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Artigo: Sexo ignorado no assento de nascimento? – Por Eudes Quintino de Oliveira Júnior

O registro de nascimento, além de ser um documento de individualização da pessoa na comunidade, integra o direito de personalidade para viabilizar a prática de todos os atos compatíveis com o exercício da cidadania. Antes dele, no entanto, o hospital ou a maternidade onde ocorreu o parto irá emitir a Declaração de Nascido Vivo (DNV), documento regulamentado pela lei 12.662/2012, de validade provisória, em que constarão o nome, dia, mês e ano do nascimento da criança, sexo, informações sobre gestação múltipla, quando for o caso, além do nome do nome da mãe, naturalidade, profissão, endereço, idade e o nome do pai. Pelo procedimento convencional o pai ou a mãe, isoladamente ou em conjunto, ou o responsável legal, de posse do DNV irão buscar o cartório de Registro Civil do local do nascimento ou no local da residência da criança, no prazo de 15 dias (lei 6015/73), para o registro do assento de nascimento, que é obrigatório e gratuito. Se, porém, o nascimento ocorreu em casa, sem qualquer assistência hospitalar os genitores ou o responsável legal, poderão ir diretamente ao cartório. O Conselho Nacional de Justiça, no Provimento 122/2021, traz interessante regulamentação com relação ao assento de nascimento no Registro Civil das Pessoas Naturais nos casos em que o campo “sexo” da Declaração de Nascido Vivo tenha sido preenchido como “ignorado”. Pelo sistema binário prevalente na Constituição Federal – em que predomina o sexo masculino e feminino sem qualquer outro concorrente – os cartórios não tinham autorização para lavrar o documento nele inserindo sexo “ignorado”. Com a nova regulamentação, quando se tratar de Anomalia de Diferenciação de Sexo (ADS), em que fica constatado ictu oculi a dificuldade ou até mesmo a impossibilidade de identificação imediata do sexo, o oficial do cartório irá observar se no campo sexo da DNV foi preenchido como “ignorado”. Se assim for, nos mesmos moldes, será lavrado o registro. O registrador, no entanto, recomendará ao declarante a escolha de prenome comum aos dois sexos e, se recusada a proposta, permanecerá o prenome indicado pelo declarante. A genitália ambígua não provoca o surgimento de um terceiro sexo – denominação que vai até mesmo criar mais confusão do que encontrar uma solução adequada – e sim é resultado de uma malformação, anteriormente conhecida como intersexo, para a identificação da genitália da criança. É o que ocorre no caso dos pacientes hermafroditas, impedidos de conhecer imediatamente o sexo, circunstância que trará sérias complicações familiares e sociais. Tanto é que os pais, erroneamente, podem escolher o sexo para o filho ao nascer, provocando, com o passar do tempo, discordância entre a identidade sexual e a identidade de gênero. A Corregedoria-Geral da Justiça do Paraná (CGJ-PR) já se antecipou a este respeito e expediu o Provimento nº 292/2019, autorizando o oficial a lavrar o registro de criança que tenha nascido com o sexo “ignorado”, assim comprovado na DNV, em documento atestado pelo médico responsável pelo parto. O Conselho Federal de Medicina, por sua vez, também se manifestou quando da edição da Resolução CFM nº 1664/2003, que estabeleceu as normas técnicas necessárias para o tratamento de pacientes portadores de anomalias de diferenciação sexual. Na exposição de motivos faz ver que: “O nascimento de crianças com sexo indeterminado é uma urgência biológica e social. Biológica, porque muitos transtornos desse tipo são ligados a causas cujos efeitos constituem grave risco de vida. Social, porque o drama vivido pelos familiares e, dependendo do atraso do prognóstico, também do paciente, gera graves transtornos.” O Provimento 122/2021, coerente com a necessidade social, de forma oportuna, estabelece que a designação do sexo poderá ser feita a qualquer tempo por um termo de opção, independentemente de autorização judicial ou de comprovação de realização de cirurgia de designação sexual ou de tratamento hormonal, ou de apresentação de laudo médico ou psicológico. Se a pessoa optante estiver sob o poder familiar, será representada ou assistida pela mãe ou pelo pai, mas terá que dar seu consentimento se for maior de 12 anos de idade. É idêntico ao procedimento estabelecido para a alteração do prenome e do gênero no assento de nascimento e casamento de pessoa transgênera, conforme se observa do § 1º do artigo 4º do Provimento nº 73/2018, do mesmo órgão. A providência ora determinada pelo Conselho Nacional de Justiça irá proporcionar às crianças portadoras de anomalias de diferenciação sexual o exercício pleno da cidadania em busca da construção de sua autoimagem, com acesso aos programas sociais relacionados às políticas públicas compatíveis e também aos serviços públicos e privados de saúde. Fonte: Migalhas