Background

Artigo: Usucapião por abandono do lar e o direito à propriedade privada – Por Ivan Domingues de Paula Moreira

A usucapião por abandono do lar surgiu a partir de uma necessidade de se proteger famílias abandonadas pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro. Embora estatisticamente tenha-se que, na maioria dos casos, é o homem quem abandona o lá, por previsão constitucional esta modalidade de usucapião é igualmente aplicável no caso de a mulher, seja cônjuge ou companheira, abandonar seu lar. A usucapião, qualquer que seja a sua modalidade, é forma originária de aquisição da propriedade, tendo como requisito central a posse pacífica de determinado bem por determinado lapso de tempo, que é variável de acordo com a espécie da usucapião analisada, entre outros requisitos. No caso específico da usucapião familiar ora tratada, ressalte-se que é de matéria civil e de direito de família, porquanto estar relacionada ao término do vínculo afetivo dos cônjuges e companheiros. O instituto em estudo está inserto no artigo 1.240-A do Código Civil, e foi introduzido pela Lei nº 12.424/2011, assim dispondo: Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Adiante, a lei determina que esta modalidade de usucapião não poderá ser reconhecida por mais de uma vez à mesma pessoa. Tendo em vista que o abandono do lar é ato estritamente voluntário de um dos cônjuges ou conviventes, aquele que deseja evitar tal situação de perda da propriedade deve se resguardar adotando algumas medidas, como regularizar o fim do matrimônio com a consequente partilha de bens, podendo propor ação de divórcio ou dissolução de união estável, conforme seja o caso. Existem, ainda, outras formas de se descaracterizar o abandono do lar, como arbitramento de aluguel proporcional, bem como estipulação de comodato, por exemplo, desde que sempre observado o prazo de dois anos de que trata o dispositivo de lei. Recomenda-se consulta com seu advogado de confiança caso diante dessa situação. Finalizada essa sucinta análise sobre o instituto da usucapião familiar, é forçoso convir que o direito à propriedade privada, a despeito de ser tida como sagrada por estar no rol dos direitos fundamentais, não é absoluta, podendo haver a perda da propriedade, na perspectiva daquele que abandona o lar, por meio da usucapião familiar, conforme acima tradado. Vale ressaltar que o ordenamento jurídico pátrio ainda prevê outras situações de perda da propriedade. Em verdade, não só o direto à propriedade não é absoluto, assim como todos os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal também não o são. O Princípio da Convivência das Liberdades Públicas serve como um dos fundamentos, entre vários existentes, para impor esses limites, melhor traduzido no popular ditado, que assim diz: “o meu direito termina quando começa o do outro.” Ainda, a Teoria Interna e Externa sobre restrições dos direitos fundamentais determina, em síntese, que, no caso da primeira, os direitos fundamentais possuem limites imanentes, isto é, os limites já decorrem da própria natureza do direito fundamental. Como exemplo, a liberdade religiosa não dá o direito a realização de sacrifícios humanos, pois esse já seria um limite interno do próprio direito. Por outro lado, a Teoria Externa tem como premissa que a restrição ao direito fundamental está fora do próprio direito invocado em si, ou seja, por outro direito externo a ele. Talvez o mais clássico dos exemplos seja o de que a liberdade de informação pode ser restringida pela privacidade. Por fim, retornamos a dizer que, embora possa se conceber como sagrado um determinado direito, existes outros igualmente sagrados que merecem igual proteção. Dai o porquê não se pode usar tal argumento – de que o direito é sagrado – como pretexto para se negar proteção a outras situações, haja vista não existirem direitos absolutos, e se existissem, estaríamos fadados ao caos social. Fonte: O Rio Branco