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Artigo: Os novos enunciados doutrinários do IBDFAM – Por Flávio Tartuce

Nos últimos dias 27 a 29 de outubro de 2021, o Instituto Brasileiro de Direito de Família realizou o seu XIII Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões, um dos maiores eventos de Direito Privado do País e do mundo. De forma totalmente remota, participaram mais de dois mil inscritos. Dentro de sua programação, como já vem ocorrendo desde a edição de 2015, foram apresentados os novos enunciados do IBDFAM, que vêm sendo utilizados no campo prático de forma crescente, notadamente pela jurisprudência nacional. Como é notório, os enunciados traduzem a posição doutrinária de um grupo de juristas ou de uma instituição, trazendo nortes interpretativos sobre determinados assuntos. Nesta oportunidade, as propostas aprovadas trataram de temas como as consequências jurídicas da pandemia, violência doméstica, herança digital, uso de imagem dos filhos, namoro qualificado, filiação socioafetiva, convivência familiar e divórcio. A comissão de enunciados do IBDFAM recebeu cento e doze propostas de seus associados até o dia 14 de outubro último, dos seguinte Estados: Alagoas, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe. De início, foram selecionadas quinze delas, em análise cega, pelo grupo formado pelos Professores Giselda Hironaka, Marcos Ehrhardt Jr., Ana Carolina Brochado Teixeira, Gustavo Andrade, Luciana Brasileiro, Ricardo Calderón, Rodrigo Toscano, Simone Tassinari; além deste autor. A comissão ajustou a redação de algumas das proposições e elas foram submetidas à votação dos associados, em meio eletrônico. Ao final, sugiram os novos enunciados, decorrentes das dez propostas mais votadas pelos associados, após 6.799 votos no total. A seguir vejamos uma breve análise das novas ementas doutrinárias, sendo certo que estão na ordem de início pelas que receberam mais votos. Pois bem, conforme o novo Enunciado 37 do IBDFAM, nos casos que envolverem violência doméstica, a instrução processual em ações de família deve assegurar a integridade física, psicológica e patrimonial da vítima. Trata-se de proposta que procura efetivar a Lei Maria da Penha de forma correta e precisa, protegendo a vítima. Como é notório, infelizmente, houve um crescimento considerável dos casos de violência doméstica em meio à pandemia, o que evidencia a grande concretude da súmula doutrinária. Igualmente tratando de consequências da grave crise que ainda nos atinge, o Enunciado 38 estabelece que a interação pela via digital, ainda que por videoconferência, sempre que possível, deve ser utilizada de forma complementar à convivência familiar, e não substitutiva. Como se sabe, essa interação por meios eletrônicos foi intensificada nos últimos dois anos, não podendo substituir a convivência física e pessoal. A ementa é completada por outra, que será analisada a seguir, sobre guarda de filhos. No que concerne a importantes limites para o exercício do poder familiar ou da autoridade parental, outra proposição aprovada preceitua que “a liberdade de expressão dos pais em relação à possibilidade de divulgação de dados e imagens dos filhos na internet deve ser funcionalizada ao melhor interesse da criança e do adolescente e ao respeito aos seus direitos fundamentais, observados os riscos associados à superexposição” (Enunciado 39). Consubstancia-se ideia consolidada entre os civilistas de que a liberdade de expressão encontra limites em outros direitos fundamentais e da personalidade, não podendo ser tida como absoluta. Sobre a herança digital, exatamente na linha do que sustentei em outro texto aqui publicado, o Enunciado 40 prevê que ela pode integrar a sucessão do seu titular, ressalvadas as hipóteses envolvendo direitos personalíssimos, direitos de terceiros e disposições de última vontade em sentido contrário. Segue-se a vertente doutrinária que procura separar os direitos inerentes à personalidade do titular dos direitos patrimoniais puros, havendo a transmissão aos herdeiros do falecido somente quanto aos últimos; desde que o autor da herança não tenha se manifestado em sentido contrário perante o próprio provedor ou em documento idôneo, como em um testamento. Complementando a ementa anterior, novamente quanto à pandemia, o Enunciado 41 orienta que o regime de convivência que já tenha sido fixado em decisão judicial ou acordo deve ser mantido, salvo se, comprovadamente, qualquer dos pais for submetido a isolamento ou houver situação excepcional que não atenda ao melhor interesse da criança ou adolescente. Segue-se proposta de alteração legislativa que fizemos ao então Projeto 1.179, e que gerou a Lei 14.010/2020 (RJET), mas que acabou não sendo adotada pelo Senado Federal. Naquela ocasião a proposta foi elaborada em conjunto com os Professores José Fernando Simão e Maurício Bunazar ao Senador Rodrigo Pacheco, mas acabou não sendo incorporada ao texto legislativo. Trata-se de uma das questões mais judicializadas em tempos de pandemia, e a proposta doutrinária acaba trazendo um norte seguro para os aplicadores do Direito. Apesar do bom momento que vivemos quando da elaboração deste artigo – em novembro de 2021 -, novamente existem incertezas, como no último ano, quanto à possibilidade de novos surtos ou de ondas pandêmicas. Sobre o namoro qualificado – em homenagem ao Mestre Zeno Veloso, que foi um dos responsáveis por difundir a expressão -, aprovou-se o Enunciado 42, segundo o qual, diferentemente da união estável, ele não engloba todos os requisitos cumulativos presentes no art. 1.723 do Código Civil, a saber, a convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família. O enunciado dialoga com a jurisprudência superior, sobretudo com o seguinte aresto: “o propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável – a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado ‘namoro qualificado’ -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída” (STJ, REsp 1.454.643/RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 03/03/2015, DJe 10/03/2015). Sobre os procedimentos de reconhecimento extrajudicial de filiação socioafetiva, nos termos dos Provimentos n. 83 e 63 do Conselho Nacional de Justiça e na linha do que já foi defendido por mim neste canal, o Enunciado 43 dispensa a manifestação do Ministério Público nas hipóteses envolvendo as pessoas maiores de dezoito anos. Igualmente sobre o tema, e em prol da extrajudicialização, o Enunciado 44 estabelece que, existindo consenso sobre a filiação socioafetiva, esta poderá ser reconhecida no inventário judicial ou mesmo na via extrajudicial. Por fim, foram aprovadas duas propostas sobre o divórcio. A primeira delas, de número 45, prescreve que ação de divórcio já ajuizada não deverá ser extinta sem resolução de mérito, em caso do falecimento de uma das partes. Trata-se de enunciado doutrinário que procura encerrar polêmica jurisprudencial hoje existente. Concluindo pela necessidade de extinção da demanda em casos tais, por se tratar de uma ação personalíssima: “Conversão de separação em divórcio. Extinção sem julgamento de mérito por falecimento do requerido. Manutenção. Óbito ocorrido no curso do processo, colocando fim ao vínculo conjugal. Art. 1.571, § 1º, do Código Civil. Ausência de interesse processual no prosseguimento do feito, para obter a extinção do casamento por divórcio. Art. 485, VI, do CPC. Sentença mantida. Recurso improvido” (TJ/SP, Apelação cível n. 1034529-22.2018.8.26.0576, Acórdão n. 14697452, São José do Rio Preto, Primeira Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Francisco Loureiro, julgado em 07/06/2021, DJESP 16/06/2021, p. 2195). Porém em sentido contrário, colaciona-se, da mesma Corte Estadual: “DIVÓRCIO LITIGIOSO. FALECIMENTO DO CÔNJUGE NO CURSO DA AÇÃO. SENTENÇA DE EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. Inconformismo. Acolhimento. A morte de um dos cônjuges no decorrer da demanda não acarreta a perda de seu objeto, vez que já manifesta a vontade de um dos cônjuges de se divorciar. Divórcio no direito positivo-constitucional que verte, após a Emenda Constitucional n. 66/2010, em direito potestativo e incondicional de cada qual dos cônjuges. Inteligência da nova redação dada ao artigo 226, § 6º, da Constituição Federal, com supressão do requisito temporal e causal. Princípio da ruptura do afeto. Direito cujo exercício somente depende da manifestação de vontade de qualquer interessado. Hipótese constitucional de uma rara verdade jurídico-absoluta, a qual materializa o direito civil-constitucional, que, em última reflexão, firma o divórcio liminar. Particularidade que suprime a possibilidade de oposição de qualquer tese de defesa, salvo a inexistência do casamento, fato incogitável. Detalhe que excepciona, inclusive, a necessidade de contraditório formal. Possibilidade de Decreto do divórcio post mortem, com efeitos retroativos à data do ajuizamento da ação, de forma excepcional. Precedentes. Ação procedente. Recurso provido” (TJSP, Apelação cível n. 1032535-74.2020.8.26.0224, Acórdão n. 14857942, Guarulhos, Sétima Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Rômolo Russo, julgado em 28/07/2021, DJESP 30/07/2021, p. 2815). Como última proposição aprovada, o Enunciado 46 do IBDFAM confirma o que está na ementa transcrita, no sentido de ser o divórcio um direito potestativo, expressando que “excepcionalmente, e desde que justificada, é possível a decretação do divórcio em sede de tutela provisória, mesmo antes da oitiva da outra parte”. Confirma-se também a concepção do divórcio unilateral ou mesmo do divórcio liminar, como admitido por alguns julgadores, mas não de forma pacífica. De toda sorte, a demonstrar a divergência e apontando a necessidade de se observar ao menos o contraditório, entre muitas ementas do mesmo Tribunal Estadual: “o divórcio liminar constitui um direito potestativo (EC 66/2010), todavia, se faz necessário o estabelecimento do contraditório antes de seu deferimento, principalmente ao se considerar a ausência de risco de dano grave. (…). Ainda que existam decisões em sentido diverso, de ser dispensável a oitiva da parte contrária antes da decretação do divórcio, dada a natureza e o regramento do casamento o acolhimento do pedido initio litis não é adequado” (TJPR, Rec 0067504-07.2020.8.16.0000, Ponta Grossa, Décima Primeira Câmara Cível, Rel. Des. Fábio Haick Dalla Vecchia, julgado em 30/03/2021, DJPR 30/03/2021). Como palavras derradeiras para este breve artigo, ressalto que atuo na comissão de enunciados do IBDFAM desde 2015 e, desta vez, tivemos a aprovação de propostas de grande repercussão social e que, sem dúvida alguma, serão muito debatidas não só no campo teórico, mas também na prática do Direito de Família e das Sucessões nos próximos anos, antecipando tendências inquestionáveis desses ramos do Direito Privado. Fonte: Migalhas