Em mais uma matéria da série, dentro do In Loco, com a amiga, expert na área de Direito Imobiliário e Urbanístico, Debora de Castro da Rocha, e seus convidados, nos apresenta suas reflexões e ensinamentos… então vamos lá!
TRANSAÇÕES IMOBILIÁRIAS POR INSTRUMENTO PARTICULAR E O EXERCÍCIO COMPULSÓRIO DE TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE – ALVARÁ JUDICIAL, ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA OU USUCAPIÃO?
1. RESUMO
Na compra e venda mediante instrumento particular, quando devidamente quitada a obrigação pelo adquirente, na hipótese de inocorrência de transferência do bem imóvel, cabe a este buscar a pretensão do exercício compulsório do direito de propriedade, mediante alvará judicial, adjudicação compulsória ou usucapião ordinária, desde que devidamente comprovado o cumprimento dos requisitos necessários à medida selecionada.
2. INTRODUÇÃO
Após a liquidação do preço pelo comprador, caso não seja procedida a transferência do imóvel oportunamente, e uma vez transcorrido o prazo previsto em lei, poderá o comprador usucapir o imóvel na modalidade ordinária, além disso, caberá ainda, a depender do caso concreto, o ajuizamento da adjudicação compulsória ou, no caso de abertura de sucessão do vendedor, requerer, através de procedimento de jurisdição voluntária, a transferência por alvará judicial.
Há muita semelhança entre as ações de usucapião, adjudicação compulsória e a autorização judicial, o que pode, inclusive, gerar muitas dúvidas por parte do comprador que busca a regularização do imóvel. Pois, sempre devem ser consideradas todas as particularidades da situação concreta, a fim de que se opte pela adoção da medida mais adequada para à satisfação do direito, podendo assim, caber a ação de usucapião, que é sempre mais morosa e burocrática. No entanto, basta comprovar a existência de área utilizável, a vontade de ser o proprietário e o decurso do prazo prescricional.
A adjudicação compulsória e o alvará judicial, por outro lado, são mais céleres. No entanto, é necessário comprovar a aquisição do bem imóvel. Isso pode ser difícil se o requerente não tiver toda a documentação de compra e venda em ordem, especialmente se houver transcorrido um longo período de tempo. Ainda que o alvará judicial se apresente como uma medida célere, cabe destacar que, dependendo do entendimento do juízo para o qual a ação tenha sido distribuída, a medida que tem por escopo a celeridade, pode acabar frustrando a pretensão do comprador.
Não obstante, vale considerar que a adoção dos referidos processos não afasta o dever de comprovação do pagamento do preço pactuado. Dessa forma, inegável que diante da ocorrência de quitação do preço pelo comprador poderá este usucapir o imóvel na modalidade ordinária, requerer a adjudicação em juízo ou ainda, na hipótese de abertura da sucessão do vendedor, requerer em procedimento de jurisdição voluntária, a transmissão mediante alvará judicial.
3. DO INSTRUMENTO DE COMPRA E VENDA
Deve-se entender a priori, que o Instrumento de Compra e Venda estabelece as obrigações entre as partes no negócio comercial, as quais podem ser pactuadas por escrito ou verbalmente. Pelo referido instrumento, uma das partes contratantes compromete-se a transferir o domínio de determinada coisa e a outra a pagar-lhe um determinado preço em dinheiro.
O contrato por si só, não tem o condão de transferir ou transmitir a propriedade, dependendo assim da realização do registro perante o Cartório de Registro de Imóveis, pois, muito embora ocorra a assinatura do contrato concomitantemente à imissão na posse, não se pode confundir tais ocorrências com a efetiva transferência de titularidade do bem, conforme preceitua o art. 1.245 do Código Civil.
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
- 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
Pontes de Miranda
[3] chama a atenção para a existência necessária de dois negócios jurídicos distintos, que podem ser simultâneos, o da compra e venda conjuntamente ao acordo de transmissão. Todavia, em hipótese alguma pode se admitir que o contrato de compra e venda transfira, simultânea ou imediatamente, a propriedade e a posse da coisa.
Por vezes verifica-se o descumprimento do acordo de transmissão da propriedade, o que caracteriza o inadimplemento do contrato, podendo gerar consequências, que não raramente, repercutem na possibilidade de resolução da avença.
O que caracteriza a compra e venda, consiste no fato de que o vendedor se vincula a obrigação de transmitir a propriedade no tempo fixado. Por outro lado, o comprador vincula-se a obrigação de pagar o preço no tempo ajustado entre as partes. Se um ou outro não cumpre a sua obrigação nascem as pretensões decorrentes dos respectivos inadimplementos.
[4]
Analisando-se pela perspectiva do comprador, especialmente quando se está diante da inocorrência da transferência do imóvel, não restam dúvidas de que diante da quitação integral do preço, será franqueada a possibilidade de usucapião do imóvel na modalidade ordinária, requerer a adjudicação em juízo, ou ainda, na hipótese de estar-se diante da abertura da sucessão do vendedor, requerer em procedimento de jurisdição voluntária, a transmissão mediante alvará judicial.
4. USUCAPIÃO ORDINÁRIA
Uma vez avençado o instrumento de compra e venda, com a devida quitação do preço, e em havendo o descumprimento do acordo de transmissão, e consequente inexistência de registro ou a tradição, o adquirente como possuidor de boa-fé, uma vez que dotado de justo título e mediante do transcurso do tempo, pode usucapir o imóvel, nos exatos termos do que dispõe o artigo 1.242 do Código Civil.
Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.
Vale destacar, que o prazo da usucapião ordinária sofreu redução, conforme se verifica no parágrafo único do art. 1.242 do Código Civil, para 5 anos, na hipótese de o possuidor ter adquirido o imóvel por justo título, em caráter oneroso e o registro houver sido cancelado. No entanto, não se pode desconsiderar que o comprador deve ter estabelecido moradia no imóvel, ou que nele tenha realizado investimentos de interesse social e econômico. Assim, em tal modalidade de usucapião, os requisitos são a aquisição a título oneroso, com base no registro posteriormente cancelado, somado à moradia ou investimentos de interesse social e econômico
[5].
A usucapião ordinária está legitimada diante da perda de efeitos jurídicos do título, seja por irregularidade formal ou por vontade. O Código Civil dá garantias a quem se encontra em situação dessa natureza, e que reside no imóvel usucapiendo. Dessa forma, resta clara a proteção do comprador que, além de possuir justo título, gera utilidade para o imóvel, caracterizando o princípio constitucional da função social da propriedade.
Por fim, há que se ressaltar que em razão do Enunciado 86 aprovado na I Jornada de Direito Civil, fora consolidado o entendimento de que a expressão “justo título” do Código Civil “abrange todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a propriedade, independentemente de registro”.
5. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA
Após o cumprimento de todos os itens contratuais de um instrumento privado, o promitente vendedor deve transferir o imóvel ao promitente comprador, sendo que diante de eventual inércia, lhe é conferida a possibilidade de, em juízo, obter a escritura definitiva do bem adquirido.
A promessa de compra e venda utilizada inicialmente para a celebração do negócio, que possui natureza imobiliária, tem sido conceituada como um contrato de testamento, pelo qual as partes se obrigam a realizar, nas condições estabelecidas e de acordo com os preceitos legais, uma escritura definitiva de compra e venda, assim que o preço ajustado for pago
[6].
Ou seja, se houver recusa do vendedor em outorgar escritura pública em nome do comprador, este poderá, por meio de adjudicação compulsória, fazer com que o juiz de direito, por sentença, que virá na forma de carta de adjudicação, substitua a lavratura da escritura pública do imóvel em questão. Para tanto, se mostra essencial que o comprador prove que pagou integralmente o preço e que o vendedor está inadimplente no cumprimento de sua obrigação
[7].
A ação de adjudicação compulsória se trata de uma ação que visa a execução concreta, ou seja, a obtenção de decisão judicial que substitua a concessão da escritura definitiva do imóvel, face à recusa do promitente vendedor, conforme dispõe o artigo 1418 do Código Civil:
O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.
Os artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil estabelecem dois critérios para a constituição de um direito sobre a propriedade: (i) Que seja celebrada promessa de compra e venda de bem imóvel, por instrumento público ou privado; (ii) Que não exista acordo entre as partes quanto ao arrependimento da promessa.
A legislação também prevê um terceiro critério: Que a promessa deve ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis. No entanto, quanto a esse último, tem-se que a súmula 239 do STJ revisou essa determinação, de forma que “o direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.
Assim, uma vez formado o direito real, seu titular poderá exigir a outorga da escritura definitiva e caso não seja concedida, cabível se revela a adjudicação compulsória, que garantirá ao titular do direito real a transferência do bem para o seu nome. Todavia, não se pode desprezar o fato de que a liquidação integral do preço se caracteriza como pré-requisito imprescindível para que a ação prospere, pois, sem a comprovação do pagamento, o autor da ação não terá a execução específica, o que condiciona o cumprimento da obrigação pelo vendedor ao pagamento pelo comprador
[8].
6. ALVARÁ JUDICIAL
O alvará judicial consiste em um procedimento de jurisdição voluntária, que se caracteriza por um procedimento em que não há litígio entre os interessados para obtenção da tutela jurisdicional, encontrando-se positivada no art. 719 do Código de Processo Civil.
Art. 719. Quando este Código não estabelecer procedimento especial, regem os procedimentos de jurisdição voluntária as disposições constantes desta Seção.
O procedimento inicia-se por provocação do interessado, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, cabendo-lhes formular o pedido que deve ser devidamente instruído com os documentos necessários e com a indicação da providência judicial, nos termos do artigo art. 720 do CPC.
Já quanto ao alvará judicial, este se encontra previsto no artigo 725 do CPC, que assim dispõe
Art. 725. Processar-se-á na forma estabelecida nesta Seção o pedido de:
VII – expedição de alvará judicial;
Neste sentido, ocorrendo o evento
mortis antes da transferência registral de algum bem, é permitido ao Juiz expedir alvará judicial para a regularização do imóvel sub
judice, isto porque, não há como suprir de forma administrativa a assinatura do espólio no documento cartorário.
A propósito, no mesmo sentido, foi o entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
ALVARÁ JUDICIAL. COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA. Autorização para transferência de imóvel para o nome dos promitentes compradores, que celebraram instrumento particular de venda e compra com a falecida promitente vendedora. Comprovação do pagamento do preço acordado e da anuência dos herdeiros com a transmissão da propriedade (companheiro e irmão da de cujus). Admissibilidade da expedição de alvará. Sentença reformada.
RECURSO PROVIDO.
(TJ-SP – APL: 00027631620148260185 SP 0002763-16.2014.8.26.0185, Relator: Alexandre Marcondes, Data de Julgamento: 24/01/2017, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 24/01/2017).
Portanto, havendo prova da vontade do espólio em transferir o imóvel, bem como diante da demonstração da quitação do preço e de restar claro no instrumento de compra e venda o evidente o desejo de transferir o bem, não existem motivos para o indeferimento do pedido.
Fonte: Paraná Portal