Background

Artigo: A doação com reserva de usufruto como importante instrumento do planejamento patrimonial – Por Karina Ishikawa

O artigo tratará sobre a doação com reserva de usufruto, que traz benefícios econômicos, evita as burocracias do inventário e conflitos entre os herdeiros. Em que pese a morte do ser humano ser uma certeza, assim como a herança ser uma consequência sucessória, poucos se preocupam em planejar a transmissão patrimonial de forma simplificada e mais econômica aos herdeiros. O planejamento patrimonial e sucessório é um importante mecanismo para a redução de potenciais conflitos entre os herdeiros e distribuição do patrimônio de maneira mais adequada e pertinente, além de conferir maior segurança e gerar economia com impostos, despesas com inventário, dentre outros custos. Por meio de instrumentos adequados, é possível realizar um bom planejamento. No artigo em comento, será abordada a doação com cláusula de usufruto como um eficiente instrumento no planejamento sucessório. Diferente do testamento, no qual a propriedade será realizada somente após a morte do proprietário dos bens, a doação com cláusula de usufruto é a realização de um ato de disposição em vida e permite a transferência da propriedade em vida, de modo que o doador escolhe quem serão os seus “herdeiros” e doa os respectivos bens, observados os limites legais. Ademais, em razão da reserva de usufruto, o doador poderá continuar usufruindo do bem pelo tempo que determinar ou até a sua morte. Por exemplo, um pai doa uma casa ao filho, com reserva de usufruto vitalício. Desta forma, o filho passa a ser o proprietário. Contudo, em razão da reserva de usufruto vitalício, o pai poderá usar e morar na casa até a sua morte, de modo que o filho não poderá vender o imóvel e tampouco expulsá-lo e/ou exigir a posse, enquanto o pai estiver vivo. Importante destacar que o doador poderá escolher quem serão os seus herdeiros, nos limites da lei, devendo observar a legítima. Por exemplo, no caso de um pai sem esposa e com 02 (dois) filhos, será obrigação do pai transmitir, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) da herança para cada um dos filhos. No tocante ao percentual remanescente, na alíquota de 50% (cinquenta por cento), o pai poderá distribuir o patrimônio conforme a sua vontade, até mesmo transmitindo a um de seus filhos, de modo que um deles poderia ficar com 75% (setenta e cinco por cento) da herança e o outro filho ficar com 25% (vinte e cinco por cento) da herança. De outra parte, caso o pai não respeitasse os limites legais e transmitisse 80% (oitenta por cento) para um de seus filhos e 20% (vinte por cento) para o outro filho, a doação não seria válida, pois, nesta hipótese, não teria sido observado o percentual mínimo legal supramencionado. Ademais, em relação aos 50% (cinquenta por cento) dos bens remanescentes (metade dos bens que não compõem a herança dos descendentes diretos), não há obrigatoriedade de doação deste percentual para um parente, ou seja, é possível doar a um amigo, vizinho, dentre outros. Além disso, os herdeiros diretos do doador não podem contestar a doação e tampouco a reserva de usufruto, desde que os requisitos legais sejam observados na doação. Nesta senda, depreende-se que, na doação com reserva de usufruto, após o falecimento do doador, não haverá necessidade de os herdeiros realizarem inventário ou partilha, pois os bens já foram transmitidos. Por outro lado, o testamento, que é uma manifestação de vontade de uma pessoa viva sobre a distribuição de seu patrimônio, não retira a necessidade do inventário. Isso porque, no testamento, o testador manifesta em vida a sua vontade acerca da distribuição dos bens, porém os bens serão transmitidos somente após a morte do testador. Logo, na hipótese de testamento, será necessário realizar o inventário após a morte do testador. Assim sendo, vislumbram-se as seguintes considerações sobre a doação com reserva de usufruto a propriedade passa a ser do donatário/nu-proprietário (quem recebeu o bem); o doador/usufrutuário tem o direito de usar o bem; o doador/ usufrutuário não pode doar todos os bens e ficar sem renda suficiente para a sua subsistência, sob pena de nulidade; o doador/ usufrutuário deve observar os limites legais na transmissão de seu patrimônio; não haverá inventário do usufruto em caso de falecimento do doador/usufrutuário e, por consequência, não haverá custos/despesas com inventário; e é um meio para evitar conflitos de partilha entre os herdeiros Em relação aos custos, na doação com reserva de usufruto, haverá: (a) Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCDM), cuja alíquota varia de de 2% (dois por cento) a 8% (oito por cento), de acordo com o Estado e (b) despesas/emolumentos da escritura e registro em Cartório. Em que pese a doação aparentar um elevado custo, importante destacar que a doação ainda é um instrumento mais em conta em relação ao inventário. No inventário extrajudicial (realizado em cartório), há os seguintes custos iniciais: Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCDM); honorários advocatícios, geralmente calculados sobre o valor da herança; escritura do inventário e emolumentos do cartório. Já no inventário judicial, há ainda mais custos – vide a seguir: Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCDM); honorários advocatícios, geralmente calculados sobre o valor da herança; emolumentos do cartório (para fins de solicitação de certidões exigidas pelo Juiz, por exemplo) e custas e despesas do processo. No Estado de São Paulo, o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) é, em regra, cobrado na doação com reserva de usufruto da seguinte forma: 2/3 (dois terços) na doação e, posteriormente, 1/3 (um terço) é cobrado quando ocorre a extinção do usufruto. Contudo, a lei 10.705/00, que regula o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) no Estado de São Paulo, não prevê a incidência do referido imposto quando houver a extinção do usufruto. Logo, de acordo com a lei estadual, só poderia haver a cobrança do imposto, na proporção de 2/3 (dois terços) sobre o valor do bem, no momento da doação. Não bastasse isso, o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) está previsto no artigo 155, inciso I, da Constituição Federal de 1988, cujo fato gerador é a transmissão causa mortis e a doação dos bens, nos termos dos artigos 35 a 42 do Código Tributário Nacional. Desse modo, não há que se falar na incidência de Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) no caso de extinção do usufruto. Nessa linha, foi o recente acórdão proferido nos autos do processo 1046966-50.2019.8.26.02241, que tramitou perante a 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no qual foi reconhecida a exigência do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) na proporção de 2/3 (dois terços) sobre o valor do bem no momento da doação. Ademais, em razão da ausência de previsão legal, os nobres julgadores entenderam pela ilegalidade da cobrança de 1/3 (um terço), referente ao Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) remanescente, em razão da extinção do usufruto decorrente da morte do usufrutuário. Isto posto, se o entendimento supramencionado passar a ser adotado no Estado de São Paulo, o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) será correspondente a 2/3 (dois terços) sobre o valor do bem doado, nos casos de doação com usufruto. De outra parte, no inventário, o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) é recolhido integralmente, o que torna o procedimento mais custoso. Outra vantagem é que a doação pode ocorrer em partes, ou seja, os bens podem ser transmitidos gradativamente, até mesmo como uma estratégia para o pagamento dos impostos e demais despesas. Já no inventário, não há essa possibilidade de transmissão gradativa de bens, de modo que será necessário pagar todos os impostos e despesas de uma só vez. Portanto, a doação com reserva de usufruto é um instrumento eficiente no planejamento sucessório, poupando os donatários/usufrutuários de burocracias após o falecimento do doador/nu-proprietário. Além disso, a doação com cláusula de usufruto é (i) mais em conta financeiramente em relação ao inventário; (ii) evita as burocracias do inventário; (iii) possibilita a escolha dos herdeiros, observados os limites legais e (iv) o doador/usufrutuário poderá usar e gozar dos bens doados enquanto viver ou por outro prazo que desejar e constar na escritura. Fonte: Migalhas