A abertura da sucessão e o inventário ou arrolamento de bens representam, no mais das vezes, gastos elevados aos herdeiros, que se vêm às voltas com obrigações fiscais, cartorárias e com advogados. Não é incomum que o formal de partilha não seja levado a registro perante os respectivos tabelionatos em razão da mora dos herdeiros. Nessa hipótese, a pergunta que se coloca, em vista do disposto no artigo 1.245 do Código Civil, é: o registro do formal de partilha constitui-se em requisito para a transmissão da propriedade dos bens? Segundo um dos princípios fundantes do Direito Civil brasileiro, o princípio da saisine, de origem francesa e positivado no artigo 1.784 do Código Civil, a abertura da sucessão transfere aos herdeiros todo o acervo hereditário tal como estava no patrimônio do de cujus, o que abrange a posse e a propriedade dos bens. Trata-se de modo de aquisição originário da propriedade que não deveria causar maiores discussões, dada a literalidade da norma que emana, mas não é o que ocorre quando apreciamos um caso concreto no qual a partilha não foi levada a registro perante os respectivos tabelionatos. Poderia se argumentar que a sentença homologatória da partilha tem como efeito o mero reconhecimento do quinhão aos herdeiros, já que o direito à sucessão é considerado bem imóvel e, devido a essa natureza jurídica, a efetiva transmissão da propriedade depende do registro do formal, em atenção ao artigo 1.245 do Código Civil. No entanto, o artigo 1.245 do Código Civil regula relações entre vivos, conforme a letra do dispositivo, e deve ser interpretado sistematicamente com os artigos 1.784 e 1.791 do mesmo diploma. Inicialmente cumpre esclarecer que a abertura da sucessão transmite a totalidade da herança, em virtude da adoção pelo ordenamento jurídico pátrio daquele célebre princípio da Saisine, já mencionado — confira-se o artigo 1.784 do Código Civil. Depreende-se, portanto, que não é o ato registral que atribui a propriedade, mas, sim, a própria abertura da sucessão [1] — trata-se de modo de aquisição originário da propriedade —, que não se confunde com aqueles previstos no Capítulo II do Título III do Livro III (“Do Direito das Coisas”) do Código Civil, posto que advinda da morte de alguém. Com efeito, se na lei civil revogada o artigo 530 elencava expressamente o direito hereditário como uma das formas de aquisição da propriedade, o atual código não traz um artigo específico com cada forma de aquisição, optando por discipliná-las cada qual a partir do artigo 1.238, deixando para o livro das sucessões a aquisição da propriedade advinda da morte. Nesse sentido, o artigo 1.245 do Código Civil trata da aquisição da propriedade pelo registro do título translativo havido entre alienante e adquirente, ou seja, trata de modalidade de transferência da propriedade entre pessoas vivas, e não se aplica à sucessão. Desse modo, o registro do formal de partilha não é requisito ou condição sine qua non para a transmissão da propriedade decorrente da sucessão, bastando a decisão homologatória da partilha trânsita para que um herdeiro possa reclamar em nome próprio os bens por ele adquiridos. Nesse sentido, confira-se o recente precedente Recurso Especial 1.813.862/SP, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, que aborda especificamente esse tema, e ainda: Recurso Especial 1.117.08/GO, de lavra do ministro Raul Araújo; Recurso Especial 1.290.042/SP, de relatoria da ministra Maria Thereza de Assis Moura; Apelação 0053214-30.2011.8.26.0224, julgada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e de relatoria do desembargador Francisco Loureiro; Agravo de Instrumento 1.0024.12.056832-4/001 do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), de relatoria da desembargadora Áurea Brasil. Diz-se comumente que a lei não contém palavras inúteis, ditado que se aplica plenamente à presente discussão: tanto a abertura da sucessão transmite a posse e a propriedade dos bens que o artigo 1.791 do Código Civil não deixa qualquer dúvida a respeito da aquisição da posse e propriedade da herança com a sucessão — como consequência do princípio da Saisine —, bastando a homologação da partilha transitada em julgado, sem exigir-se o registro do formal de partilha, ato posterior que se insere no espectro de administração de bens que já são de domínio dos herdeiros. [1] “Pelo princípio da saisine, estampado no artigo 1.784 (antigo, artigo 1.572), tudo se transmite aos herdeiros, posse e propriedade. Não existe intervalo na posse e propriedade dos herdeiros que sucedem o falecido. Trata-se de ficção jurídica. A aceitação da herança ocorre geralmente de forma tácita, podendo ser expressa. Como ninguém pode ser herdeiro contra sua vontade, admite-se a renúncia da herança, a qual, no entanto, retroage à data da morte. A renúncia deve sempre ser expressa (artigo 1.806; antigo, artigo 1.581). O patrimônio não fica sem titular. Ainda que não formalizado o inventário, não concluída ou não registrada a partilha no cartório imobiliário, os herdeiros são proprietários. O fato da morte é que os tornou tal. O registro do formal de partilha serve apenas para manter a sua continuidade, possibilitando o ius disponiendi, a exemplo da usucapião. Até a partilha os herdeiros mantêm a universalidade que lhes foi transmitida”. In Direito Civil: Direitos Reais. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 216. Fonte: Consultor Jurídico (ConJur)