A lei que regula a falência e a recuperação de empresas no Brasil foi objeto de modificações visando a atualizar os institutos de insolvência empresarial. Entre as novidades, temos a adoção de ferramentas de mediação e conciliação. E, como previsto no Código de Processo Civil, tal medida estimula a autocomposição entre as partes quando o direito em discussão assim permitir. Mas a recuperação judicial possui nuances e, especialmente nos primeiros casos em que a lei for aplicada, tudo leva a crer que empresas e credores poderão enfrentar dificuldades. Afinal, a nova lei é rígida com os prazos para concretização do processo e votação do plano. Em casos com maior número de credores, audiências ou assembleias voltadas exclusivamente à mediação poderão tomar parcela considerável desses prazos. Importante frisar que, ainda que haja ótimos profissionais no ramo, poucos possuem experiência com a mediação nesse ambiente. Será que o mercado está preparado para tal inovação, especialmente crescendo o número de casos? Outra inovação é a possibilidade de apresentação de plano de recuperação por credores. Agora, o fim do prazo de 180 dias do deferimento da recuperação sem votação do plano do devedor possibilita a apresentação de proposta alternativa. Esse mesmo prazo, no qual são suspensas as execuções, poderá ser prorrogado por igual período uma vez, caso o devedor não tenha culpa na demora do processo. Assim, a boa conduta do devedor propicia a prorrogação do prazo, mas não está claro se teria ou não o condão de obstar a apresentação de plano pelos credores. A ferramenta é ainda prevista no caso de reprovação do plano do devedor em assembleia e pode se mostrar interessante ao evitar a falência. A proposta deve cumprir os mesmos requisitos legais aplicáveis ao devedor, não podendo inovar em obrigações da recuperanda. Tais regras mostram cuidado do legislador em sua aplicação, dificultando que seja levado à assembleia geral de credores (AGC) um plano inexequível. Mas há dúvidas na prática. E se a execução do plano feito pelos credores levar à inviabilidade da empresa, quem responderá por isso? A perícia prévia em pedidos de recuperação, criação jurisprudencial adotada na nova lei, não é novidade. A prática é optativa e pode ser aplicada se o juiz entender necessário averiguar o real funcionamento da empresa e a regular apresentação dos dados necessários para o pedido. A lei fixa um prazo célere para a perícia (cinco dias), mas prevê que esta pode ser determinada sem oitiva da empresa e até mesmo sem pedido dos credores. Ao menos, é vedado o indeferimento da inicial baseado na análise de viabilidade econômica do devedor. Em análise, a situação jurídica das empresas que pedem recuperação costuma ser delicada, pois o simples fato de distribuírem o pedido faz com que os créditos existentes até tal data se tornem sujeitos ao mesmo. Logo, o prazo de realização da perícia pode servir para que credores promovam ações antes do deferimento. E somente tal decisão teria o condão de suspender execuções ou impedir o avanço dos credores em bens do devedor. Espera-se, assim, que a perícia seja aplicada apenas em processos que demonstrem real necessidade. Até porque nas experiências até aqui foram poucos os casos em que recuperações foram indeferidas após perícia. Por outro lado, a consolidação na recuperação judicial é uma criação da doutrina incorporada à lei, mas, ao contrário da perícia prévia, tema relativamente simples, traz questões complexas. Temos exemplos da consolidação quando duas ou mais empresas de um mesmo grupo societário ou econômico pedem recuperação. Isso ocorre com frequência nos processos de grandes empresas. Mas a consolidação pode trazer mais perguntas do que respostas. A possibilidade de separação de processos de recuperação, de planos e de assembleias não parece ter propiciado na prática ganhos aos credores e ao andamento processual. A nova lei regula as duas situações com a consolidação processual (trâmites independentes para cada empresa) e a substancial (processo único). A jurisprudência já recomendava cautela tanto na adoção da perícia prévia quanto na discussão da consolidação. Mas não foi somente nesses temas que a posição dos tribunais não restou tão bem refletida na nova lei. Por exemplo, o valor da causa em processos de recuperação. A lei anterior não fixava critério e, agora, será obrigatório que o valor da inicial seja equivalente ao passivo da empresa. Exatamente o que os tribunais não recomendavam. Isso não gera outro impacto no processo que não o recolhimento de custas judiciais, que correspondem, em regra, a um percentual do valor da causa. O Código de Processo Civil estabelece que esse valor deve equivaler ao proveito econômico esperado. Infelizmente, ao que tudo indica, prevaleceu o entendimento de que o passivo da empresa, após a recuperação, representaria um benefício à mesma, uma vez repactuado pelo plano. Porém, tal passivo ainda terá de ser pago pelo devedor, mesmo que em novas condições. Ou seja, não se vislumbra proveito econômico. E cada Estado tem uma lei de custas. Em São Paulo, o teto do recolhimento é de R$ 87.270, enquanto em Minas Gerais é de R$ 14.060,36, um sexto do valor. Nesse exemplo já se vê um desequilíbrio. Essas e outras discussões podem tornar o processo de recuperação mais complexo e demorado. Debates legais e teóricos nem sempre combinam com a dinâmica econômica da recuperação judicial. Caberá aos tribunais e demais profissionais da área lidar com esses novos desafios. Fonte: Consultor Jurídico