrigacionais. As informações obrigatórias são: a natureza jurídica, a data e o valor declarado de cada título obrigacional intermediário. O inciso IV estabelece que os negócios jurídicos não constituem ou transferem direito real, por esse motivo, esse inciso esclarece e complementa o inciso III, que denomina os negócios intermediários de títulos preliminares obrigacionais. Por sua vez, o inciso V estabelece o ápice do Provimento 10/2021 da CGJ-TJPE, pode-se assim dizer, para as pessoas interessadas na regularização da propriedade imobiliária e para os tabeliães e registradores, pois assegura que não haverá controle de ITBI para as cessões de direitos e compromisso de compra e venda não registrados. Às pessoas, o provimento garante a observância da decisão do Supremo Tribunal Federal de modo uniforme no estado de Pernambuco, pondo-as a salvo de atrasos nas atualizações legislativas municipais. Aos tabeliães e registradores, assegura que lavrem e registrem os atos sem risco de sanção administrativa-disciplinar por falta de observância da legislação tributária. Por fim, o inciso VI nos parece uma ratificação do inciso III, pois dispõe como obrigatório ao registrador de imóveis no ato de registro envolvendo a transferência de domínio não exigir que os títulos preliminares sejam registrados e proceder com a averbação na matrícula do imóvel a notícia dos negócios jurídicos preliminares obrigacionais, informando, inclusive, a data e o valor relativos às cessões de direitos e compromisso de compra e venda. Com o Provimento 10/2021 da CGJ-TJ-PE, a regularização da propriedade imobiliária ficou mais acessível, mais prática e mais célere para algumas situações; por consequência, recomenda-se aos titulares de direitos aquisitivos e aos operadores do mercado imobiliário que fiquem atentos às possíveis soluções de casos. O imóvel regularizado transita com mais facilidade no mercado, tem maior valor de avaliação, fica disponível para ser oferecido em garantia de empréstimos e financiamentos, enfim, oferece os direitos e benefícios que só ao proprietário é assegurado. Fonte: ConJur