A locação é o contrato pelo qual o locador se obriga a ceder ao locatário o exercício do uso e gozo da coisa, mediante retribuição pecuniária denominada de aluguel. Por força da Lei de Locação, em seu artigo 23, inciso II e III, ao locatário incumbe a obrigação de usar e de gozar o bem de forma regular, utilizando-o com o mesmo cuidado como se fosse seu, e obrigando-se a efetuar a sua conservação e a sua manutenção. E, ao final do contrato, o locatário obriga-se a restituir o bem ao locador no estado em que o recebeu, ressalvada a deterioração decorrente do uso regular. É comum no mercado imobiliário que, por ocasião da entrega do imóvel do locador ao locatário, seja realizada uma vistoria inicial em que se constata o estado em que o bem se encontra. Afigura-se ainda prudente que — a exemplo da vistoria inicial — ao final da locação seja realizada vistoria do imóvel, a fim de aferir as suas condições, especialmente se houve deterioração do imóvel e qual a sua causa, especialmente a anômala, ou seja, aquela que excede os desgastes normais derivados do regular uso do imóvel. Se o locador não providenciar a vistoria final do imóvel, nem tampouco efetuar a produção de prova pericial para comprovar os danos, não há em tese como depois imputar ao locatário a responsabilidade em arcar com a reparação de algum dano, na medida em que o ônus da prova incumbe ao locador em tais discussões. As vistorias inicial e final, para serem reputadas como provas válidas, devem ser materializadas em documento produzido bilateralmente com a participação tanto do locador como do locatário. Não é prova hábil para comprovar os danos eventualmente a vistoria produzida unilateralmente, de sorte que a constatação deve ser precedida de contraditório (Superior Tribunal de Justiça, AREsp 782.661, relator ministro João Otávio de Noronha). Não se afigura, pois, válida a vistoria realizada unilateralmente, ainda que o contrato venha a dispensar a presença do locatário em tal ato de constatação. Em tese, afigura-se válida a retenção pelo locador do valor da caução ofertada pelo locatário para cobrir os valores para os reparos do imóvel locado, se, na entrega das chaves, o bem não esteja em consonância com o laudo de vistoria inicial, por desgastes causados pelo uso irregular. Cabe, assim, ao locatário restituir o imóvel no estado em que o recebeu, exceto em relação ao desgaste pelo seu regular uso. Ao locador compete comprovar que os danos verificados no imóvel resultam do uso inadequado ou da má conservação durante a vigência da locação, sem o que não há direito à indenização por perdas e danos. Incumbe ao locador, em demanda própria, comprovar o estado do imóvel em que se encontra por ocasião da sua restituição, comparando-o com o estado inicial, assim como o exercício irregular do direito de uso e de ocupação pelo locatário, tal como a ausência ou má conservação do imóvel. Por sua vez, em se constatando a ocorrência de deterioração do imóvel, materializada em vistoria final, deve-se indagar de quem é a responsabilidade pela sua reparação e quais as suas consequências jurídicas. Se as deteriorações do imóvel decorrem do seu uso normal e regular, o locatário não detém qualquer responsabilidade civil para a sua reparação. De outro lado, se a vistoria final apontar a ocorrência de deterioração anômala do imóvel, em razão da ausência ou da má conservação do bem, o locador detém direito de pleitear as perdas e danos ao locatário. Registre-se que, se houver cláusula expressa de responsabilidade do fiador até a entrega das chaves, responderá o garantidor pelas obrigações até a efetiva entrega das chaves, ainda que tenha havido prorrogação do contrato de locação (STJ, REsp 1.703.400, relator ministro Marco Buzzi). Nesse contexto, não há que se confundir a ocorrência de danos no imóvel, em razão do exercício irregular ou da inocorrência de manutenção, com a temática das benfeitorias eventualmente realizadas no imóvel pelo locatário. Uma vez realizadas as benfeitorias, estas se incorporam no imóvel, não podendo o locatário ser compelido a desfazê-las a pretexto da obrigação de restituir o imóvel ao final da locação no mesmo estado que o recebeu, sob pena de haver violação aos postulados da boa-fé objetiva e da função social, conquanto é sabido que as benfeitorias agregam em tese valor ao imóvel. Não há qualquer dúvida de que os aluguéis são devidos pelo locatário até o instante em que, desfeito o contrato de locação, se opera a restituição do imóvel simbolizada pela entrega das chaves ao locador pelo locatário. Se houver a devolução do imóvel após o vencimento do prazo de vigência do contrato, os aluguéis e demais encargos locatícios são devidos até a data da efetiva entrega (STJ, REsp 1543773, relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino). Assim, se porventura houver a desocupação pelo locatário do imóvel, sem que seja formalizada a restituição do imóvel ao locador, tem-se que permanece eficaz a obrigação de recolhimento dos aluguéis e dos demais encargos da locação (STJ, AREsp 1779898, relator ministro Marco Aurélio Bellizze). Por oportuno, o locador não pode se recusar a receber o imóvel, alegando a existência de deterioração do imóvel, isso porque a restituição do imóvel faz cessar a obrigação de pagar o aluguel, sendo, pois, assegurado ao locatário a devolução das chaves do imóvel, não podendo haver a recusa por parte do locador, ainda que se refira a alegação de descumprimento das obrigações contratuais, tais como a existência de danos no imóvel. Caso o locador efetivamente venha a se recusar a receber o imóvel, afigura-se lícito ao locatário efetuar o depósito judicial das chaves para configurar o desfecho da relação locatícia, sendo devidos os alugueis referente ao período que antecedeu a referida extinção. Assegura-se, assim, ao locatário a devolução do imóvel, não podendo, pois, o locador recusar a recebê-lo. Em havendo inadimplemento contratual do locatário, seja por atraso nos aluguéis, seja a ocorrência de deterioração do imóvel, dispõe o locador de ações próprias para pleitear o respectivo ressarcimento (STJ, AgInt no AREsp 1779898, relator ministro Marco Aurélio Bellizze). Importa destacar que não há como, portanto, associar o termo final da locação com a data da vistoria final do imóvel, sendo certo que o locatário tem direito subjetivo a devolver o imóvel ao locador, ainda que penda alguma discussão sobre o adimplemento contratual. Até porque se constitui fato público e notório que a vistoria final normalmente é realizada após ter sido efetuada a entrega das chaves, sendo assente o entendimento de que os aluguéis somente serão devidos até a devolução do imóvel, sem prejuízo de poder o locador, em demanda própria, pleitear a indenização por eventual inadimplemento contratual do locatário. Vale dizer, o locador tem o direito de exigir do locatário a reparação de eventuais danos causados no imóvel, mediante ação própria, mas não de recusar o recebimento das chaves, de sorte que a entrega das chaves do imóvel em juízo tem o condão de colocar fim à relação contratual de locação, sendo devido o aluguel referente ao período que antecedeu a referida extinção (STJ, AgRg no Ag. 1.061.971, relator ministro Napoleão Nunes). Mesmo que cessada a obrigação de pagar os aluguéis pela restituição do imóvel, caso sua deterioração anômala decorra da ausência ou da má conservação, o locatário obriga-se a arcar com as perdas e danos perante o locador, abrangendo os danos emergentes (custos de reparo) e os lucros cessantes consubstanciados naquilo que se razoavelmente se deixou de lucrar. Em recente julgamento (20/4/2021), o STJ, no REsp 1.919.208, relatora ministra Nancy Andrighi, decidiu que, para além dos danos emergentes, a restituição do imóvel locado em situação de deterioração anômala enseja o pagamento de indenização por lucros cessantes pelo período em que o bem permaneceu indisponível para o locador, sendo o primeiro julgado que examinou a largueza dos lucros cessantes em tais hipóteses. A temática dos lucros cessantes normalmente conduz a uma discussão em relação aos meios de prova, eis que o Código Civil, em seu artigo 402, exige a demonstração do que razoavelmente deixou de lucrar. Sendo assim, não se pode confundir lucro cessante com lucro hipotético ou imaginário, devendo haver prova dos danos materiais alegados consubstanciados na comprovação da perda do ganho esperável a partir de critério objetivo e não por critério subjetivo. Vale dizer, os danos emergentes e os lucros cessantes, para serem caracterizados como indenizáveis, devem se fundar em bases seguras e exigem comprovação, de modo que não sejam neles compreendidos lucros imaginários, presumidos ou hipotéticos. Meras alegações e estimativas não autorizam o reconhecimento do alegado prejuízo. Não há como, a título de lucros cessantes, impor as obrigações de indenizar pelos aluguéis pelo tempo que deixou de auferir em razão da necessidade do reparo do imóvel e pelos danos consubstanciados nos valores dispendidos com locação de outro imóvel para residir, sob pena de incorrer em bis in idem. Com a comprovação da deterioração anômala do imóvel, os lucros cessantes restam configurados, eis que o locador foi privado de ter uma vantagem econômica consistente na plena disponibilidade do bem para usar, gozar ou lhe dar outra destinação, inclusive com potencial para locação a terceiros, de sorte que, durante o tempo necessário para a reparação dos danos, a indenização alcança não apenas os valores para o reparo dos danos, como também os valores a título de aluguel que deixaram de ser auferidos razoavelmente por locação a terceiros. Portanto, a obrigação de o locatário arcar pelo pagamento do valor decorrente dos aluguéis referente ao período em que o imóvel restou indisponibilizado para eventual nova locação, ante o descumprimento do dever de restituição do bem no estado em que foi recebido, decorre da obrigação de pagar perdas e danos (lucros cessantes) pelo descumprimento contratual, e não porque a locação perduraria até a correção dos danos. Fonte: Consultor Jurídico (ConJur)