Com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), toda pessoa natural ou jurídica de direito público ou privado que realize tratamento de dados pessoais para fins econômicos estará sujeita às obrigações impostas pela norma legal. Em sendo a LGPD uma norma ampla e contextual, nada mais natural que os diferentes setores da atividade civil demandem cuidados específicos, levando-se em conta as particularidades do modelo de negócios de cada grupo setorial. No que tange ao setor da construção civil, alguns aspectos merecem especial atenção, tendo em vista que o processo de adequação à lei requer abordagem em diferentes frentes, na medida em que a construção de um empreendimento envolve processos distintos e com diferentes protagonistas que se relacionam entre si. A incorporação imobiliária, conforme a Lei de Incorporação e Condomínio (Lei nº 4.591/64), em seu artigo 28, §2º, é definida como um conjunto de atividades exercidas com o intuito de promover e realizar a construção para alienação total ou parcial de edificações ou conjuntos de edificações compostas de unidades autônomas. Portanto, a incorporadora é responsável pela articulação do empreendimento e está ao seu encargo a análise de oportunidades do mercado, avaliação da viabilidade do negócio, a aquisição do terreno, o projeto do empreendimento, a obtenção das licenças pertinentes, o registro da incorporação e a execução da obra, a qual poderá se dar através da contratação de uma construtora ou pela própria incorporadora, a depender de seu contrato social. É possível visualizarmos que o ciclo de vida de um projeto de incorporação imobiliária tem início com a compra do terreno perpassando pela fase de desenvolvimento do projeto, registro da incorporação, lançamento do empreendimento, início e término da fase de construção, carta de habitação, averbação da construção no registro imobiliário, montagem de processos de financiamento com compradores e instituições financeiras, repasse das unidades aos compradores e finalizando com a entrega das chaves aos compradores. Vislumbra-se que em cada uma dessas fases do ciclo de vida do negócio circulam dados pessoais, tanto dos vendedores do terreno onde se dará a incorporação, como dos sócios das pessoas jurídicas envolvidas, fornecedores, empregados, colaboradores e, especialmente, dos promitentes compradores das unidades do empreendimento. Indispensável que a incorporadora mantenha o registro de todas as suas atividades no tratamento dos dados que derivam das atividades acima mencionadas, consoante determinado no artigo 37 da Lei Geral de Proteção de Dados, levando em conta o fluxo e o tipo de informações que coleta, para quem é compartilhado, a finalidade para cada tratamento, bases legais que o autorizam, as medidas técnicas adotadas para garantia da segurança e prazo de armazenamento, preenchendo assim um dos requisitos legais. A obrigação legal imposta pelo artigo 9º do referido diploma legal e que trata da obrigação do controlador no pronto atendimento dos direitos dos titulares quando exercidos pressupõe que a incorporadora detenha o conhecimento das operações registradas sem o qual se tornaria difícil responder as solicitações dos titulares. Algumas fases merecem um olhar mais atento pelos riscos que representam por envolverem um maior fluxo de dados pessoais, razão pela qual é imperioso dedicarmos especial atenção para o momento do lançamento do empreendimento, em que usualmente imobiliárias e corretores associados são credenciados para atuar como intermediários na relação entre a incorporadora e os potenciais compradores. Em sendo um dos princípios da Lei Geral de Proteção de Dados que todo e qualquer processamento de dados esteja condicionado a uma finalidade específica, com a alocação da correspondente hipótese legal autorizadora devendo ser informada ao titular em momento prévio à coleta dos seus dados, é necessário que essas empresas parceiras que atuam como intermediárias estejam também em processo de compliance à lei, sob pena de representarem elevados riscos às incorporadoras. Decisão proferida no ano passado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Processo nº 1080233-94.2019.8.26.0100), condenando uma incorporadora por compartilhamento ilícito de dados pessoais de compradores de suas unidades autônomas com diversas empresas estranhas à relação contratual, atraiu a atenção à fragilidade dessas relações com os intermediários necessários ao negócio e à consequente necessidade de adaptação à nova lei. A decisão em comento foi reformada em segundo grau sob a fundamentação de que, além do fato ter ocorrido antes da vigência da LGPD, os compradores haviam também fornecido os seus dados para outros corretores, não sendo possível, portanto, aferir que o vazamento de informações teria sido decorrente da conduta ilícita da construtora, ré na ação. Inobstante o resultado processual do caso em concreto, incontroversa é a importância na adequação de todos os contratos das incorporadoras com os demais parceiros comerciais prevendo as finalidades do tratamento, as medidas de segurança necessárias e as responsabilidades de cada parte. Na mesma linha, os instrumentos contratuais de promessa de compra e venda e de compra e venda devem conter cláusulas específicas que sejam capazes de informar ao promitente comprador e comprador como os seus dados serão utilizados, para quais finalidades, com quem serão compartilhados, tempo de armazenamento e informações acerca dos seus direitos na qualidade titular de dados. Não se pretende aqui esgotar todas as particularidades que envolvem o setor ou abordar integralmente o que compreende um processo de adequação à LGPD, mas, sim, trazer luz ao fluxo de dados que se dá entre todas as relações jurídicas existentes entre incorporadora, construtora, assessores e consultores imobiliários, corretores de imóveis, agentes financeiros, empresas de estruturação financeira e o titular de dados pessoais e o risco que podem representar caso não sejam devidamente alinhadas e adequadas em todos os aspectos legais. Fonte: Consultor Jurídico (ConJur)