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Artigo: A necessária distinção entre "questão" e "fundamento" - Por Jesus de Oliveira Sobrinho e Octávio Augusto de Oliveira Costa

O julgador deve enfrentar todas as questões apresentadas pelas partes, sob pena de se dar guarida a uma decisão incompleta, que deixou de se pronunciar sobre pontos controvertidos relevantes para o deslinde da demanda.

O artigo 489, inciso II, do CPC, dispõe que são elementos essenciais da sentença os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito. Sobre o tema, José Rogério Cruz e Tucci explica que: "Findo o relatório, o juiz passará a externar a justificação de seu convencimento na motivação do decisum. É precisamente na fundamentação da sentença que o juiz examinará as questões de fato e de direito, fixando com tais premissas, a conclusão de se projetará na parte dispositiva1". E, de acordo com as lições de Teresa Arruda Alvim: "[...] De fato, na linguagem muito comumente utilizada e tecnicamente correta, "questão" é sinônimo de "ponto controvertido"2. Considerando, assim, que questão é sinônimo de ponto controvertido, conclui-se que para uma questão pode existir mais de um fundamento. Daí porque, consoante entendimento do C. STJ, o julgador não está obrigado a enfrentar todos os fundamentos (leia-se: argumentos) invocados pelas partes, quando já analisadas e apreciadas as questões (leia-se: pontos controvertidos) da demanda. Neste sentido: "[...] IV - Tem-se, ainda, que o julgador não está obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos invocados pelas partes quando, por outros meios que lhes sirvam de convicção, tenha encontrado motivação satisfatória para dirimir o litígio. [...]." (AgInt no AREsp 1392964/RJ (2018/0290983-9). STJ/Segunda Turma, Min. Rel. Francisco Falcão, j. 21/09/2020). Por outro lado, no entanto, é absolutamente necessária a apreciação de todas as questões de fato e de direito suscitadas pelas partes, para a prolação da decisão de forma adequada e exauriente, em consonância com o dever de motivação. Desta forma, com o devido respeito, parece-nos equivocado o entendimento adotado por algumas decisões no sentido de que o julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão3. Veja-se, por exemplo, o caso de uma ação reivindicatória de bem imóvel em que o autor fundamenta o seu pedido em duas questões: a primeira questão fundamentada no direito de propriedade com base no título de domínio; e a segunda questão, em ordem sucessiva, baseada na usucapião. Suponhamos que a primeira questão posta na inicial possui dois fundamentos: o primeiro fundamento amparado numa escritura pública de compra e venda do imóvel reivindicado, cujo valor é 50 vezes superior ao salário mínimo, que, entretanto, ainda não foi levada ao cartório de registro de imóveis; e o segundo fundamento alicerçado numa anterior escritura particular de compra e venda do mesmo imóvel. A segunda questão alegada - baseada na usucapião do imóvel - se escora na posse exercida pelo autor da ação sobre o referido imóvel, como se dono fosse, por mais de vinte anos, sem qualquer oposição. Pois bem. Convencendo-se a sentença, a respeito da primeira questão, de que o autor da ação não tem o direito de propriedade baseado na escritura pública de compra e venda, a qual não foi levada ao cartório de registro de imóveis, ela não estará obrigada a analisar o segundo fundamento dessa primeira questão, com base na escritura de compra e venda por instrumento particular. O julgador, contudo, não estará dispensado de examinar a segunda questão posta na inicial - relativa ao direito de propriedade fundamentado na usucapião -, sendo necessário o seu pronunciamento a respeito desse ponto controvertido, seja para acolhê-la ou para rejeitá-la. Observa-se, por meio desses exemplos, a diferença entre "questão" e "fundamento". Deste modo, se o julgador não enfrentar todas as questões (leia-se: pontos controvertidos) do caso, a decisão estará carreada de vício por ausência de fundamentação, conforme dispõe o § 1º do artigo 489 do CPC, que pode ensejar, inclusive, seu decreto de nulidade. Diante disso, embora não esteja obrigado a analisar todos os fundamentos de cada questão, se já se convencido da sua procedência ou improcedência, parece-nos que o julgador deve, sim, enfrentar todas as questões de fato e de direito apresentadas pelas partes, sob pena de se dar guarida a uma decisão incompleta e capaz de caracterizar, inclusive, negativa do direito constitucional à jurisdição.
---------- 1 TUCCI, José Rogério Cruz e. Comentários ao Código de Processo Civil: artigos 485 a 538 / José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 102 (Coleção Comentários ao Código de Processo Civil; v.8 / coordenação Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero). 2 ALVIM, Teresa Arruda. Comentários ao código de processo civil - volume 2 (arts. 318 a 538) / Cassio Scarpinella Bueno (coordenador). - São Paulo: Saraiva, 2017. 3 Nesta linha: " [..] 2. O julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A prescrição trazida pelo art. 489 do CPC/2015 veio confirmar a jurisprudência já sedimentada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, sendo dever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida. (EDcl no MANDADO DE SEGURANÇA Nº 21.315 - DF, STJ/Primeira Seção, Rel. Min. Diva Malerbi (Desembargadora Convocada TRF 3ª Região), j. 08/06/2016).
* Jesus de Oliveira Sobrinho é desembargador aposentado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Sócio do escritório Advocacia Oliveira Sobrinho.

* Octávio Augusto de Oliveira Costa é graduado em Direito pela PUC/SP. Pós-Graduado em Processo Civil pela FGV DIREITO/SP. Mestrando em Direito Civil pela PUC/SP. Sócio do escritório Advocacia Oliveira Sobrinho.

Fonte: Migalhas